João Félix poderá regressar à Europa dentro de dois anos... «se conseguir confirmar talento». FOTO MIGUEL NUNES
João Félix poderá regressar à Europa dentro de dois anos... «se conseguir confirmar talento». FOTO MIGUEL NUNES

'Entourage' de Ronaldo estende 'tábua de salvação' a João Félix

Livre e direto é uma rubrica de opinião semanal

A história de João Félix dava um filme. Comecemos por aqui, que a memória não pode ser curta, nem subitamente apagada por uns quantos milhões de euros.

Primeiro ponto: em função da tenra idade, do valor efetivo demonstrado em campo e do valor envolvido, a transferência do jovem viseense, à altura, para o Atlético de Madrid consumou-se por valores pornográficos. 126 milhões de euros foi um evidente abuso, possibilitado pelo mercado e pela capacidade empresarial de gerar valor potencial num futebolista que nunca havia saído do seu ecossistema de formação.

Excelente negócio para o Benfica, extraordinário para o jogador, a família e os empresários, mau — como, de resto, não se demorou muito a comprovar — para os colchoneros. Ainda por cima servidos por um treinador que exige compromisso absoluto em cada segundo de treino e, também, quando à paisana…

A carreira do promissor médio ofensivo passou, entretanto, e após a constatação, na capital espanhola, do quão exorbitado havia sido o valor pago, por grandes clubes. É inegável o trajeto teórico de grande valia, para escrever no curriculum vitae: Barcelona, Chelsea, AC Milan, com um denominador comum nas três grandes cidades europeias entretanto frequentadas por Félix: inícios promissores, muito sangue na guelra, mas, perante concorrência, novos sistemas de jogo e treinadores com diferentes ideias, um abrandamento súbito do número de presenças na titularidade, na própria utilização global e um gradual afastamento das principais opções técnicas.

Convenhamos que, em três emblemas da dimensão de catalães, londrinos e milaneses, começa a criar-se um padrão pouco gentil para o futebolista português. Ademais, Félix (embora recorrentemente chamado aos trabalhos da equipa nacional portuguesa), nunca se conseguiu afirmar em pleno no combinado luso, deixando no ar, de modo cada vez mais evidente, a interrogação sobre o mérito da respetiva convocação.

Aqui chegados, olhamos o movimento súbito (ou não…) para o periférico e duvidoso campeonato da Arábia Saudita.

Criadas dificuldades naturais pelo Chelsea nas negociações com o Benfica — os londrinos, naturalmente, pretendiam ser efetivamente ressarcidos do investimento já feito no jogador — há uma tábua de salvação da carreira do beirão. É lançada por Cristiano Ronaldo e pela sua entourage do Al Nassr, incluindo o recém-contratado Jorge Jesus, também ele resgatado ao desemprego dourado depois de ter visto a seleção brasileira por um canudo, ao bom estilo quem tudo quer, tudo perde. Para Jesus, nem Mundial de Clubes, nem escrete canarinho, ficando-se por qualquer coisa de que o treinador da Amadora parece gostar particularmente: um salto de cerca entre rivais, com o óbvio mediatismo daí adveniente (ainda que, convenhamos, passar do Al Hilal para o Al Nassr não seja a mesma coisa — é muito menos, ainda que, no dinheiro, possa ser muito mais… — do que trocar o Benfica pelo Sporting.

Porque estamos a falar da Arábia Saudita. Podem dizer o que quiserem, os dirigentes, jogadores e treinadores portugueses contratados pelo país do Golfo Pérsico, mas a Arábia Saudita e o seu campeonato são do terceiro Mundo do planeta Futebol, para lá das componentes sociais, políticas e humanas muito duvidosas, ao longo da história e dos comportamentos sauditas.

Fala o dinheiro em todos os momentos, quando nos referimos à liga saudita ou, por exemplo, à mais que duvidosa atribuição da organização do Mundial de 2034 à Arábia Saudita. Sim, o tal a que Cristiano Ronaldo se referiu como podendo ser «o melhor da história», no mesmo dia em que o seu país era anunciado como anfitrião do Mundial-2030…

E foi, claro, o dinheiro que falou mais alto na mudança de planos de João Félix para o Al Nassr, esse poderosíssimo conjunto, longe, até, de títulos domésticos há tanto tempo. Mas — e aqui está o turning point de todo este tema… — o jogador português pode ter dado o mais inteligente passo da sua vida. E não apenas da vida desportiva.

Vejamos: muda-se para o Golfo amparado por Cristiano Ronaldo e por Jorge Jesus.

Tem Jorge Mendes a olhar-lhe pela vida.

Vai ganhar, no limite, 35 milhões de euros líquidos por duas temporadas.

Entre uma e outra, ganha minutos de utilização, sem as responsabilidades e a pressão de uma liga a sério e efetivamente desafiante, podendo garantir um lugar na equipa portuguesa eventualmente apurada para o Mundial-2026. Se o tem conseguido com o sub-rendimento no Chelsea e no AC Milan, é previsível que o generoso Roberto Martínez o premeie, como faz com Cristiano, Rúben Neves, João Cancelo

Fica livre do prazenteiro jugo árabe aos 27 anos, idade em que pode regressar ao futebol europeu, escolher um clube de topo (se, efetivamente, conseguir comprovar o seu inegável talento em potência), e relançar o seu nome, numa idade em que ainda poderá almejar a quase uma década sob holofotes de verdade.

É um jackpot para Félix, cujo pai escusava de vir a terreiro defender a felicidade de estar na Arábia Saudita.

Às vezes, prestamos melhor serviço aos nossos entes queridos calados do que dizendo coisas que só podem ser encaradas como brincadeira.

Félix foi, assim, resgatado. Tomará duche em petrodólares e talvez daqui a dois anos volte a ser uma boa aposta para jogar futebol a sério.

Cartão branco
Começa a ser recorrente, e ainda bem: João Pinheiro, depois da nomeação, pela FIFA, para a fase final do Mundial de sub-20, no Chile, é designado pela UEFA para apitar a Supertaça Europeia, entre Paris Saint-Germain e Tottenham. Em Portugal, continua meio mundo a bater na arbitragem e a projetá-la para o primeiro plano das preocupações. A partir de Badajoz e de Tuy, os juízes portugueses são do melhor, do mais valorizado e aproveitado. Neste retângulo há, de facto, uma opinião pública muito engraçada…
Cartão amarelo
A CAF (Confederação Africana de Futebol), continua a patrocinar adiamentos inqualificáveis aos seus principais torneios: o CAN-2024 feminino terminou a semana passada, em Marrocos; o CHAN-2024 está a começar, na Tanzânia, no Uganda e no Quénia; o CAN-2025 joga-se entre dezembro deste ano e janeiro de 2026. A credibilidade do futebol africano terá de começar a escrever-se de cima”, com o exemplo de estabilidade que os países potencialmente organizadores de competições internacionais devem dar. Assim, parece uma brincadeira de crianças…

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