Salzburgo: o reencontro de Schmidt com o seu primeiro grande amor
Samson Baidoo faz o 1-0 para o Salzburgo diante do Sturm Graz (Foto: Imago)

Salzburgo: o reencontro de Schmidt com o seu primeiro grande amor

INTERNACIONAL19.09.202312:00

Gerhard Struber tenta recuperar as ideias do atual técnico do Benfica depois de um regresso a um futebol mais defensivo com Matthias Jaissle; Schmidt continua a ser idolatrado na Áustria com pai de uma identidade; duelo com o Sturm mostrou boa forma do conjunto austríaco e questões por resolver na defesa

O Roger Schmidt que no início não quer ser treinador ter-se-á decidido a sê-lo poucos anos antes de chegar a Salzburgo, porém só na cidade de Mozart obteve confirmação, através do sucesso, de que era a opção correta. Chamado pelo recém-empossado diretor desportivo do eixo Salzburgo-Leipzig da Red Bull, Ralf Rangnick, que se deixa seduzir pela vertigem do ataque do Paderborn, o atual técnico do Benfica cria em dois anos a identidade futebolística de uma marca que se atravessa diariamente no nosso caminho com o slogan «Dá-te asas!»

Talvez conheçam o RB Salzburgo por outros nomes. Chama-se primeiro Áustria Salzburgo e, em 1978, muda a designação oficial para Casino Salzburgo. A partir do momento da aquisição por parte do já falecido Dietrich Mateschitz em 2005, a Red Bull quer criar a própria história do zero. Eleva o número de campeonatos conquistados de três para sete, porém aspira a mais: não só o domínio total no país, mas também, e sobretudo, uma identidade própria. Em 2012, chega o atual treinador do Benfica e, quando sai para o Bayer Leverkusen, no verão de 2014, as raízes de uma nova forma de jogar estão bem plantadas e profundas no solo e já fortalecidas. O clube não falha um título de campeão: são já dez consecutivos.

Jogadores do Salzburgo no final do jogo de sábado frente ao Sturm Graz (foto Imago)

Nove anos depois, Schmidt é, ainda hoje, reconhecido pela cidade como o pai de um novo Salzburgo, dividindo a responsabilidade com Ralf Rangnick, também ele um revolucionário pela implementação de elementos hoje considerados convencionais como a pressão alta, contrapressão, a linha defensiva alta de quatro unidades e a marcação zonal – o que lhe move críticas de figuras históricas do futebol alemão, como Franz Beckenbauer, referência maior do país e de uma posição, a de líbero, que o então jovem técnico quer erradicar. É na dialética diária com Rangnick que Schmidt afina as ideias. «Ele ainda tem grande reputação por aqui. Muitos adeptos acreditam que o futebol da equipa nunca foi tão bom desde então e talvez tenham razão», sublinha Simon Urhofer, jornalista do maior portal de desporto do país, o Laola1. E até o atual técnico, Gerhard Struber, que na altura de Schmidt treinava nas camadas de formação do clube, reconhece a ideia, na conferência de imprensa imediatamente posterior ao sorteio da fase de grupos: «Ele foi qualquer coisa como um parteiro da extrema proatividade ofensiva com que jogamos.»

Atrelados com Jaissle, libertados por Struber

Struber pode até basear-se nas ideias de Roger Schmidt e tentar reencontrá-las no que apresenta em campo, contudo nos últimos dois anos, com Matthias Jaissle ao comando, a perceção mudou. A estratégia passou a ser muito mais defensiva e o risco mínimo. Se as bancadas acharam o futebol jogado aborrecido, a verdade é que o modelo teve efeitos práticos na Liga dos Campeões, com uma ida aos oitavos de final. Não é suficiente. Jaissle não só não deixa uma boa imagem pela qualidade das exibições como também por ter rescindido contrato a um dia do início da temporada a fim de rumar aos sauditas do Al-Ahli, depois de não ter dado ao clube conhecimento das negociações.

«Depois do primeiro jogo ao comando da equipa, Struber falou em ‘libertar os rapazes’, o que pressupunha que os avançados estavam atrelados por Jaissle. Os jogos tornaram-se muito mais atrativos desde que Struber tomou conta da equipa. E alguns dos elementos da direção parecem aliviados por se ter voltado a jogar ao velho estilo ou ao estilo de Schmidt, que encaixa melhor na marca Red Bull do que o prudente futebol de Jaissle», explica Urhofer.

Sturm Graz como teste a sério antes do Benfica 

Com o novo técnico, surpreendeu principalmente a estabilidade defensiva, embora faltasse um adversário mais encorpado que a testasse. Teve-o no sábado na visita ao Sturm Graz, a segunda melhor equipa do país na atualidade e, curiosamente, adversário do Sporting na Liga Europa. Urhofer relata para A BOLA como viveu a partida desde as bancadas: «O jogo foi muito intenso e acabou empatado a dois golos. Foi um muito bom espetáculo, com muita pressão alta e contrapressão por parte das duas equipas. O Sturm fez um jogo excelente, ainda mais se considerarmos que defrontava a melhor equipa da Áustria. Foi até melhor na primeira metade da etapa inicial até que o jogo foi interrompido por 15 minutos porque os adeptos decidiram deflagrar toda a pirotecnia trazida para as bancadas. A partir daí, o Salzburgo superiorizou-se e chegou ao 1-0 na sequência de um pontapé de canto [Samson Baidoo, aos 40 minutos). No entanto, no segundo tempo, o Sturm voltou a crescer e teve momentos de grande poderio ofensivo. Chegou ao 1-1 com um belo tiro a 30 metros [Otar Kiteishvili, aos 53) e conseguiu virar para 2-1 dez minutos depois [Manprit Sarkaria, 63]. Sentiram-se nesta altura algumas fragilidades na defesa do Salzburgo, mas tal também pode ser explicado por não estar em campo Pavlovic, o melhor central, por lesão e por o outro habitual titular, Solet, só ter jogado os últimos quinze minutos por estar a recuperar de problemas físicos. Portanto, os titulares foram os centrais número 3 (Samson Baidoo) e 4 (Kamil Piatkowski) e até fizeram um bom trabalho até ao 2-1. Depois, o Salzburgo pressionou pelo 2-2 e conseguiu-o, de penálti, perto do fim (Sekou Koita, aos 73). Foi um jogo muito competente por parte das duas equipas, a dividirem o domínio. O Salzburgo parece estar a atravessar um bom momento, embora haja necessidade de afinações na defesa por parte de Struber

As questões sobre a fiabilidade defensiva, sobretudo quando o contexto é de Liga dos Campeões, são as mais pertinentes quando se aborda o atual modelo do Salzburgo. Com Jesse Marsch, por exemplo, que tem uma filosofia bastante semelhante a Struber, a equipa conseguiu exibições espetaculares, porém nunca chegou longe. Já durante a vigência de Jaissle, atingiu pela primeira vez os oitavos de final [2021-22, eliminada pelo Bayern com agregado de 8-2]. 

Também Schmidt não alcançou grande sucesso europeu quando passou pela cidade do castelo do sal. No primeiro ano, foi eliminado pelo Dudelange, do Luxemburgo, ainda na segunda pré-eliminatória; no seguinte caiu na terceira diante do Fenerbahçe. Curiosamente, na Luz, o alemão soube encontrar uma fórmula competente que transportou o Benfica até aos quartos de final da prova milionária. Um sinal de que encontrou o equilíbrio? 

«Apesar de o Salzburgo estar a ficar com uma equipa mais jovem ano após ano, apresenta-se muito mais madura na forma de jogar desde que Schmidt saiu. O futebol dele era espetacular ofensivamente até de uma forma insana, mas algo ingénuo quando se tratava de defender. Nenhum dos sucessores foi tão agressivo na pressão, mas o pressing e a verticalização do ataque continuam a ser as principais forças. Não estou convencido de que Struber possa levar o Salzburgo a um outro patamar de evolução. Parece mesmo ser um pouco um passo atrás quando comparado com Marco Rose e Matthias Jaissle, que, com estilos diferentes, podem ter grandes carreiras pela frente. Não vejo acontecer o mesmo com Struber. Ele ficou com uma má reputação em Nova Iorque [treinou os New York Red Bulls] por não ter conseguido lidar da forma mais apropriada com um insulto racista feito por um jogador [Dante Vanzeir] e por ter sido eliminado duas vezes na primeira ronda dos play-offs. Entretanto, a sua personalidade evoluiu desde que deixou a Áustria em 2019. Tinha uma imagem de alguém algo ‘tonto’ e tornou-se bem mais maduro e sério. Também tem o potencial de ficar como um dos favoritos das bancadas, porque é de uma cidade pequena nos arredores e mostra realmente compromisso com a filosofia do clube, enquanto Jaissle, por exemplo, se opunha à ideia de fazer alinhar uma equipa com praticamente só sub-21. Contudo, honestamente não vejo hipótese sequer de que haja um empate em Lisboa, face ao que vi do Benfica no ano passado. Além disso, Schmidt não vai subestimar o Salzburgo, e vai avisar os defesas para não arriscarem perante os rapidíssimos avançados que vão defrontar. Mesmo que tenha mostrado capacidade para competir com grandes equipas no passado e que apenas tenha sido goleado duas vezes. Uma em Munique, diante do Bayern, por 7-1, depois de ter empatado em casa a um golo, e em condições especiais com todo o 11 titular afastado devido à Covid-19, e outra perante o Milan, após uma excelente primeira parte», analisa Urhofer.

O reencontro de Schmidt com o seu Salzburgo está marcado para quarta-feira, no Estádio da Luz. A A BOLA, Christian Kircher, o responsável pela comunicação dos austríacos garantiu: «Estamos ansiosos por encontrá-lo outra vez. Estamos contentes por ter sido tão bem-sucedido desde que nos deixou.» Contudo, é como se diz. Amigos, amigos…

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