Salzburgo: o reencontro de Schmidt com o seu primeiro grande amor
O Roger Schmidt que no início não quer ser treinador ter-se-á decidido a sê-lo poucos anos antes de chegar a Salzburgo, porém só na cidade de Mozart obteve confirmação, através do sucesso, de que era a opção correta. Chamado pelo recém-empossado diretor desportivo do eixo Salzburgo-Leipzig da Red Bull, Ralf Rangnick, que se deixa seduzir pela vertigem do ataque do Paderborn, o atual técnico do Benfica cria em dois anos a identidade futebolística de uma marca que se atravessa diariamente no nosso caminho com o slogan «Dá-te asas!»
Talvez conheçam o RB Salzburgo por outros nomes. Chama-se primeiro Áustria Salzburgo e, em 1978, muda a designação oficial para Casino Salzburgo. A partir do momento da aquisição por parte do já falecido Dietrich Mateschitz em 2005, a Red Bull quer criar a própria história do zero. Eleva o número de campeonatos conquistados de três para sete, porém aspira a mais: não só o domínio total no país, mas também, e sobretudo, uma identidade própria. Em 2012, chega o atual treinador do Benfica e, quando sai para o Bayer Leverkusen, no verão de 2014, as raízes de uma nova forma de jogar estão bem plantadas e profundas no solo e já fortalecidas. O clube não falha um título de campeão: são já dez consecutivos.
Nove anos depois, Schmidt é, ainda hoje, reconhecido pela cidade como o pai de um novo Salzburgo, dividindo a responsabilidade com Ralf Rangnick, também ele um revolucionário pela implementação de elementos hoje considerados convencionais como a pressão alta, contrapressão, a linha defensiva alta de quatro unidades e a marcação zonal – o que lhe move críticas de figuras históricas do futebol alemão, como Franz Beckenbauer, referência maior do país e de uma posição, a de líbero, que o então jovem técnico quer erradicar. É na dialética diária com Rangnick que Schmidt afina as ideias. «Ele ainda tem grande reputação por aqui. Muitos adeptos acreditam que o futebol da equipa nunca foi tão bom desde então e talvez tenham razão», sublinha Simon Urhofer, jornalista do maior portal de desporto do país, o Laola1. E até o atual técnico, Gerhard Struber, que na altura de Schmidt treinava nas camadas de formação do clube, reconhece a ideia, na conferência de imprensa imediatamente posterior ao sorteio da fase de grupos: «Ele foi qualquer coisa como um parteiro da extrema proatividade ofensiva com que jogamos.»
Atrelados com Jaissle, libertados por Struber
Struber pode até basear-se nas ideias de Roger Schmidt e tentar reencontrá-las no que apresenta em campo, contudo nos últimos dois anos, com Matthias Jaissle ao comando, a perceção mudou. A estratégia passou a ser muito mais defensiva e o risco mínimo. Se as bancadas acharam o futebol jogado aborrecido, a verdade é que o modelo teve efeitos práticos na Liga dos Campeões, com uma ida aos oitavos de final. Não é suficiente. Jaissle não só não deixa uma boa imagem pela qualidade das exibições como também por ter rescindido contrato a um dia do início da temporada a fim de rumar aos sauditas do Al-Ahli, depois de não ter dado ao clube conhecimento das negociações.
«Depois do primeiro jogo ao comando da equipa, Struber falou em ‘libertar os rapazes’, o que pressupunha que os avançados estavam atrelados por Jaissle. Os jogos tornaram-se muito mais atrativos desde que Struber tomou conta da equipa. E alguns dos elementos da direção parecem aliviados por se ter voltado a jogar ao velho estilo ou ao estilo de Schmidt, que encaixa melhor na marca Red Bull do que o prudente futebol de Jaissle», explica Urhofer.
Sturm Graz como teste a sério antes do Benfica
Com o novo técnico, surpreendeu principalmente a estabilidade defensiva, embora faltasse um adversário mais encorpado que a testasse. Teve-o no sábado na visita ao Sturm Graz, a segunda melhor equipa do país na atualidade e, curiosamente, adversário do Sporting na Liga Europa. Urhofer relata para A BOLA como viveu a partida desde as bancadas: «O jogo foi muito intenso e acabou empatado a dois golos. Foi um muito bom espetáculo, com muita pressão alta e contrapressão por parte das duas equipas. O Sturm fez um jogo excelente, ainda mais se considerarmos que defrontava a melhor equipa da Áustria. Foi até melhor na primeira metade da etapa inicial até que o jogo foi interrompido por 15 minutos porque os adeptos decidiram deflagrar toda a pirotecnia trazida para as bancadas. A partir daí, o Salzburgo superiorizou-se e chegou ao 1-0 na sequência de um pontapé de canto [Samson Baidoo, aos 40 minutos). No entanto, no segundo tempo, o Sturm voltou a crescer e teve momentos de grande poderio ofensivo. Chegou ao 1-1 com um belo tiro a 30 metros [Otar Kiteishvili, aos 53) e conseguiu virar para 2-1 dez minutos depois [Manprit Sarkaria, 63]. Sentiram-se nesta altura algumas fragilidades na defesa do Salzburgo, mas tal também pode ser explicado por não estar em campo Pavlovic, o melhor central, por lesão e por o outro habitual titular, Solet, só ter jogado os últimos quinze minutos por estar a recuperar de problemas físicos. Portanto, os titulares foram os centrais número 3 (Samson Baidoo) e 4 (Kamil Piatkowski) e até fizeram um bom trabalho até ao 2-1. Depois, o Salzburgo pressionou pelo 2-2 e conseguiu-o, de penálti, perto do fim (Sekou Koita, aos 73). Foi um jogo muito competente por parte das duas equipas, a dividirem o domínio. O Salzburgo parece estar a atravessar um bom momento, embora haja necessidade de afinações na defesa por parte de Struber.»
Just in case you missed it but Otar Kiteishvili probably scored the most beautiful goal on the weekend against RB Salzburg 😳pic.twitter.com/NLrSsaN8Gj
— Patric (@Simplblue88) September 18, 2023
Fireworks in Graz! 🎇🎇🎇
— The Other Bundesliga (@OtherBundesliga) September 16, 2023
The @SKSturm fans are at it again! #STURBS pic.twitter.com/H0vSIHFk4m
As questões sobre a fiabilidade defensiva, sobretudo quando o contexto é de Liga dos Campeões, são as mais pertinentes quando se aborda o atual modelo do Salzburgo. Com Jesse Marsch, por exemplo, que tem uma filosofia bastante semelhante a Struber, a equipa conseguiu exibições espetaculares, porém nunca chegou longe. Já durante a vigência de Jaissle, atingiu pela primeira vez os oitavos de final [2021-22, eliminada pelo Bayern com agregado de 8-2].
Também Schmidt não alcançou grande sucesso europeu quando passou pela cidade do castelo do sal. No primeiro ano, foi eliminado pelo Dudelange, do Luxemburgo, ainda na segunda pré-eliminatória; no seguinte caiu na terceira diante do Fenerbahçe. Curiosamente, na Luz, o alemão soube encontrar uma fórmula competente que transportou o Benfica até aos quartos de final da prova milionária. Um sinal de que encontrou o equilíbrio?
«Apesar de o Salzburgo estar a ficar com uma equipa mais jovem ano após ano, apresenta-se muito mais madura na forma de jogar desde que Schmidt saiu. O futebol dele era espetacular ofensivamente até de uma forma insana, mas algo ingénuo quando se tratava de defender. Nenhum dos sucessores foi tão agressivo na pressão, mas o pressing e a verticalização do ataque continuam a ser as principais forças. Não estou convencido de que Struber possa levar o Salzburgo a um outro patamar de evolução. Parece mesmo ser um pouco um passo atrás quando comparado com Marco Rose e Matthias Jaissle, que, com estilos diferentes, podem ter grandes carreiras pela frente. Não vejo acontecer o mesmo com Struber. Ele ficou com uma má reputação em Nova Iorque [treinou os New York Red Bulls] por não ter conseguido lidar da forma mais apropriada com um insulto racista feito por um jogador [Dante Vanzeir] e por ter sido eliminado duas vezes na primeira ronda dos play-offs. Entretanto, a sua personalidade evoluiu desde que deixou a Áustria em 2019. Tinha uma imagem de alguém algo ‘tonto’ e tornou-se bem mais maduro e sério. Também tem o potencial de ficar como um dos favoritos das bancadas, porque é de uma cidade pequena nos arredores e mostra realmente compromisso com a filosofia do clube, enquanto Jaissle, por exemplo, se opunha à ideia de fazer alinhar uma equipa com praticamente só sub-21. Contudo, honestamente não vejo hipótese sequer de que haja um empate em Lisboa, face ao que vi do Benfica no ano passado. Além disso, Schmidt não vai subestimar o Salzburgo, e vai avisar os defesas para não arriscarem perante os rapidíssimos avançados que vão defrontar. Mesmo que tenha mostrado capacidade para competir com grandes equipas no passado e que apenas tenha sido goleado duas vezes. Uma em Munique, diante do Bayern, por 7-1, depois de ter empatado em casa a um golo, e em condições especiais com todo o 11 titular afastado devido à Covid-19, e outra perante o Milan, após uma excelente primeira parte», analisa Urhofer.
O reencontro de Schmidt com o seu Salzburgo está marcado para quarta-feira, no Estádio da Luz. A A BOLA, Christian Kircher, o responsável pela comunicação dos austríacos garantiu: «Estamos ansiosos por encontrá-lo outra vez. Estamos contentes por ter sido tão bem-sucedido desde que nos deixou.» Contudo, é como se diz. Amigos, amigos…