Gonçalo Batalha vai defrontar o clube que representou durante 13 anos na formação

Capitão do Sporting em todos os escalões vai estrear-se em Alvalade… não como sonhou

Gonçalo Batalha é natural da Marinha Grande, mas jogou 13 anos nos leões e viveu sete na Academia de Alcochete. Para o médio que foi capitão de todos os escalões desde os sub-7 aos sub-23 o jogo será mais do que especial

O aviso tem sido repetido.

No sábado, contra o Sporting, o Batalha vai para a bancada. Já que tem Gamebox, ele que aproveite para ver os companheiros de equipa do Marinhense a viver um dia único. De bem perto. Ali, no lugar habitual, na bancada atrás da baliza.

E o Batalha sorri. Um sorriso meio nervoso, mas que ele não deixa que o denuncie. «É como o mister quiser!». Gonçalo Batalha é o alvo de todas as brincadeiras antes do jogo da 4.ª eliminatória da Taça de Portugal, que promete ser especial para o clube da Marinha Grande, que milita no Campeonato Portugal. E que vai ser ainda mais para ele.

Daí as provocações.

Natural da capital do vidro, Gonçalo Batalha foi muito mais moldado em Alcochete do que na terra que o viu nascer. E é sobre isso que se senta a conversar com A BOLA, num final de tarde a ameaçar de chuva, em pleno relvado do Estádio Municipal da Marinha Grande, ainda com a roupa transpirada após mais um treino.

As memórias ainda lhe trazem um sorriso ao rosto. Nem podia ser de outra forma.

Batalha representou o Sporting desde os sub-17 até aos sub-23

«Foram 13 anos no Sporting. Dos 7 aos 20. E a viver na Academia foi dos 13 aos 20. Sete aninhos!», atira nostálgico.

Gonçalo tem poucas memórias antes do Sporting aparecer. Talvez só a queda e «choradeira» que o desviou da patinagem, logo aos quatro anos, para um treino no Marinhense. Dali à Escola Academia do Sporting da Marinha Grande foi um pulo. E logo aos sete anos, perante tal demonstração de potencial, o clube chamou-o para Lisboa.

Com o símbolo do leão rampante colado à pele, o Batalha viveu todos os sonhos que uma criança pode ter.

«Era passar o tempo sempre a jogar futebol, que é uma coisa que nos faz felizes e diverte. Sempre acompanhados por gente que nos ajuda, sempre com muita companhia. Imaginem 60 miúdos a jogar às escondidas às 10 da noite de sexta-feira na Academia!»

Imaginem!

Ainda assim, o Batalha viveu o sonho com tanta seriedade que foi capitão de equipa. Em todos os escalões! Numa geração que tinha nomes como Nuno Mendes, Gonçalo Inácio, Tiago Tomás, ou Eduardo Quaresma, com quem ele partilhava a braçadeira.

Uma responsabilidade que lhe assentava bem. «Acima de tudo, acho que carregava todos os valores e mentalidade que o ser Sporting implica: esforço, dedicação, devoção. Depois a glória vem por acréscimo. Isso era o mais importante para ser capitão. E depois, claro, ser um dos exemplos para todo o resto do plantel», realça.

Um exemplo também de sportinguismo. Basta imaginar o cenário que nos relatam, de um miúdo que tem como banda sonora as músicas de apoio ao Sporting. E que a caminho dos jogos é o rádio que não se cala. Vai por ali fora a cantar pelo clube que ele também representa. «Sim, é verdade. Sei as músicas quase todas. Ou todas mesmo. E conheço os artistas que as fizeram», orgulha-se.

De todos os sonhos, apenas um ficou por cumprir: estrear-se na equipa principal. E jogar em Alvalade, mas esse está perto de acontecer. Porque ninguém acredita nas ameaças de que vai para a bancada. Vai tornar-se realidade, mesmo que de forma distinta daquela que tantas vezes imaginou.

«Não vai ser da maneira que eu queria, mas vai ser especial. Claro que também me queria ter estreado pela equipa principal do Sporting, mas não acontecendo, estamos aqui, na luta. Numa guerra para tentar alcançar outros objetivos», introduz, reticente. Mas perante a insistência, desenvolve a ideia. «Eu acho que vocês não têm noção do quão especial vai ser. Quem cresceu comigo, quem viveu comigo e quem vivencia comigo sabe o carinho que eu tenho pelo Sporting. Todos conhecem o amor que eu tenho pelo Sporting», acrescenta.

«Marcar o primeiro golo da Seleção no Europeu 2019 foi especial»
Não foi só no Sporting que Gonçalo Batalha cresceu como um dos melhores da sua geração. E as 29 internacionalizações que somou entre os sub-16 e os sub-18 são a principal prova disso. Por Portugal jogou ao lado de jogadores que já internacionais AA, como Tomás Araújo ou Francisco Conceição. E além das memórias de estágios e torneios com a nata da formação em Portugal, a primeira memória que lhe vem dos tempos de Seleção é a participação no Europeu sub-17, em 2019. «Uma boa memória que tenho é o golo que marquei contra a Rússia, no jogo inaugural. Marquei o 1-0, ganhámos 2-1 e aquele foi o primeiro golo da Seleção naquele Europeu», lembra, recusando, porém, considerar esse o ponto alto da carreira até agora. «A Seleção é um marco gigante, é das melhores coisas que podem acontecer, se não a melhor. Ouvir o hino, aquele arrepio… é uma sensação diferente. Mas é sempre fruto do trabalho feito no clube. O clube é que nos dá a oportunidade e para chegar a esse grande marco tivemos de atingir bons resultados no clube», defende.

Voltar a casa para um reset

Aos 20 anos, depois de uma época na equipa de sub-23, Gonçalo Batalha deixou o Sporting para se lançar no futebol profissional. Fê-lo inicialmente na U. Leira, numa época em que ajudou os leirienses a subir à Liga 2 como campeões.

Ainda assim, depois de 17 jogos, maioritariamente como titular, o médio centro deixou o clube e rumou ao Amora, da Liga 3. Esteve emprestado ao Peniche, do Campeonato Portugal, na primeira parte da época, e apesar de ter regressado ao clube da margem sul do Tejo em janeiro para ajudar na fase de manutenção, a descida ao Campeonato de Portugal ficou consumada na última jornada… em Alcochete.

Mas uma época depois dessa desilusão vivida diante do Sporting B numa casa que tanto lhe diz, Gonçalo Batalha ajudou a reerguer o Amora e devolveu-o à Liga 3, num ano em que somou dois golos e duas assistências em 24 partidas disputadas.

A consolidação desportiva para a qual parecia lançado, porém, foi colocada em pausa. Batalha deu um passo atrás… até casa.

Gonçalo Batalha regressou esta época ao Marinhense, o clube onde começou o percurso no futebol

Depois de um longo namoro, promovido em grande parte pelo treinador Rui Sacramento, o médio aceitou o convite para voltar ao primeiro clube que representou, quando tinha apenas quatro anos. Um regresso que diz funcionar como um reset. Um respirar fundo.

«Vim em busca de um bocadinho de descanso mental. Mesmo para a minha cabeça é melhor, para estar tranquilo. Tenho aqui a família, os meus avós, os meus pais, os meus amigos, tenho tudo cá», explica, sem querer pensar muito no futuro enquanto jogador.

«Vou vivendo muito o dia-a-dia, para não me desiludir e para a minha cabeça estar limpa e resguardada. Tenho 23 anos, duas subidas de divisão e depois subir vim duas vezes parar ao escalão abaixo. Por isso aprendi. E tenho lido muito sobre isso: o foco no dia-a-dia, treino a treino. Ganhar é cada dia. É assim que estou a viver», confessa.

Contudo, o futuro está a ser preparado também fora de campo. Mas perto dele. E sempre com os ensinamentos que trouxe de Alcochete bem presentes. Até demais, concede.

«Estou a treinar os sub-13 do Marinhense, a tirar o curso de treinador, também. E convidei o meu amigo Francisco Font para me ajudar como adjunto. E o meu mindset está tão naquilo que eu vivi, que ele às vezes diz-me ‘Gonçalo, tu já não estás no Sporting. Os miúdos não conseguem fazer aquilo que tu fazias com 12 anos. Calma, tranquilo, relaxa! Eles vão aprender e vão lá chegar», relata, sorridente.

O Batalha entende o recado. Mas é mais forte do que ele. «Foram aquelas vivências, isto foi o que vivi no clube, na formação… Beber aquela maneira de trabalhar, que tento transportar ao máximo para aqui. E é isso que me faz continuar a lutar e a querer chegar lá acima», resume.

O topo agora vai ser Alvalade. A jogar e não na bancada como tantas vezes já esteve a apoiar o clube pelo qual é apaixonado.

«Vai ser especial olhar para as bancadas e ver pessoas conhecidas, a minha família, que tanto desejou que eu alcançasse esse objetivo. E quando acontecer, acho que todos vão entender o significado que aquilo vai ter para mim. Eu acho que vou entrar e vou tremer das pernas, sinceramente», confidencia.

Mas isso nós não dizemos a ninguém. Não vá o mister lembrar-se que o Batalha tem Gamebox e mandá-lo para a bancada.

Gonçalo Batalha com a camisola do Marinhense