«A bola é para os meninos»
O algoritmo é como o karma. É tramado e, desde cedo, encheu-me as redes sociais de notícias mas, sobretudo, de memes e piadas com mais ou menos gosto a propósito do resultado da seleção sénior da Suíça, que prepara a presença no Europeu que acolhe, frente à seleção sub-15 do Lucerna.
«Os meninos ganharam às meninas» já era mau, mas teria bastado para a mensagem passar. Mas não, foi tudo muito pior que isto e que, por educação, não vou aqui reproduzir, até porque o eco é assustador. Não faltou a mais icónica das expressões: «A bola é para os meninos.»
A Federação Suíça ainda tentou esconder o resultado (7-1), alegadamente para evitar comparações entre o futebol feminino e masculino, mas um dos jogadores do Lucerna publicou fotografias nas redes sociais, com destaque naturalmente para o resultado tão desequilibrado como inesperado.
Nos Jogos Olímpicos, o palco maior do desporto mundial, há apenas uma modalidade em que homens e mulheres competem pela mesma medalha, o hipismo, e não incluem provas que coloquem os sexos feminino e masculino em competição direta, pelas diferenças biológicas que colocam as mulheres em desvantagem. Ainda assim, Paris-2024 teve nove modalidades que ousaram apresentar equipas mistas em algumas provas.
Ao longo dos anos, o ténis, por exemplo, e o atletismo realizaram eventos denominados Guerra dos Sexos e, no caso do atletismo para a mesma distância, muitas vezes as mulheres partem com vantagem. Nesta guerra da igualdade, os tenistas reagem de nariz torcido à bandeira da igualdade exibida pelas tenistas quando recebem o mesmo chorudo prize-money em torneios em que a final deles é decidida em cinco sets e a delas em três.
O estudo Sex Differences in World-Record Performance: The Influence of Sport Discipline and Competition Duration, de 2017, é claro na sua conclusão: «Embora fatores culturais tenham desempenhado um papel importante na rápida melhoria do desempenho das mulheres em relação aos homens até a década de 1990, as diferenças entre os sexos, entre os melhores atletas do mundo na maioria dos eventos permaneceram relativamente estáveis, em aproximadamente 8 a 12 por cento.»
A BBC falou com o autor que acrescentou ainda que a competitividade não é apenas uma questão fisiológica, mas também mental e psicológica, especialmente em provas de resistência. A capacidade de gerir mais fatores, dando como exemplos a dor, o clima, torna-se mais determinante.
«Embora a eficiência do exercício de homens e mulheres seja semelhante, as mulheres têm uma melhor capacidade de metabolizar a gordura e demonstram uma melhor hidrodinâmica e um ritmo mais regular, o que pode ser vantajoso, em especial durante competições de natação de longa duração», acrescenta.
Ontem, a nova presidente do Comité Olímpico Internacional (COI), a ex-nadadora Kirsty Coventry, revelou que os critérios de elegibilidade no desporto feminino internacional vão ser uma das prioridades.
«Compreendemos que haverá diferenças consoante cada modalidade, mas há um consenso total de que devem ser feitos esforços para proteger a categoria feminina, e que isso deve ser alcançado através de decisões consensuais. Existe um apoio esmagador à proteção das categorias femininas», avisou.
Na Suíça, não houve essa proteção, expondo as atletas numa imagem que escava ainda um fosso já de si enorme.