O outro Abel voltou
Desde que o Botafogo optou, em 1953, por contratar um moleque com estrabismo, deformação na espinha, desequilíbrio na bacia e diferença de seis centímetros entre as pernas, cujos joelhos batiam um no outro, que o futebol brasileiro passou a respeitar as decisões absurdas porque o moleque em causa se chamava Manoel Francisco dos Santos, vulgo, Garrincha.
Mas as decisões absurdas, regra geral, são mesmo só absurdas. A última decisão absurda do futebol brasileiro foi obra da direção do Internacional: contratar Abel Braga. Aliás, essa foi a penúltima: a última decisão absurda foi a de Abel Braga, supostamente reformado desde 2022 e cujo último título relevante foi o Brasileirão de 2012, ao aceitar.
Depois de Roger Machado, que deixou a equipa em 13.º, o colorado contratou Ramón Díaz, ex-Corinthians, que a atirou para 16.º, antes de, a 180 minutos do fim do Brasileirão, chegar o veterano treinador. Nos primeiros 90’, Abel sofreu uma derrota sem apelo na casa do São Paulo, por 3-0, e passou a 18.º.
Agora, só por capricho da calculadora o centenário clube gaúcho, três vezes campeão brasileiro, duas vezes campeão da Libertadores e uma vez campeão mundial, frente ao Barcelona de Ronaldinho, Xavi, Iniesta, Deco e outros, precisa ganhar ao Bragantino e torcer por dois resultados paralelos para escapar das garras da Série B.
Sim, aquela vitória sobre o Barcelona de Ronaldinho e companhia foi sob o comando de Abel Braga, mas o tri do Brasileirão foi sob a batuta do notável Falcão e nem por isso a alguém ocorreu contratar para o meio-campo o velho Rei de Roma por mais que ele até mantenha a forma.
O absurdo da contratação de Abelão, aliás, ficou provado logo na conferência de imprensa de apresentação, quando o treinador, cuja bonomia é lendária e reconhecida por todos os que com ele lidaram, diga-se de passagem, mostrou o seu descompasso com a atualidade.
Pediu para a equipa não treinar mais de cor de rosa porque é coisa de veado, um comentário que, fosse partilhado lá no começo da carreira dele, no Rio Ave, no Famalicão, no Belenenses ou no Vitória de Setúbal, já soaria ultrapassado e sem graça.
Adiante. O problema talvez seja menos Abel e mais a direção liderada por Alessandro Barcellos que, mesmo gastando cerca de 3,3 milhões de euros por mês em ilustres de altos salários, como o colombiano Rafael Borré, ex-Eintracht Frankfurt, ou o equatoriano Enner Valencia, ex-Fenerbahçe e entretanto mandado para o Pachuca, nunca soube proporcionar, com despedimentos de treinadores em série, um ambiente vencedor no clube.
Mas e pode o Inter, mesmo com Barcellos, Abel e tanta decisão absurda, salvar-se na última jornada? Só se os jogadores colorados se transformarem em Garrinchas.