As lusas lições de Lima
A América do Sul é um ecossistema desportivo (e futebolístico em particular) muito especial, pela paixão, pelo estilo de jogo, pelo empenho e pela capacidade de atração de multidões.
Isso revela-se, a cada quatro anos, nas presenças das formações nacionais nas fases finais de Mundiais, mas sobretudo nas competições continentais de clubes. E há uma razão que se sobrepõe a todas as outras: a presença múltipla de cada país, seja na Copa Libertadores, seja na Copa Sul Americana, em face do diminuto número (apenas dez) de países participantes, sob a égide da CONMEBOL, nas duas provas.
Aí radicam fenómenos ainda mais atrativos para os adeptos, habituados, há muito, a uma rivalidade forte e incontornável nos confrontos internacionais.
A confederação sul-americana conferiu, de há alguns anos a esta parte, um toque europeu ao modelo de disputa das finais, tornando-as em jogo único, com a adveniente competividade e imprevisibilidade. E quanto à prova principal, a Copa Libertadores, o Brasil iniciou uma era de domínio que ainda não foi contestada pelos principais concorrentes, designadamente as equipas argentinas, sempre prontas atentar quebrar hegemonias.
Desde 2019 que equipas brasileiras se sagram campeãs sul-americanas, justamente a partir do momento em que as finais se disputam em apenas um jogo, começando essa era dourada sob a mão técnica de Jorge Jesus, e em Lima, com a épica vitória do Flamengo sobre o River Plate, por 2-1. Jesus e Gabigol marcaram a vitória do Mengão, há seis anos, e inauguraram uma supremacia que tem muito de Portugal na história.
Abel Ferreira não poderia ter tido melhor começo internacional com o Palmeiras, ao vencer nos dois anos subsequentes. Artur Jorge, numa espécie de veni, vidi, vici com o Botafogo, levantou o troféu em 2024 e alargou a marca lusa na história recente da Libertadores.
Este ano, Lima voltou a escrever uma página notável, com um clássico brasileiro transferido para a costa do oceano Pacífico, e com uma relação win-win dos portugueses com a taça mais desejada: qualquer que fosse o resultado, haveria alma lusa em festa.
Lima traz-nos diversas lições, que só serão verdadeiramente entendidas quando o Tempo, esse fator incontornável para a criação de bases históricas, o fizer compreender em pleno. Mas uma delas, isso é indesmentível à partida, é a confirmação da qualidade portuguesa na gestão e no treino do futebol Internacional, mesmo num mercado longínquo, em termos geográficos, e difícil, por força da necessidade de adaptação a um ambiente muito especial.
José Boto é, do lado dos novos campeões sul-americanos (os primeiros brasileiros tetra da Libertadores), o exemplo acabado do que escrevi e, ainda mais, do que senti na capital do Peru.
O Diretor Desportivo do Flamengo, na sua temporada de estreia com o rubro-negro, conseguiu o ceptro mais desejado, mantendo uma invejável e pouco habitual descrição na ação, tão eficaz nos bastidores e no panorama organizativo do futebol profissional do Clube de Regatas do Flamengo, como notória do ponto de vista da eficácia e do brilhantismo dos resultados.
Boto é o rosto português da Libertadores-2025, ajudando a montar uma equipa competitiva, coesa, estruturada num balanço ideal entre juventude e experiência, apostando numa base de jogadores autóctones e num jovem treinador que, por si, tem o facto de ter sido um excelente futebolista de horizontes internacionais, mas que, et par contre, significava uma cartada no escuro enquanto treinador de uma equipa de topo do futebol brasileiro e sul-americano.
Essa é, também, uma aposta de José Boto, alguém que, com facilidade, poderia passear despercebido no Terreiro do Paço ou na Avenida dos Aliados, mas, ao longo dos meses desta época desportiva, se afigurou absolutamente essencial para construir, balizar e muscular a estrutura flamenguista, ao ponto de chegar aos troféus mais desejados na Gávea, Libertadores e Brasileirão, na mesma semana.
Mas a final de Lima trouxe, também, a lição de humildade de Abel Ferreira, bi-campeão da Libertadores em 2020 e 2021, agora vencido no jogo decisivo.
O modo como o duriense de maior sucesso na história da Sociedade Esportiva Palmeiras reconheceu a supremacia do adversário durante os noventa minutos do Estádio Monumental foi o toque final de grandeza, o tal valor que se reconhece pela humildade necessária, nos momentos certos.
Abel não se escondeu (em boa verdade, nunca o fez ao longo dos já cinco anos em que se transformou num ídolo da equipa e dos torcedores paulistas). Assumiu a derrota, beijou a medalha de vice, surgiu na sala de conferências de imprensa com o ar tranquilo de quem sabe que, malgrado a derrota, continua a fazer história e a colocar o seu nome e a marca do futebol português nos pisos mais elevados do edifício competitivo sul-americano. Também por isso, a Presidente do Verdão nem queira ouvir falar noutros nomes para assumir a equipa. Leila Pereira, no seu estilo permanentemente focado e empenhado, sustenta Abel como o único capaz de continuar o legado que ele próprio corporiza, ao ser, já, o treinador com maior e melhor registo na história palmeirense.
Lima, para lá do grandes espetáculo conseguido pela CONMEBOL na organização da final da Copa Libertadores, voltou a falar português na vitória, na derrota, nas lições e nas conclusões.
Cartão branco
Há poucas palavras para falar do brilhantismo da Seleção Nacional feminina de futsal. No primeiro Mundial do género, Portugal está a assinar uma carreira irrepreensível, notável e que bem demonstra o trabalho de base que tem sido feito, ao longo de vários anos, nos clubes, nas associações distritais e na federação, para potenciar e qualificar esta geração de futsalistas. Independentemente do que suceda amanhã, na final em português frente ao Brasil, Manila trouxe à colação uma verdade insofismável: quando o talento se une à organização e é projetado com trabalho, o sucesso surge e só se pode esperar o melhor. E ganhar ou ser segunda classificada no primeiro Mundial de futsal feminino será, em qualquer dos casos, motivo para celebrar.
Cartão vermelho
Com o passe vendido pelo Benfica ao Atlético de Madrid por 126 milhões de euros, João Felix ganhou notoriedade mas, também, a inerente responsabilidade. Nunca se conseguiu afirmar, em pleno, nos colchoneros, ficando no ar a ideia de alguma incompatibilidade de feitios com o treinador argentino Diego Pablo Simeone, mas, quase por milagre, foi rodando em emblemas e campeonatos de imensa visibilidade e interesse mediáticos: o Barcelona, na La Liga, o Chelsea, na Premier League, o Milan, na Serie A. E a verdade é que jamais pegou de estaca em qualquer um desses clubes, acabando por ver a carreira resgatada (talvez relancada…) nos petrodólares do Golfo Pérsico. Gorada a possibilidade de regressar ao Benfica, a última coisa que Felix poderia dizer… disse. Disse que os encarnados não fizeram tudo o que podiam para o ter de volta. Talvez agora sim, o jogador de Viseu tenha mesmo a porta da Luz fechada. E trancada.