Deus não pode estranhar que nos zanguemos com ele...
Dou por mim a ouvir o tema 125 Azul, dos Trovante. «Mas Deus leva os que ama / Só Deus leva os que mais ama.» E começo a irritar-me com esse Deus que se mostra imensamente egoísta. Em tão curto espaço de tempo, levou o Diogo Jota, o André Silva e agora o Jorge Costa — um coração de ouro, um ser humano que tocou todos os que com ele privaram. Deus anda muito apressado... Sinceramente, não é divino tirar deste mundo quem o ajuda a ser um lugar melhor. Um lugar decente.
Numa visão mais poética, há almas que não vivem por anos, mas por obra feita. Pelo número de pessoas que tocaram e ajudaram. Pelo impacto que tiveram. E, cumpridos esses objetivos, partem mais cedo. Mas bolas, o Jorge Costa ainda tinha tanto por fazer, tanta gente em quem tocar, tantos amigos para enriquecer e vários sonhos por realizar.
Talvez Deus seja aquele treinador que, no jogo da vida, tira de campo, antes dos 90 minutos, um jogador que estava a fazer uma enorme exibição, só para a ovação do público, que nas bancadas não se cansou de vibrar. Eu até acharia bem, mas por norma isso acontece perto dos 90 minutos, não logo a seguir ao intervalo...
Se eu fosse ministro da Educação, haveria de introduzir um capítulo sobre Jorge Costa nas aulas de Cidadania. Porque ele é o exemplo de várias realidades que não podem e não devem ser esquecidas.
- Ele é a personificação de que os clubes são rivais, não inimigos.
- Ele é o exemplo de como se pode defender de forma indefetível um clube e manter o respeito dos outros.
- Ele é o exemplo de que se pode ser "bicho" em campo e no balneário e ter o coração do tamanho do mundo fora dele — afável, educado, sorridente.
- Ele é o exemplo de que liderança é um conceito tão exigente que poucos o podem reclamar para si. Há muitos que mandam, há poucos que de facto lideram.
- Ele foi um exemplo de alguém que pensou sempre pela própria cabeça e que não teve pejo em tomar posições que desagradaram aos seus.
- Ele é o exemplo de alguém que se dedicou de corpo e alma a um clube, a um ideal, a uma identidade. Estava feliz pelo regresso ao FC Porto, pela mão de André Villas-Boas, e estava entusiasmado com o trabalho que estava a ser feito nesta pré-temporada, que dá grandes sinais de esperança no regresso aos triunfos. E se Deus não teve paciência para esperar pela companhia e excelente conversa de Jorge Costa, ao menos que lhe dê uma poltrona, num camarote, para que possa continuar a ver os jogos do FC Porto...
Há, no Dragão, um sentimento de orfandade. Jorge Costa tombou no santuário do local de trabalho da equipa. Não é líquido que os jogadores se unam agora ainda mais para o homenagear com títulos. O choque é vivido pelas pessoas de forma diferente. O luto é uma expressão individual. O FC Porto tem profissionais competentes que vão estar atentos a todos os sinais e atuar em conformidade. Em última análise, o que os adeptos do FC Porto mais desejam nem é que os jogadores queiram ganhar por Jorge Costa. Preferem que sejam como Jorge Costa. Porque, se forem, ganhar é quase uma inevitabilidade.
Dou por mim a ouvir de novo o tema 125 Azul, dos Trovante. «Mas Deus leva os que ama / Só Deus leva os que mais ama.»