Gelson Fernandes na pele de diretor da FIFA para África.
Gelson Fernandes na pele de diretor da FIFA para África.

Gelson Fernandes: «Fiquei mesmo feliz por Cabo Verde....»

Gelson Fernandes, 39 anos, é atualmente diretor da FIFA para os países africanos, coordenando programas de promoção do futebol no continente. Nascido em Cabo Verde, emigrou aos 5 anos para a Suíça, cuja seleção representou. Mas sempre a dizer-se cabo-verdiano. Como jogador, começou no Sion, passou em clubes como Man. City em 2007 e Sporting em 2012. Um pouco de tudo isto se falou nesta entrevista a A BOLA....

— O que representou, em termos pessoais, este apuramento histórico dos Tubarões Azuis para o Campeonato do Mundo?
— Uma grande honra. Era um sonho para todos os cabo-verdianos. Um país pequeno, que sofreu muito, e que agora está no mais alto palco do futebol. É lindo.

— Onde estava no jogo que ditou o apuramento, com Essuatíni?
— Estava no estádio com a minha família. Também em representação da FIFA. Um momento de pura emoção, com tanta gente feliz. Não deve ter havido um cabo-verdiano em qualquer parte do Mundo que não tenha feito uma grande festa. Eu tive de ser muito contido, porque estava em representação da FIFA, mas sou cabo-verdiano, seria impossível não celebrar.

— Vamos falar um pouco dessas funções de representação da FIFA em África. Em que consistem?
— Sou diretor-adjunto Mundo e diretor África na FIFA. A minha missão é precisamente coordenar a implementação dos apoios da FIFA às associações africanas. Um programa chamado Forward, o maior contributo no desenvolvimento do desporto a nível mundial. E que nos permite trabalhar com cada país de forma muito concreta, respondendo às necessidades específicas de cada um deles. Nem sempre é fácil, porque os países têm estados diferentes de necessidades e até de estabilidade. Há países com guerra dentro de portas, outros têm problemas sérios de governação, instabilidade política e social.... Mas, de forma global, estamos no caminho certo porque estamos a dar oportunidades aos jovens.

— Assumiu estes função a 1 de agosto de 2022. Em três anos, o que o tem orgulhado mais?
— Todos os projetos são importantes. Naturalmente que ajudar uma federação pequena, de um país pequeno, como Cabo Verde e ver depois os resultados é um motivo de orgulho enorme. Mas acudimos a todas as federações com igual empenho....

«BUBISTA TEM HUMILDADE»

— Que tipo de apoio é mais necessário em Cabo Verde?
— Temos apoiado muito em infra-estruturas, investimento e know-how. Temos apoiado financeiramente a Federação, a operação ao nível da seleção e respetiva preparação, por exemplo, é suportada pela FIFA. Tal como os salários dos profissionais. Eu diria que 90 a 95 por cento da operação da federação é suportada pela FIFA.

— Como tem sido o diálogo com Mário Semedo, um decano entre os presidentes de federação dos PALOP e africanos?
— Mário Semedo tem muita qualidade. E é uma pessoa de bem, que trabalha com grande sentido estratégico. O sucesso que os Tubarões Azuis estão a viver deve-se muito a ele. É importante reconhecer, elogiar mas também continuar a ajudar.

— Que opinião tem do selecionador de Cabo Verde, Bubista, que acaba o ano a ser eleito o melhor treinador do ano de África?
— É um treinador local. Um ex-jogador. Um treinador de qualidade e que está a fazer história em Cabo Verde. É uma pessoa muito humilde, trabalha sempre em prol do jogador.

— Que tipo de ajuda vai Cabo Verde continuar a receber da FIFA?
— Temos que continuar a desenvolver o futebol feminino, cuja seleção também fez história ao apurar-se pela primeira vez para a CAN; apostar na formação do jovem jogador; ajudar à profissionalização dos clubes; apostar na formação e qualidade dos árbitros.

— Ser dirigente após deixar de jogar sempre foi a primeira opção?
— As coisas foram acontecendo. Ser treinador também é uma opção, mas para já estou feliz e sinto-me útil como dirigente. A oportunidade surgiu, não estava à espera, decidi agarrar com as duas mãos.

— Alguma vez equacionou ser internacional por Cabo Verde e não pela Suíça?
— A escolha não existia, Cabo Verde não tinha a possibilidade de receber jogadores como eu ou o Jorge Andrade... Não tinha ainda estruturas para isso, foi criando para as atuais gerações poderem, agora sim, escolher.

— O que também não é uma questão de escolha é a raiz cabo-verdiana?
— Claro. Sou cabo-verdiano de sangue, nasci lá. Sou cabo-verdiano nos valores e no trabalho. É a minha identidade. O Zouk, o funaná, as mornas a comida, a cultura. Cabo Verde é para onde viajo todos os dias. Uma viagem mental que me dá tranquilidade, segurança, ânimo. Onde me encontro, no fundo. Preciso de sentir o pulsar da minha terra. Beber da energia do meu povo e país.

Grato a Eriksson
— Quando chega, em 2007, ao Manchester City, teria todos os sonhos do Mundo.... Que balanço faz da carreira de jogador? — Joguei em boas equipas e em campeonatos de topo. Tive sorte e pude fazer o que realmente gostava. Sinto que dei tudo, joguei ao máximo do que poderia ter dado, acho que não poderia ter feito mais. Por isso, estou feliz. — Eriksson, que o treinou no Man. City e, mais tarde, o quis para Leicester foi um dos treinadores que o marcou? — Sem dúvida. Marcou-me muito. Fez muito por mim e pela minha família. Infelizmente já não está entre nós, mas está no nosso pensamento para sempre. Foi uma pessoa extraordinária com quem partilhei outro amor: Portugal.
«Feliz por ter jogado no Sporting»
Gelson foi contrato pelo Sporting em 2012. Dos quatro anos de contrato acabou por cumprir apenas um. Uma desilusão? «Nada disso.... Gostei muito de jogar em Portugal. Mas apanhei um Sporting numa situação financeira complicada. E também desportiva. Sofremos muito. Paralelamente, a minha mãe não estava bem de saúde. Tinha de regressar à Suíça. Não foi um momento fácil na minha vida, mas estou muito feliz pelo percurso que fiz no Sporting e pelo percurso que o Sporting fez nos últimos anos. É um clube enorme, fiz muitos amigos, volto sempre lá quando vou a Portugal. Como vou à Luz ou Dragão, Acredite quando lhe digo que amo ir a Portugal, sinto-me em casa», garantiu Gelson.