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Bernardo Silva: 'the Captain' e o futuro
É uma decisão inédita. Pela primeira vez na sua carreira, Guardiola não colocou a escolha da braçadeira nas mãos dos jogadores e do staff técnico. Após uma temporada em que, nas suas palavras, viu coisas de que não gostou, o treinador decidiu intervir diretamente. Escolheu Bernardo para liderar. Com ele, como vice-capitães, estarão Rúben Dias, Rodri e Erling Haaland. Mas é ao médio português que cabe agora o símbolo da liderança, o peso da herança, a responsabilidade de guiar um dos melhores plantéis do mundo.
Ser capitão de uma equipa como o City não é um prémio - é uma missão. E não se resume a entrar em campo com a braçadeira no braço ou a representar o grupo no sorteio do pontapé de saída. Ser capitão é ser exemplo - em campo e fora dele. É ser equilíbrio nos momentos de tensão, voz nos momentos de dúvida, abraço nos momentos de dor. É saber quando falar… e quando escutar.
Bernardo sempre teve essa sensibilidade. Chegou a Manchester em 2017, vindo do Mónaco, e rapidamente se impôs com a sua inteligência, humildade e capacidade de trabalho. Ganhou o respeito dos colegas, o carinho dos adeptos e a admiração dos treinadores. Não grita, não impõe. Mas todos o seguem. Porque Bernardo lidera de forma invisível, como só os grandes o sabem fazer.
Kevin De Bruyne, um dos maiores génios da última década, disse-o sem hesitar: Bernardo é o jogador mais subvalorizado da Premier League. Só quem joga com ele percebe tudo o que ele dá.
João Cancelo foi ainda mais longe: É dos jogadores mais inteligentes com quem joguei. Sabe sempre o que fazer.
E Guardiola, que já treinou alguns dos maiores de sempre, vê em Bernardo um perfil raro: completo, fiável, generoso com o jogo e com os colegas.
A escolha de Bernardo também simboliza uma era. Ele é um dos sobreviventes da geração que construiu o City campeão da Premier League, da FA Cup e da tão desejada Liga dos Campeões. É parte do ADN vencedor do clube. É memória viva de um futebol que se joga com cabeça, criatividade e compromisso.
A nomeação como capitão coincide, no entanto, com um momento de viragem na sua carreira. Aos 30 anos, com contrato até 2026, Bernardo já admitiu que esta poderá ser a sua última temporada em Inglaterra. Sei o que vou fazer, mas não é tempo de falar sobre isso. Estou focado em jogar bem pelo City, afirmou recentemente.
Há rumores de um possível regresso à casa-mãe, o Benfica. Eu acredito que Bernardo Silva será jogador do Benfica na próxima época caso não renove contrato com o City. Não por uma transferência milionária. Mas porque é o único cenário possível para um jogador deste calibre regressar a um clube português: de forma livre, por vontade própria e com o coração como bússola.
Bernardo virá não para terminar a carreira, mas para ser uma mais-valia clara para o Benfica. Recusará clubes de dimensão planetária, que o desejam. Recusará os milhões das Arábias, que o encantariam financeiramente, mas não espiritualmente. Porque o que move Bernardo não são apenas títulos ou dinheiro - é pertença, é identidade, é paixão.
Ao longo da sua carreira, provou ser um profissional de excelência, mas também um homem de valores. E é isso que o torna especial. Tal como a sua liderança no City não assenta em gritos, o seu eventual regresso à Luz não será um gesto mediático. Será, isso sim, um gesto de amor.
No futebol de hoje, onde as lealdades são frágeis e os compromissos voláteis, Bernardo Silva representa algo raro: uma coerência entre o que se joga, o que se sente e o que se acredita. Foi assim no Mónaco. É assim em Manchester e na nossa seleção. E poderá ser assim, muito em breve, em Lisboa.
Bernardo Silva é agora o capitão dos citizens. Não por gritar mais alto. Mas por saber escutar. Não por impor autoridade. Mas por inspirar confiança. Não por ter chegado ao topo. Mas por nunca ter deixado de ser fiel à sua forma de estar: com humildade, trabalho, talento, lealdade e um toque de irreverência.
«Liderar no Jogo» é a coluna de opinião em abola.pt de Tiago Guadalupe, autor dos livros «Liderator - a Excelência no Desporto», «Maniche 18», «SER Treinador, a conceção de Joel Rocha no futsal», «To be a Coach» e «Organizar para Ganhar» e ainda speaker.