«Fui muito feliz no Sporting, mas achar que estão a fazer-me um favor…»
- Chega ao Sporting e logo na primeira época vence Supertaça e Taça de Portugal. Foi impacto imediato.
— Foi muito bonito. Acho que essa Supertaça, que foi logo o primeiro jogo, terá sido o jogo de que mais gostei. Porque ninguém estava à espera. O Sporting não ganhava títulos há muitos anos e mesmo dentro do clube não se estava à espera. Mas foi, obviamente, uma diferença grande para mim porque no ano anterior estava na equipa B. Eu já sabia que queria ser profissional. Comecei a perceber que já não conseguia manter as minhas duas vocações. Basicamente não tinha vida social nem tempo para nada. Trabalhava de dia, trabalhava de noite… sabia que queria deixar o jornalismo. As pessoas pensam que estás no Sporting, ou no Benfica, ou no FC Porto e tens tudo. É tudo maravilhoso. Mas não é assim. Porque estava a começar-se do zero e isso é difícil, são muitas dores de crescimento.
— Foram essas dores de crescimento que impediram a conquista do título nacional?
— Na primeira época começámos muito bem, mas o campeonato era dividido em duas fases. Na primeira fase estivemos muito bem, ficámos em primeiro lugar. Ganhámos 5-1 ao Benfica. Mas depois, na segunda fase, começámos de novo. E o Benfica, na altura, durante o mercado de inverno, foi buscar a Jéssica Silva. Filha da mãe da Jéssica [risos]. Não sei se pode dizer isto [risos]. Aqueles dois jogos, eram os que decidiam. Estivemos muito bem, sempre a tentar, mas não conseguimos marcar. E nos últimos minutos a Jéssica vai lá e marca um golo. Eu acho que estava fora de jogo [risos]. O Benfica foi campeão, obviamente. E já agora, para acharem que estou contra a Jéssica… A Jéssica é uma jogadora que eu admiro bastante. E tenho admirado mais até nos últimos tempos. Porque acho que ela bebeu muito da cultura americana, que é uma cultura de frontalidade e de querer sempre encarar os assuntos e os problemas para que as coisas sejam melhores. Algo que é um bocadinho do que não temos aqui. Tu nunca vês uma jogadora portuguesa e mesmo as outras pessoas a dizerem alguma coisa fora da caixa. Eu admiro-a muito porque diz o que lhe apetece. Mas voltando à questão do campeonato, o da época passada foi o que doeu mais. Ganhámos os dois jogos ao Benfica e a cinco minutos do fim do campeonato éramos campeãs porque o Benfica estava empatado com o Racing Power. Mas já nos descontos a Carole [Costa] marcou de penálti. Aliás, acho que nunca vi a Carole falhar um penálti. Nós quando ouvimos, porque alguém disse na bancada, que era penálti para o Benfica, pensámos: pronto, a Carole não falha e já fomos.
— Acho que não pode dissociar-se uma coisa da outra. Obviamente o Benfica tem muito mérito e é o clube, aliás, que mais investe no futebol feminino em Portugal. Houve demérito nosso, sem dúvida, mas há todo o mérito do Benfica e a Filipa [Patão] é uma treinadora extremamente competente. Mas depois também há outra parte que eu acho que sim, nós podíamos ter sido muito melhores.
— Podia ter-se aproveitado melhor a formação ou podia ter-se contratado melhor?
— Acho que sempre fomos a equipa que mais aproveitou as jogadoras da formação. Isso era o que o clube queria e sempre o fizemos. As próprias jogadoras que estiveram agora, e muito bem, no Europeu de sub-19, muitas também do Sporting, já jogavam na equipa principal, como é o caso da Maísa Correia, da Carolina Santiago, ou da Iara Lobo. A questão é que também não tínhamos scouting. Tínhamos uma pessoa excecional e extremamente competente no scouting, que era o João Almeida Rosa, que, entretanto, também se demitiu do Sporting. E foi ele que foi buscar jogadoras muito boas, como a Olivia Smith, a Maiara [Niehues], e outras de enorme qualidade. Mas depois também havia outras jogadoras de qualidade que ele identificava e que nós queríamos, mas que financeiramente era muito difícil de conseguirmos.
— Fala-se de um eventual desinvestimento do Sporting. Sente que o projeto esteve ou está em causa?
— Não, acho que o projeto nunca esteve em risco, o futebol feminino está no Sporting e irá continuar. Pode é não ter o investimento necessário para ser vencedor, para ter sucesso.
— Como se justifica a revolução que está em curso no plantel? É alteração de paradigma?
— Eu não faço ideia, não sei o que é que se passa. Sei que é estranho, nós vemos muita gente a sair e acho que a forma mais fácil de pensar nisto é tentarmos perceber o que seria se víssemos na equipa masculina, de qualquer clube, saírem, de repente, dez jogadores, incluindo o capitão.
— Para fechar o capítulo Sporting… O que motivou o seu pedido de demissão?
— Já na época anterior tinha pensado em sair. As pessoas às vezes não entendem, porque estão fora, mas custa muito todos os dias lutar e as pessoas acharem que me estão a fazer um favor, ou que o facto de eu querer que as coisas sejam melhores é uma crítica. Durante muito tempo no Sporting, até à última época, não tínhamos um diretor, o diretor era o da formação, o professor Tomás Morais, que é uma pessoa excelente e muito competente. Só no último ano é que tivemos uma diretora. E eu sempre fui a pessoa mais velha da estrutura e com mais experiência. E, portanto, acabas por ter muitas vezes a responsabilidade de tratar de assuntos que têm de sair da esfera do treinador e que tiram o foco. E atenção que não estou a queixar-me, sei que as coisas eram assim, que tinham de ser assim. E devo ressalvar também que gostei muito de estar no Sporting e que fui muito feliz no Sporting. Especialmente com as jogadoras, tenho saudades de muitas delas. A minha psicóloga queria que eu saísse antes, eu é que fui andando. Também queria jogar na Liga dos Campeões, porque o Sporting não ia à Liga dos Campeões há muitos anos. Acabámos por fazer uma fase de qualificação muito boa, ganhámos a um clube que supostamente estava muitos lugares acima do nosso, o Eintracht Frankfurt. E depois, contra o Real Madrid, mesmo sendo eliminadas, senti que se algumas coisas fossem um bocadinho diferentes poderíamos ter feito ainda melhor.
Títulos ganhos, títulos perdidos e chegada à melhor liga do mundo
— «Desde as noites frias do estádio universitário, às tardes e manhãs quentes de Alcochete». Sabe quem proferiu esta frase?
— Quem é que disse isto? Ui! Fui eu? Pois fui [risos].
— Foi um desabafo de uma antiga jornalista ou o saudosismo de uma treinadora que tinha acabado de desligar a ficha de um projeto e cuja gratidão está intrínseca?
— Como já disse, fui muito feliz no Sporting. Foram quase nove anos. É muito tempo num percurso e depois também muitos anos na formação. E aí, na formação, é tudo muito intenso também. Cresci muito, aprendi muito e isso fica para a vida. Tal como as pessoas que conheci. Foi um sítio onde eu gostei de estar e que me permitiu também perceber que queria ser profissional de futebol.
— O interregno foi curto e agora está nos Estados Unidos, na equipa técnica dos Utah Royals. Como surgiu este desafio?
— Sim, eu no início descansei um bocadinho a cabeça. Mas foi pouco, foram três, quatro meses. Os treinadores gostam sempre de estar no treino, no campo e de pensar nas coisas. Já me fazia falta. Tive muitos convites e fiquei até surpreendida, honestamente.
— De Portugal e/ou de fora?
— Não, surgiu mais recentemente uma abordagem, mas foi algo que não avançou. Mas naquela altura foram todos fora de Portugal. México, Canadá, Inglaterra, Estados Unidos, Grécia, China. A maioria para ser treinadora principal e não adjunta.
— Qual a razão de ter aceitado integrar uma equipa técnica sem ser como treinadora principal?
— Sim, percebo que possa ser algo estranho. Acho que a minha agente [Raquel Sampaio] também ficou chateada comigo [risos]. Encarei com mais seriedade duas propostas de Espanha, para ser treinadora principal, mas o facto de entrar a meio da época e de não poder levar as pessoas que eu queria comigo teve peso. Hoje, um treinador, tirando nos distritais e mesmo assim não tenho a certeza, já não consegue fazer absolutamente nada sozinho. É impossível. Precisa de pessoas também que saibam treinar aquilo que tu queres jogar, que também é outro fenómeno que é importante. E precisa de pessoas que sejam leais, além de competentes. Portanto, foi um bocado por aí que eu fiquei na dúvida. E depois há uma coisa muito pessoal para mim. Eu queria muito ir para os Estados Unidos, porque tenho lá família, porque sempre tive aquela coisa do sonho americano, ir para a América, e porque a liga americana, a NWSL, é a melhor liga do mundo no feminino. Queria experienciar isso.
— Se há local onde não se é yes, sir, neste caso, é nos Estados Unidos, não é?
— Sim. É uma coisa impressionante, porque mesmo as jogadoras, a qualquer altura, vêm ter contigo e dizem que não gostaram distou ou daquilo. Falam muito, são comunicativas. Tanto com o treinador principal, como com a diretora, os investidores. Sim, porque os investidores estão lá. Não são pessoas abstratas. Nos primeiros meses em que estive lá acho que já vi mais os donos do que tinha visto a Direção do Sporting nos anos todos em que estive cá. É a tal diferença de que falávamos há pouco.