O Sporting e a revolução silenciosa
Aideia de que o Sporting pode ganhar um título de campeão nacional, mas que ainda é cedo para se candidatar a um ciclo de hegemonia no futebol português, que tem sido, desde há décadas, partilhado pelo Benfica e pelo FC Porto, pode tornar-se, apenas, num desses mitos urbanos que os factos derrubam com facilidade.
A verdade é que em Alvalade vai avançando, paulatinamente, e sem grandes rasgos mediáticos, aquilo a que se pode chamar uma revolução silenciosa. É um caso de estudo, porque sendo a mudança não apenas evidente como de profunda rutura com o passado, ela tem ocorrido sem anúncios públicos, sem heróis aclamados nas ruas e, até, sem vítimas a lamentar.
Um presidente, Frederico Varandas, médico convertido em gestor low profile de um clube de futebol (e não só) profissional; Hugo Viana, um trabalhador nas águas profundas de um plantel onde cada um cumpre a missão de ser melhor do que quando ali chegou; um treinador, Rúben Amorim, esse sim, cabeça de cartaz de um dream team à portuguesa, com manifesta aceitação como líder de um grupo amigo de rapazes divertidos, mobilizador de um forte espírito de equipa, alargado ao universo, enfim feliz, dos adeptos e surpreendente comunicador na grande eficácia do seu discurso. Eis o que se sabe e conhece dos nomes dos queridos líderes de Alvalade, admitindo-se, porém, que sendo, este, o núcleo duro do comité revolucionário, outros, em anonimato, ocupem com mérito as suas funções mais reservadas.
Ou seja, o Sporting consolida alicerces e, não menos importante, consolida uma nova filosofia vencedora que o eleva a um patamar de grandeza que orgulharia o Visconde de Alvalade, o aristocrata dos finais do século XIX que criou um clube para ganhar em Portugal e no mundo.
Como em todas as revoluções, o mais importante é manter o ritmo, não desviar o objetivo, garantir a unidade. Não se trata de se contentar, de tempos a tempos, com uma bonita e glamorosa festa no Marquês. Trata-se de chegar aos calcanhares do Benfica e do FC Porto e de ter forças, engenho e arte para arrancar a caminho de uma liderança isolada. Não apenas na classificação do campeonato, mas na corrida maior e mais importante da vida desportiva.
Nestas coisas de acentuada mudança da História, a surpresa é sempre essencial. Além da definição clara do objetivo e da estratégia para o alcançar.
É preciso não esquecer que, apesar da evolução cibernética, da revolução tecnológica, da experimentação da Inteligência Artificial, o Homem continua a ser o bem mais essencial. O que determina o sucesso ou o insucesso de uma empresa, de um clube, de um simples projeto unipessoal é a inteligência, a criatividade, a resiliência, o conhecimento dos seus principais líderes e a diferenciação da sensibilidade especial para criar equipas fortes e competentes.
Para o futebol português, é também bom que haja um clube com legítimas ambições, a apostar na inovação, na modernidade, na qualidade e no rigor da gestão. Tal como é boa esta ideia de alternância de ciclos de poder desportivo.
A entrada nesse ciclo de um clube como o Sporting que não tem tido os mesmos meios financeiros dos seus mais diretos rivais é também um sinal de esperança num futebol português mais nivelado, mais competitivo, mais democrático. Mas não é um empreendimento fácil de desenvolver com sucesso. Ainda falta caminho, sim, mas aquele que foi já caminhado mostrou uma direção certa. Daí que a próxima época esteja a ser planeada com tão forte aposta na preservação dos melhores e em novas escolhas cirúrgicas.
Acaba no banco todo um reinado
Pinto da Costa quer acabar o seu reinado de 42 anos no banco. Não por se sentir suplente, mas porque não consegue evitar a tentação de se a autonomear para uma homenagem simbólica. Durante muitos anos, Pinto da Costa foi um presidente com assento no banco, nos jogos do FC Porto. Sempre achou que a sua presença à flor da relva inspirava a equipa e influenciava o jogo. Possivelmente, sim. E agora, em vésperas da passagem definitiva de testemunho, quer reviver esses tempos numa final. Por ironia, no Municipal de Oeiras.
País pasmado com o grotesco
UM país que fica pasmado em frente a um ecrã de televisão, acompanhando horas e horas um género de teatro bufo, interpretado por um deprimente ator do burlesco que na vida ou no palco nunca deixa de estar em cena, é um país encarcerado na sua demência social. Incapaz de entender a diferença entre o dramático e o grotesco. Impreparado para tratar de forma séria e racional um futuro que se anuncia de desassossegos mundiais. E isso não é obra das televisões, mas, é preciso que se diga, também é obra das televisões.