Cesc Fàbregas festeja resultado do Como diante do Parma
Cesc Fabregas festeja resultado do Como diante do Parma - Foto: IMAGO

Fàbregas: de maestro em campo a estratega no banco

Cesc Fàbregas participou, em exclusivo, no livro que escrevi em co-autoria com Joel Rocha, treinador de futsal do SC Braga. Confesso que bastaram poucos minutos de conversa para perceber o que o tempo agora confirma: Fàbregas tem o perfil ideal para uma carreira de sucesso. A forma como pensa o jogo, a calma com que observa o caos, a visão, a inteligência e, sobretudo, a paixão com que o sente – são atributos raros, ainda mais quando conjugados com o percurso brilhante que teve como jogador

A verdade é que a transição de jogador para treinador é muitas vezes uma armadilha. Muitos carregam o estatuto, mas não têm as características, os traços de personalidade necessários. Não desenvolvem as competências indispensáveis. Cesc Fàbregas está a provar que pode ser exceção - e das boas, como Xabi Alonso, Lionel Scaloni, Luiz Enrique, etc. Na primeira época ligado ao Como 1907, e apesar de não ser oficialmente o treinador principal (a licença pertencia a Osean Roberts), guiou a equipa à Serie A. Um feito histórico, considerando que o clube estava há 21 anos afastado da elite e tinha vivido tempos sombrios até na Serie D (quarta divisão italiana).

Este regresso à ribalta não foi apenas um episódio feliz. A consistência com que o Como está a competir na época de estreia na Serie A é, por si só, motivo de admiração. Ocupa o 10.º lugar – está 19 pontos acima da linha de despromoção –, com um futebol competitivo, bem jogado e com identidade própria. E não estou a falar de uma equipa que se limita a lutar pela sobrevivência - há personalidade, há ambição e há uma evolução visível. Se analisarmos apenas as últimas cinco jornadas da Serie A, o Como lideraria a tabela com 2 pontos de vantagem do Nápoles: 15 pontos conquistados, 9 golos marcados, apenas 1 sofrido.

O impacto de Fàbregas não se explica apenas pelos números. O mais impressionante é o estilo. O Como joga com um plano. Não reage, propõe. Não se limita a defender-se, arrisca. É uma equipa que sabe o que faz com bola, que procura atrair para depois explorar, que valoriza o passe, o posicionamento e a mobilidade. É, em suma, uma equipa que reflete o seu treinador: inteligente, criativa, corajosa.

Cesc levou para Itália os princípios da escola espanhola, mas soube adaptá-los ao contexto e ao perfil dos seus jogadores. O seu modelo assenta num 4-2-3-1 que privilegia o controlo do meio-campo e as transições rápidas, com destaque para os movimentos de rutura e ocupação inteligente dos espaços. A circulação curta e paciente dá lugar, no momento certo, a ataques verticais e incisivos.

No meio-campo, destaca-se Nico Paz, jovem talento vindo do Real Madrid, que tem sido uma das revelações da liga. Soma 6 golos e 6 assistências e mostra-se como um médio moderno, de visão, critério e chegada à área. Mais à frente, Assane Diao, contratado ao Betis por 12 milhões de euros, tem sido uma seta apontada ao golo: 8 golos em apenas 15 jogos. Jogadores assim não florescem por acaso - precisam de um contexto adequado, de um treinador que os compreenda e potencie. E Fàbregas está a fazer exatamente isso.

Mas há mais. A construção do plantel revela visão estratégica. Chegaram nomes como Maxence Caqueret (ex-Lyon), Anastasios Douvikas (reforço ofensivo), Mergim Vojvoda, Alex Valle, e Jean Butez para a baliza. Até Dele Alli, que procura reencontrar-se, encontrou no Como um espaço seguro para recomeçar. A experiência também está bem representada: Sergi Roberto, Pepe Reina, Alberto Moreno, e até Raphael Varane (agora consultor jovem, após terminar a carreira) oferecem liderança e cultura competitiva.

Tudo isto seria já notável se estivesse limitado ao relvado. Mas o projeto do Como vai além. A nível institucional, o clube está a tornar-se uma marca global. O estádio Sinigaglia tornou-se palco de eventos, recebe celebridades, atrai patrocínios de peso (Adidas, Uber) e beneficia da associação a Thierry Henry, acionista minoritário e presença regular nos jogos. O turismo da cidade, aliás, está em crescendo. A simbiose entre futebol, cidade e marca é estratégica - e está a dar frutos.

Fàbregas não é apenas o rosto do sucesso desportivo. É o cérebro por detrás de uma transformação. E o coração também. Porque se há algo que não mudou desde os seus tempos de jogador é a forma como se entrega. Em campo era um líder silencioso, agora é um treinador atento, empático, exigente e inovador.

Não faltam paralelismos com Xabi Alonso - outro ex-internacional espanhol que trocou os relvados pelo banco com uma visão muito própria do jogo e, ao que tudo indica, será o próximo treinador do Real Madrid. O maestro está a afinar a batuta - e a sua sinfonia no futebol ainda agora começou. Se continuar nesta trajetória, Fàbregas será, em breve, um dos treinadores mais cobiçados da Europa. Disso não tenho a menor dúvida.

«Liderar no Jogo» é a coluna de opinião em abola.pt de Tiago Guadalupe, autor dos livros «Liderator - a Excelência no Desporto», «Maniche 18», «SER Treinador, a conceção de Joel Rocha no futsal», «To be a Coach» e «Organizar para Ganhar» e ainda speaker.