O Santiago Bernabéu recebeu, a 16 de novembro, um jogo da NFL entre Dolphins e Commanders
O Santiago Bernabéu recebeu, a 16 de novembro, um jogo da NFL entre Dolphins e Commanders - Foto: IMAGO

Resistência ou falta de interesse?

O lado invisível é o espaço de opinião quinzenal de Rui Lança, Diretor executivo de outros desportos do Al Ittihad, da Arábia Saudita

No último fim de semana, o Santiago Bernabéu recebeu um jogo da NFL. Curiosamente, o estádio, que em breve se chamará apenas Bernabéu por motivos comerciais, foi palco de aplausos para o futebol americano, enquanto o Presidente da La Liga criticava o Real Madrid por este se opor a uma jornada da Liga nos EUA. Ironias e (in)coerências do mundo moderno do desporto.

Nos últimos meses, vimos rumores de que a Premier League pretende realizar um jogo oficial fora da Inglaterra, talvez nos EUA ou na Austrália. A NBA, por sua vez, já olha para a Europa em 2027, não apenas com jogos isolados, mas com um projeto de liga que ninguém sabe bem como irá estar estruturado, mas que conta com um clube português incluído nesta jornada. As Supertaças italiana e espanhola acontecem perto de onde me encontro a escrever e, recuando — e somente para dar mais um exemplo —, a nossa Supertaça já foi disputada em Paris, em 1995 e 1996, para gáudio dos emigrantes.

Se há algo que une clubes, federações e franchises é o objetivo de aumentar receitas. Seja através de bilheteira, merchandising ou marketing, o foco é reforçar a competitividade interna e, noutros casos, externa. Mais dinheiro significa poder manter talentos, contratar melhores atletas, estar mais perto de vencer mais vezes e investir melhor. A boa utilização dessas receitas é outra história, mas a necessidade de as gerar é clara.

Diria que não é má gestão, mas sim estratégia. Se concordamos com a mesma ou se pode ser sinal de má gestão de alguns recursos, será outra conversa. Poucas ligas recusam oportunidades internacionais, a começar pelas top-5, que são mais apelativas mas, por outro lado, as que conseguem gerar mais receitas internamente. A ideia não é vender identidade ou colocar a seriedade em causa, mas explorar novos mercados e novas fontes de receita, desde que a cultura e a governança das competições sejam respeitadas.

Por outro lado, o caso alemão mostra que o contexto é determinante. A Bundesliga, com a segunda maior média de assistência da Europa — até a Bundesliga 2 supera a La Liga (dados de 2024/25) —, sabe que avançar para este tipo de jogos pontuais fora de portas pode criar um conflito gigante com os seus adeptos. Para termos uma ideia, há clubes alemães com mais público em jogos domésticos do que europeus, sendo isto uma normalidade mesmo noutras modalidades. Contexto é rei, sempre. A verdade é que a liga alemã é bastante forte internamente, gera muitas receitas aos diversos clubes, embora exista uma enorme gap entre o Bayern Munique e os restantes, e a última vez que um clube alemão venceu uma competição europeia de clubes foi em 2020 no Estádio da Luz, na final entre o Bayern Munique e o PSG.

E Portugal? Como podemos crescer ou diversificar? Existe uma necessidade para ontem de que as receitas cresçam, especialmente face ao incremento das despesas. Isto passa também por ter um quadro competitivo mais aliciante: reduzir clubes, criar horários mais atrativos, diminuir a dependência televisiva — especialmente a financeira —, reforçar a governança e já não vou tão longe como alterar o quadro competitivo como fez a Bélgica. Tudo parece consensual. Mas o desafio será mais fácil de alcançar quando existir uma união dos clubes, algo que parece difícil a curto prazo.

Outra alternativa pontual seria levar a Taça da Liga (caso se mantenha) ou a Supertaça para o estrangeiro, de forma a promover melhor o campeonato. Se existem países interessados ou mercados que nos interessam será outra conversa. Se houver interesse, ótimo; caso contrário, será preciso criatividade.

Abrir os clubes a investidores é outra realidade inevitável, que já acontece com grande frequência em Portugal, especialmente entre os clubes de menor dimensão, tornando-os (potencialmente) mais robustos, fortes e estáveis, se os fundos, parceiros ou donos forem sérios. O SC Braga aproximar-se-á cada vez mais dos três grandes, e poderemos assistir — apenas dois exemplos — a um Moreirense ou Gil Vicente a sonhar estar mais perto do 4.º ou 5.º lugar do que do cenário de sobreviver anualmente à luta pela descida.

Os clubes portugueses não podem viver apenas da venda de talentos (nem sempre os há e, automaticamente, ficam fragilizados competitivamente, nem que seja externamente). Já competem com clubes da segunda metade da tabela de ligas maiores por jogadores e começa-se constantemente a recorrer a empréstimos obrigacionistas para pagar os anteriores, por vezes. Em Portugal — e porque o futebol não vive numa bolha —, num país com baixo poder de compra, isso é vai ser mais evidente. Precisamos de imaginação e alguma ousadia. A liga inglesa, francesa, italiana e espanhola já deram esse passo, sendo que a nossa hesitação pode ser fruto de algum conservadorismo ou das dores antecipadas da gestão de uma medida destas.

A Federação Portuguesa de Futebol e a Liga têm um papel crucial: proteger clubes e potenciar as competições. Algumas decisões serão impopulares, é certo, mas não vejo grande alternativa se quisermos ser competitivos na Europa. Cada dia sem uma decisão é um dia em que ficamos para trás.