Paulo Navalho era um avançado rápido e possante e terminou a formação no Benfica (Foto DR)
Paulo Navalho era um avançado rápido e possante e terminou a formação no Benfica (Foto DR)

Navalho, o talento esquecido que morreu em campo na Tapadinha

Formado no Benfica é relembrado pelo amigo Rui Pedro. A morte voltou a sair à rua em Alcântara em 1987

Paulo de Jesus Navalho, nascido na véspera de Natal de 1967 será um nome que se foi perdendo na roda do tempo.

Caiu prostrado em campo na Tapadinha numa manhã quente de 23 de agosto de 1987 e não mais acordou. A Morte saiu à rua é uma das mais célebres canções de Zeca Afonso e recorda o assassinato pela PIDE do pintor José Dias Coelho a 19 de dezembro de 1961 na então Rua da Creche, em Alcântara.

Contas feitas, a escassas duas ruas do Estádio da Tapadinha. Portanto, naquele dia de 1987 a morte voltou «a sair à rua num dia assim», como diz umas das estrofes da canção.

A história é recordada, em primeira instância, por Vítor Cândido, jornalista de A BOLA durante anos a fio que foi destacado para cobrir o encontro de preparação entre o Atlético e o Al Jazira, equipa dos Emirados Árabes Unidos. «Era um típico jogo de preparação que foi organizado pelo malogrado empresário Manuel Barbosa. O chefe do jornal Vítor Santos marcou-me o jogo à última hora. Lembro-me como se fosse hoje. Logo na fase inicial, houve um pontapé de baliza a favor dos árabes e, de repente, o Navalho caiu prostrado sem que ninguém lhe tocasse. Entrou o massagista do Atlético em campo e o médico do Al Jazira e apercebemo-nos que algo de grave tinha acontecido mas nunca pensámos que fosse aquele o desfecho. Chamou-se a ambulância através do número de então, o 115 e ele foi para o hospital e o jogo prosseguiu. Mais tarde, viemos a saber que falecera», relata.

Paulo Navalho foi formado primeiro no Sporting, depois no Oriental e mais tarde no Benfica, clube que esta sexta-feira reencontra o Atlético. Só neste último o avançado não teve por companheiro Rui Pedro, um médio louro que chegou a integrar o plantel principal do Benfica e marcou numa Supertaça Cândido de Oliveira em 1986, frente ao FC Porto.

Rui Pedro é o segundo a contar da esquerda na fila de cima, nos tempos de Benfica (Foto A BOLA)

Hoje com 59 anos e ligado ao ramo imobiliário, já não se lembra bem do que estava a fazer quando recebeu a notícia, só que não queria acreditar no que lhe estavam a contar. Só se lembra de ter ido ao velório na Igreja de Alcântara. «Foi do tipo do Féher, era daquelas pessoas que respirava saúde…», jura.

As mortes em campo, felizmente, não são algo assim tão normal mas, curiosamente, Paulo Navalho como que caiu no esquecimento.  «É uma coisa triste, e as coisas tristes normalmente, não sei se tentamos esquecer, ou pôr para trás as costas, mas é verdade está um pouco esquecido. O Paulo, acima de tudo, era uma excelente pessoa e merecia ser mais falado.  O Paulo e a família eram duma educação acima da média.  Mas teve azar, muito azar na vida, muito azar», sublinha. «Temos de recordar uma ótima pessoa, sem dúvida nenhuma. E não estou a dizer isto por ter falecido. Fale com quem falar toda a gente vai dizer a mesma coisa. Sempre bem disposto. Nunca criava problemas, estava sempre bem disposto,  era um bom colega. No Benfica, umas vezes jogava, outras vezes não e estava sempre igual», junta.

José Carlos Ferreira, hoje em dia comentador desportivo, com passagens por Benfica, Portimonense, Belenenses e Atlético, entre outros, corrobora a versão de Rui Pedro, tal como Vítor Chow, que jogava no Sporting mas foi colega de Navalho numa seleção de juvenis.

Paulo Navalho vivia na Costa de Caparica, perto do campo do Pescadores, e Rui Pedro em Almada. «Entretanto, mudei-me para a Costa e aí uma vez por ano vejo o irmão mais velho dele», revela.

No que toca às características futebolísticas de Navalho, que jogou algumas vezes pelo Benfica nas reservas da AF Lisboa, Rui Pedro faz um retrato: « Era bom jogador, um avançado rápido e muito forte fisicamente. É aquilo que se chama um bicho, era muito poderoso. Na altura não havia muitos, talvez só o Maniche, aquele dinamarquês alto e louro que jogou no Benfica por essa altura.»

Nessa equipa de juniores do Benfica campeã nacional em 1984/ 85 orientada pelo mítico Ângelo Martins, além de José Carlos, Navalho ou Rui Pedro, pontificavam ainda Elísio, Albuquerque ou Cadri.

Quis o destino que no sítio onde foi internacional juvenil numa vitória de 3-0 sobre a França com hat trick de Litos, Navalho caísse. Ali na Tapadinha, com vista para a ponte de passagem para a outra margem do Tejo. Mas, afinal, a vida é sempre uma passagem, mas para Paulo foi injusto ser tão curta...

Rui Pedro considera uma «ideia feliz» a propósito do Atlético-Benfica recordar e homenagear Navalho. Aqui fica.

ANTÓNIO CARRAÇA EVOCA O «EXCELENTE SER HUMANO»

António Carraça, antigo jogador, presidente do sindicato e diretor do Benfica fazia parte do plantel do Atlético e relembra a fatídica manhã. «Não joguei mas estava a assistir à partida e lembro-me muito bem de o vermos cair sem mais. Depois fomos ao hospital, onde foi declarado o óbito. Ficámos destroçados», diz. O esquecimento a que foi vetado Navalho está relacionado, segundo o agora comentador, com o facto de a então II Divisão, mais concretamente a Zona Sul, ser «o futebol dos pobrezinhos». «Mas recordo-me bem dele e era um excelente ser humano», diz.

Jorge Jesus e António Carraça faziam parte do plantel do Atlético em 1987 (Foto A BOLA)

António Carraça afiança que não foi fácil ultrapassar o trauma da morte de Navalho: «O treinador era o sr. Fernando Peres, alguém muito experiente. E no plantel estavam jogadores experientes como eu, o Jorge Jesus e o Miguel Quaresma, que foi adjunto de Jesus. Foi complicado deitar para trás das costas esse episódio. Nas primeiras jornadas andámos ali um pouco a navegar na maionese, mas depois passou, embora ficando a marca».