As grandes histórias à volta da Volta

OPINIÃO06.08.202206:30

Havia figuras únicas e inesquecíveis da Volta. O Neves de Sousa, o Brito da Manha, o Fernando Primo, protagonistas de histórias alucinantes

AVolta a Portugal parava o país. Portugal era ainda mais desigual do que é hoje e a passagem da Volta pelo interior, os ciclistas e a extensa caravana publicitária davam cor e alegria a um país triste e a preto e branco.

Havia o que chamávamos o povo da Volta. Um povo de saltimbancos do grande circo ambulante que animava o país. Muitos de nós éramos os mesmos, ano após ano, e estabeleciam-se cumplicidades e amizades que tornavam a canseira mais suave e divertida. Há milhares de pequenas e de grandes histórias à volta da Volta e figuras carismáticas da prova mais popular de Portugal e do ciclismo.
 

ONeves de Sousa, inesquecível jornalista do Diário de Lisboa, fez um número inimaginável de Voltas a Portugal. Tinha muitos filhos em casa para alimentar (alguns deles aí estão, também nas lides jornalísticas) e precisava da Volta para reforçar o seu magro ordenado mensal. Não que o DL lhe pagasse mais pela Volta, mas porque lhe dava oportunidade de escrever diariamente para quatro ou cinco publicações. No final de cada etapa escolhia uma mesa da sala da imprensa e ficava horas a fio a escrever textos diferentes sobre o mesmo assunto. Quando terminava um texto, dizia alto: «Vamos lá aviar mais outro.» Não havia quebra de qualidade. Ângulos diferentes, entrevistas diferentes, ninguém teria razões de queixa.

A Volta tinha também os seus lugares emblemáticos. Um deles era o Palace da Curia, onde a caravana de jornalistas pernoitava, com muitos de nós a entrar pela madrugada em conversas da vida e do mundo e, alguns outros, em jogatanas de cartas, que não tinham fim até ao nascer do sol. Havia um grande incentivo: por gentileza da família Alexandre Almeida, tínhamos acesso livre à cave onde repousavam os belos vinhos tintos do Buçaco. Era o cenário ideal para o Neves de Sousa ganhar apetite. Ao fim da manhã, depois de uma noite em claro, entrava prazenteiro num restaurante da Mealhada para tomar o seu pequeno almoço de leitão acabadinho de assar. 
 

A Volta dava alegria e cor a um país triste 

OBrito da Manha, engenheiro de profissão e apaixonado pelo ciclismo, criador da equipa do Tavira, foi outra figura carismática da Volta, com o seu velho Mercedes a poluir o mundo com o óleo queimado pelo ancestral motor. Um dia, a Volta parou no Algarve e os jornalistas juntaram-se numa imensa esplanada com vista para o mar. Os barcos de pesca saíam para a faina e, ao longe, viam-se os pontinhos luminosos em linha. Um ingénuo jornalista, estreante destas andanças, perguntou ao Brito da Manha o que era aquilo que se via ao longe e o velho homem sábio de barbas brancas disse, de forma muito convicta: «Então não sabe? É a nova autoestrada para Marrocos.» Evitámos o riso e o jovem jornalista ficou em silêncio. Parecia-lhe difícil de acreditar, mas se fosse verdade não queria mostrar a vergonha desse desconhecimento. 
 

FERNANDO PRIMO, o mítico motorista de A BOLA, era outro cromo imperdível na caravana voltista. Condutor desenfreado e a roçar o louco, varria as estradas, como ele dizia, pela faixa do meio (entre a que ia e a que vinha). Por vezes, o meu pai que liderava a equipa de A BOLA tinha dificuldade em controlá-lo. Numa tarde de discussão, o Primo distraiu-se e, no centro do Peso da Régua, «passou a ferro» um pé de um polícia. No ano seguinte insistiu em saber do homem. Mal pensado. O polícia só podia fazer trabalho de secretaria e lembrava-se bem de quem o condenara. 
 

DENTRO DA ÁREA – INADIÁVEL E IRREPETÍVEL

ANTÓNIO SALVADOR, presidente SC Braga, assinou, ontem, em A BOLA, um artigo de opinião que é, também, uma mensagem forte e urgente para o mundo do futebol português. É tempo dos seus dirigentes perceberem como é crucial  pensar o jogo e os atuais modelos competitivos. Assinalável e elogiável que Salvador vá mantendo, sob o signo da mudança, uma ação consistente e permanente, tal como é tristemente revelador que, entre os seus pares, poucos ou nenhuns ecos se façam ouvir. Uma exceção importante para Pedro Proença. 
 

FORA DA ÁREA – A TEIMOSIA DA VELHA SENHORA 

A presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, Nancy Pelosi, fez vencer a sua insistência em visitar Taiwan num tempo de perigosa instabilidade mundial, numa altura em que se assiste ao desequilíbrio das relações entre as superpotências, criado a partir da invasão russa da Ucrânia. A situação da guerra já era suficientemente inquietante e não precisávamos de que a velha senhora sobrevoasse o pacífico para deitar gasolina no incêndio que lavra sem fim à vista. Haverá interesses em jogo, mas não de nós todos.