Entrevista a Óscar Tojo, novo coordenador técnico nacional da Federação Portuguesa de Futebol

«Nas camadas jovens todos têm de jogar. Por sensibilização ou regulamentação»

Óscar Tojo, novo coordenador técnico nacional da Federação Portuguesa de Futebol fala dos projetos para a nova estrutura e ainda aborda a sobrecarga de calendários

Óscar Tojo, 45 anos, jogou futebol, foi coordenador técnico da Associação de Futebol de Évora, de onde é natural, e tem experiência em clubes como União de Leiria e Nacional, em Portugal,  Santos Laguna, Cruz Azul e Tigres, no México, e Al Shabaab, na Arábia Saudita. Começou a época anterior como fisiologista da equipa técnica do FC Porto, com Vítor Bruno, e regressa agora à Federação Portuguesa de Futebol, onde já tinha estado, para assumir o cargo de coordenador técnico nacional

— Quais são as linhas gerais da Federação para estes próximos anos?

— Estamos ainda num processo de respeitar, avaliar o passado, analisar o presente e tentar perspetivar o futuro. Sabemos à partida que existe uma vontade muito grande de unir toda a estrutura técnica nacional às estruturas técnicas distritais e este é um passo muito importante, unir o futebol para que possamos potenciar todo o talento de Portugal. Estamos agora a começar a construção da nova estrutura técnica, com algumas áreas novas também, e acreditamos conseguir potenciar todo o valor que existe não só nas seleções nacionais, nos clubes que fornecem esses jogadores, mas também ao nível das associações de futebol, porque é aí que tudo começa.

— Já houve iniciativas nesse sentido?

— A partir do momento em que entrámos em funcionamento fomos de encontro aos coordenadores técnicos distritais. Fizemos, no último mês, a volta por todos, de Norte a Sul, passando pelas ilhas, e estivemos em contacto com eles nas suas instalações, para perceber o que é que cada um faz, quais as dificuldades que cada um tem, quais são as suas preocupações em termos do desenvolvimento em variadíssimas áreas: seleções distritais, processos de certificação, quadros competitivos, democratização da prática, formação de treinadores… Ou seja, tocámos transversalmente nos vários pontos de intervenção dos coordenadores. Acreditamos que existe um espaço de crescimento importante e essa estrutura técnica nacional será a base e o sustento do futebol português no futuro.

— Fale-me um pouco mais da democratização da prática…

— Uma das nossas grandes preocupações é dar oportunidade às crianças e aos jovens de poderem jogar mais tempo. Nem sempre é fácil sensibilizar os treinadores para esta importância, mas se não conseguimos sensibilizar todos os treinadores para a importância de todas as crianças poderem jogar então temos de ir pelas regras. É nesse sentido que estamos imbuídos no espírito de, juntamente com as associações, encontrarmos, nos regulamentos, espaço para que todas as crianças, independentemente da sua idade, género, capacidades, poderem ter o seu tempo de prática quando vão para um jogo de futebol, porque ao fim e ao cabo é aquilo que elas mais gostam de fazer.

— Estamos a falar de escalões mais baixos...

— Estamos a falar desde os petizes até aos juniores. Eu acho que existe espaço para poder intervir até neste escalão.

— Mesmo a nível regulamentar? Por exemplo, os jogadores que estão inscritos num determinado jogo terem todos de ter x minutos de participação... Podemos chegar aí, como já é prática noutras federações?

— Exatamente. Temos de aprender também com elas, ter essa humildade de perceber que existem algumas federações que o fazem de uma forma muito eficaz. Mas também temos de conhecer cada uma das associações. Neste momento, cerca de 8 a 10 associações de futebol já têm esta preocupação, já implementam estas regras. O que nós queremos é olhar um pouco para toda esta dinâmica e criar uma identidade comum numa das áreas que eu acho fundamental, que é a criança poder ir para um jogo e jogar. Às vezes fazem viagens de 40, 50, 60, 100 quilómetros e depois não jogam. A nossa ideia é passar uma mensagem de que o futebol é para todos, que há espaço para todos, uma mensagem inclusiva, e acredito que pode ser também um momento de mensagem importante para os pais, para diminuirmos um pouco a tensão que às vezes existe fora dos recintos de jogo.

— Quando falamos em todas as crianças jogarem esbarramos na tendência natural de um treinador, a de querer ganhar os jogos. E para ganhar os jogos naturalmente vai querer colocar os melhores. Nem todos são bons, ou igualmente bons. Como é que se combate este estigma? Porque na realidade um treinador que não ganha também nunca vai conseguir subir na sua própria carreira, não é?

— O primeiro passo que temos que dar nesse aspeto é desvalorizar os resultados em idades mais baixas, como já acontece nos benjamins. Alargar esta mensagem aos infantis também. Existem países que já o fazem de uma forma muito natural, ou seja,  apostando muito mais em convívios e olhando para o jogo como um processo formativo, não dando tanta importância à componente da competição. Cada país tem a sua cultura e nós temos de encontrar aqui um ponto de equilíbrio. Acredito que este será  um dos passos que temos que dar, desvalorizar um pouco os resultados competitivos nestas idades mais baixas, para que exista espaço e as pessoas percebam que o futebol é para todos e todos têm de jogar.

— Em relação a esta democratização, assalta-me uma questão que fica a montante desta. Qualquer clube ou escola hoje, praticamente todos eles, cobram mensalidades aos pais para as crianças praticarem futebol. Isto não é um entrave ao objetivo de chamar mais pessoas?

— Acho que é, acima de tudo, uma mensagem de exigência e de responsabilidade que o praticante tem que ter para o clube. Olho mais nesse sentido. Neste momento, com a certificação dos clubes, existe uma exigência de vários níveis para que os clubes possam oferecer uma prática de qualidade a todas estas crianças e jovens. O facto de haver essa mensalidade, que existe igualmente noutras modalidades, é uma mensagem importante para que os pais possam ser exigentes com o clube na oferta formativa. Não só na qualidade dos treinadores, mas também na qualidade dos recintos desportivos, do que é receber um atleta nas suas instalações, poder oferecer a esse atleta um processo de formação que vai para além do jogador de futebol, olhando também para a sua formação humana.

— O Torneio Interassociações Lopes da Silva já existe há décadas e funciona como uma antecâmara para as seleções nacionais. Vê necessidade de se criarem mais seleções, mais torneios, que já existem por exemplo no futsal e em idades mais avançadas?

— Vamos por partes. Na conversa que tive com as associações de futebol, uma das mensagens esteve relacionada com a criação de seleções distritais masculinas em idades mais baixas. Por outro lado, estamos a falar do Torneio Lopes da Silva, de sub-14, e há aqui um aspeto em que temos de pensar em termos técnicos: as crianças têm diferentes processos de maturação e o salto pré-pubertário é um momento importante para a expressão competitiva no torneio. Algumas destas crianças e jovens chegam a esse torneio e não conseguem ainda estar nesse patamar mais maduro, digamos assim, e por esse motivo não conseguem exprimir todo o talento que têm, porque a sua dimensão física é menor — não por culpa delas — em comparação com outros jogadores. O que estamos a pensar, e isso ainda tem de ser discutido e analisado internamente com a estrutura técnica nacional, é que parece existir espaço para que, além do de sub-14, possamos fazer um torneio de sub-16, escalão no qual temos a garantia de que todas estas crianças que tenham tido algum atraso maturacional podem chegar já devidamente equilibradas em comparação com as outras e, aí, poder ser o último espaço para exprimirem todo o talento no sentido de poderem vir a alimentar as seleções nacionais. Queremos apertar a malha. Outro ponto que acho importante é nós conseguirmos desafiar as associações a criar um conjunto de torneios inter-regionais, em idades mais baixas, no sentido de as preparar para o Torneio Lopes da Silva. Mas isto é algo que ainda tem de ser discutido, porque para algumas zonas do país faz todo o sentido e noutras não fará tanto sentido. Temos de analisar em conjunto, com a participação dos coordenadores técnicos, fundamentais pela experiência que têm.

— O Óscar responde diretamente ao Diretor Técnico Nacional, Domingos Paciência, e está prevista uma estrutura na Federação com coordenadores para cada variante: futebol, futsal,  futebol de praia e walking football. Já há nomes para estas posições que possamos revelar aqui?

— O que posso dizer em relação a isso é que estamos a fazer um esforço interno importante para preencher todas estas posições nas áreas de futebol masculino e feminino, de futsal, de futebol de praia e de walking football. Existe um processo de continuidade na maioria delas e o que definimos para cada uma destas posições foram perfis. Para além destas, existem duas áreas novas: scouting/inteligência desportiva e promoção/desenvolvimento regional. Para todas estas áreas temos os perfis definidos em função da experiência, do histórico, do caminho percorrido no futebol, do que pode aportar à instituição em termos de valor para que toda a estrutura técnica nacional possa funcionar dentro do que queremos.

— Portanto, procurará primeiro dentro de casa e, se necessário, recorrerá a alguém de fora, é isso?

— Logicamente. Dentro de casa existe muito valor.

— Vamos aqui às variantes. O futsal vai manter-se na alta roda, onde tem estado nos últimos largos anos?

— Conheço muito bem toda a estrutura há muitos anos. Já trabalhei na FPF e fizemos alguns trabalhos na área do futsal, na altura, através do Portugal Football Observatory. Por outro lado, quando estava na AF Évora algumas destas pessoas já trabalhavam no futsal. Acho que têm feito um trabalho de muito valor no desenvolvimento do futsal, na maneira como preparam, como planeiam, como comunicam com os clubes, como comunicam com os coordenadores técnicos. O futsal é um exemplo daquilo que queremos seguir também nas outras áreas, porque sinto claramente que têm um trabalho muito bem estruturado e também queremos aprender com eles, queremos em muitos casos poder replicar e noutros casos também queremos, ao fim e ao cabo, criar uma complementaridade para trabalhar em conjunto o futebol, o futsal e as outras vertentes.

— Porque é que num país com 900 quilómetros de costa se mostra tão difícil cativar jovens para a prática do futebol de praia?

— Boa! Essa é a minha questão, também. Acima de olhar para as coisas que não têm sido bem feitas ou não têm sido bem potenciadas, olho mais para uma área de grande oportunidade. A verdade é que temos tido resultados relevantes e existe um potencial enorme para continuarmos a replicar esses resultados importantes a nível do europeu e do mundial, nas seleções. Mas também podemos ajudar os clubes a sustentar esta atividade, que vejo como fundamental. Neste momento estamos a ter campos de futebol de praia também no interior, o que é muito interessante. É claramente uma área de oportunidade de uma atividade que pode crescer de maio até agosto ou setembro. Podemos aprender com outros países que têm algumas atividades sazonais, quando acabam umas começam outras, como por exemplo acontece nos Estados Unidos. Acho que o futebol de praia tem muito esta potencialidade. Nós, federação, também temos um papel importante na aproximação que é feita aos clubes, na nossa intervenção técnica de sensibilização e também de poder atrair mais atletas durante este período, para que possam organizar torneios, minicampeonatos, para que a federação também possa dar um passo e possa também organizar taças. Conseguir, por exemplo, receber os praticantes como acontece na Festa do Futebol Feminino, anualmente. Se conseguirmos dar estes passos e valorizar o que é feito em cada um dos distritos, vamos crescer. Podemos crescer no interior também, com a implementação dos tais campos.

— Aliás o SC Braga, até há muito pouco tempo, foi uma potência do futebol de praia e não está propriamente à beira-mar...

— Sim, e existe um trabalho das associações com as autarquias, na qualificação de algumas estruturas novas. Ou as academias que estamos a implementar e já vêm do projeto anterior, que queremos que contemplem a criação de um campo de futebol de praia. Algumas associações já o têm, estão juntamente com as autarquias a construir este espaço, e isso é muito importante. Com esta rede de uma carta desportiva para o futebol de praia, vamos conseguir ter uma atividade muito mais ampla e com muito mais participação.

— Estamos à beira de entrar no Europeu [Portugal estreia-se esta quinta-feira diante da Espanha na competição, a decorrer na Suíça]. O futebol feminino tem crescido de forma muito relevante, mas também partiu de uma base muito pequena, ou seja, ainda estará aquém do seu potencial. Concorda com esta ideia?

— Totalmente. Temos dado nos últimos tempos passos muito importantes na sensibilização e no atrair de meninas, de jogadoras, para a prática do futebol. Acho que em termos culturais também estamos a dar um passo em frente para que toda a comunidade estrutural da jogadora ou da menina que gosta de jogar futebol possa aceitar este gosto. Isto hoje em dia já está muito mais democratizado e muito mais aceite, o que é um passo fundamental para que possamos, em cada zona do País, receber meninas que querem jogar futebol. O que sentimos é que tem havido um crescimento muito significativo da prática do feminino nas associações de futebol. Algumas delas já começam a fazer os seus próprios campeonatos em idades mais baixas, outras, e é algo que nós também queremos partilhar em termos técnicos, têm alguma competição mista. Isto aqui tem coisas mais positivas, tem outras menos positivas. O mais positivo de fazermos campeonatos de futebol feminino é que conseguimos atrair muito mais meninas, porque elas sentem-se muito mais confortáveis a jogar entre elas.

— O problema é que, por vezes, não há meninas ou mulheres suficientes em determinadas associações, não é?

— Sim, claro. Às vezes, quando vamos pela componente mista, temos um salto competitivo também muito significativo, porque elas são sujeitas a uma competição mais exigente ao jogarem com meninos. Temos de encontrar aqui um equilíbrio, mas acredito sinceramente que a tendência é para crescer muito mais. É algo a que estamos atentos, porque queremos olhar também para os quadros competitivos não só em termos distritais, mas também em termos nacionais. E ao nível da base, das idades mais baixas, por exemplo, sub-16, sub-15… Temos de encontrar respostas porque existe muita procura.

— Os quadros competitivos nacionais podem vir a mudar em relação aos que existem atualmente?

— Podem vir a mudar, sim.

— O Óscar é fisiologista de formação, é também professor universitário e tem trabalho científico publicado feito na área da sobrecarga dos calendários competitivos. É uma discussão que está na ordem do dia, nomeadamente por causa do Mundial de Clubes. Isto tem de parar, não tem de parar, tem de ser ajustado? Está bem assim e os clubes e as seleções conseguem ajustar-se a esta carga competitiva toda sobre a alta competição?

— Tem de existir comunicação, as estruturas têm de falar sobre este tema, que é premente. Penso que não é bom para o fenómeno termos um conjunto de individualidades importantes da modalidade a criticarem o modelo. É algo que tem de ser analisado. Não há dúvidas de que existe uma sobrecarga significativa que prejudica a qualidade do jogo, aumenta o risco de aparecimento de lesões graves. Isso são dados, são factos, e perante estes factos nós temos de analisá-los, discutir e perceber qual é o melhor caminho para que possamos oferecer um espetáculo de qualidade. Estamos aqui a vender um produto e este produto tem de ser atraente para as pessoas que o veem. Para que essas pessoas o possam consumir de acordo com a sua qualidade. Penso que é neste ponto que temos de analisar o calendário anual e perceber se existe ou não espaço para haver algum tempo de pausa e descanso para os jogadores. E a questão da qualidade. Temos de perceber até onde podemos ir e onde temos de parar.