Vão Benfica e Portugal resistir até quando?
Portugal podia ter ficado de uma só vez sem representantes na Europa, que apenas ainda avança para os quartos de final. Resta o Benfica e nem se pode dizer que o atual campeão nacional tenha sido aquele que melhor imagem deixou até aqui. Bem pelo contrário. Diante de um Rangers competente e organizado sim, porém com massa crítica bem aquém da dos encarnados no que ao talento diz respeito, estes não conseguiram mandar no jogo e aproveitaram apenas a manta subida dos escoceses para lá do meio-campo para isolar Rafa na cara do guarda-redes e rezar para que, dessa vez, o avançado não falhasse. Não falhou. A fezada de aguentar em campo mais uma vez um dos jogadores menos ligados à partida acabou por dar certo e até fazer história: foi a primeira vez que um emblema português ganhou no estádio dos protestantes de Glasgow.
O Sporting enfrentou o que se esperava, um quebra-cabeças bergamasco, talvez até mais na primeira mão do que ontem, criado pelo admirável Gian Piero Gasperini. Uma bela Atalanta, que faz inveja a praticamente todos os rivais da Serie A, exceto talvez ao Inter de Simone Inzaghi, afastado da Champions, porém líder incontestado no seu país, e ao surpreendente Bolonha de Thiago Motta, a abrir já as portas dos grandes clubes para o antigo internacional italiano. Mesmo que os resultados às vezes a comprometam. Um modelo complexo, todavia ao mesmo tempo linear e geométrico, que persegue a simplicidade de movimentos, não tanto contudo quanto o golo inaugural de Pedro Gonçalves, inspirado nas quadras de futsal. Gyokeres decalcou-se nesse instante, muito provavelmente, de Zicky Té.
O golo foi banhado a lágrimas com a triste lesão muscular de Pote, que deixou a equipa órfã da sua inteligência até ao apito final e poderá vir a ser lamentada na reta decisiva do campeonato. Quantas daquelas lágrimas não se deviam também à perda de uma oportunidade única de estar no mesmo relvado que Roberto Martínez?
A simplicidade com que os leões sofreram os golos foi tudo menos natural. Erros pouco comuns num conjunto normalmente muito coeso no momento sem bola tornaram fácil a reviravolta dos transalpinos e, posteriormente, os avançados não conseguiram compensá-los, apesar das muitas oportunidades que tiveram para fazê-lo. Tudo somado, o atual líder da Liga não se conseguiu superiorizar na eliminatória ao atual sexto classificado do calcio. Apesar de belo, como disse antes.
Em Londres, e perdas na tradução à parte, o FC Porto mostrou toda a sua face competitiva. De faca nos dentes, tentou abafar o Emirates com pressão intensa sobre o portador, e anulou - essa é a palavra que mais se adequa - muito do que o rival podia fazer-lhe. Num dos dois ou três momentos em que não o conseguiu, e porque Odegaard já vê também coisas que muitos poucos veem, os gunners castigaram os soldados de Sérgio Conceição com o empate na eliminatória. Otávio e Pepe foram fantásticos, Varela e Nico insuperáveis - como se esperava quando foi anunciada a contratação do espanhol -, Pepê construiu inúmeras pontes e os dragões igualaram o rival até ao desempate nos penáltis. Igualaram. Será mesmo assim tão injusta a qualificação dos ingleses, que mantiveram a identidade e quiseram dominar desde o primeiro minuto dos oitavos de final?
Somadas as presenças nos quartos das três competições continentais, a Inglaterra apresenta-se com 5 equipas (Arsenal, Manchester City, West Ham, Liverpool e Aston Villa), Itália 4 (Milan, Atalanta, Roma e Fiorentina), Espanha (Barcelona, Atlético Madrid e Real Madrid), França (PSG, Marselha e Lille) e Alemanha 3 (Dortmund, Bayern e Leverkusen). Seguem-se Grécia com 2 (PAOK e Olympiakos), Turquia (Fenerbahçe), Bélgica (Club Brugge), República Checa (Viktoria Plzen) e Portugal com 1 (Benfica). Quando falamos da competitividade da nossa Liga deveríamos olhar com atenção para esta lista, mesmo que o copo meio-cheio nos diga que Portugal é o único país fora das Big Five nas duas principais competições: Liga dos Campeões e Liga Europa. É escolher, tudo depende das expetativas que temos.
Volto a Glasgow por duas razões. Uma delas é João Neves, que nos surpreende a cada jogada, a cada duelo, de cada vez que puxa pelas alças e quer carregar a equipa às costas como se fosse uma mochila que leva para a escola. Faça chuva, sol, esteja a equipa bem ou, como nos últimos tempos, ande mal, carregada de dúvidas, de olhos no chão. Aos 19 anos, não as tem. Ou então não pensa muito nas coisas, o que também deverá ser apreciado. Não lhe importa se decidiu bem ou mal, porque tem uma segunda vida para jogar e recuperar a bola, e geralmente consegue-o. Não importa se tem de correr para trás e para a frente, com o jogo partido, e começar mais uma jogada do zero. Se tem de ser ele a assumir a primeira e a segunda fase de construção. Nada importa. O que o torna tão importante, ainda mais com o apoio de alguém como Florentino ao lado. Se correr mal no fim, o seu aparecimento é pelo menos uma coisa que têm de agradecer a Schmidt. Mesmo que não queiram. O que seria agora esta equipa sem o jovem médio?
No plano oposto, encontramos Otamendi. Onde está a liderança, a tranquilidade, o saber estar e o saber sempre o que fazer que vem da idade, da experiência e até de um título de campeão do mundo? O argentino tem feito praticamente quase tudo mal nos últimos jogos. Encurta ou sai à queima quando deve fazer contenção, alivia de forma disparatada quando pode sair com critério, é de uma sofreguidão contagiante na altura em que deveria simplificar. É incompreensível que seja precisamente o capitão o menos líder em campo.
P.S. Wataru Endo tem sido dos jogadores de que mais tenho gostado esta temporada. O médio japonês chegou como reforço low cost e Jürgen Klopp já não consegue passar sem ele. É Endo quem sustenta este Liverpool revitalizado. Façam o exercício. Tirem o som da TV e olhem só para ele. Vão perceber rapidamente.