Ser português aos saltos

OPINIÃO07.08.202107:00

As coisas que eu peço aos meus compatriotas – bem antes de medalhas de ouro

Écomo Dickens, em História em Duas Cidades: «Era o melhor de todos os tempos, era o pior de todos os tempos, era a idade da sabedoria, era a idade da loucura (...), a primavera da esperança e o inverno do desespero. Tínhamos tudo à frente, não tínhamos nada à frente…»
Quem nos diria que, entre cinco medalhas de ouro de sempre portuguesas, teríamos duas em triplo salto e que daí resultaria polémica entre os campeões a respeito do que é ser português. Nelson Évora, nascido em Abidjan, achou mal, há data, e parece que ainda acha, que Pedro Pichardo, nascido em Santiago de Cuba, tenha sido português mais depressa do que ele.
Eu, pessoalmente, espanto-me sempre quando alguém quer ser português. Primeiro espanto-me e depois vou ler, a ver se sei do que falo, O que é amar um país, de José Tolentino Mendonça, A Obsessão da Portugalidade, de Onésimo Teotónio Almeida, A arte de ser português, de Teixeira de Pascoaes ou Portugal, hoje - o medo de existir, de José Gil… e mesmo assim não percebo o que é isso de ser português. Se de mim dependesse, diria sempre que sim a alguém que o quisesse ser. Não vejo razões para recusa. Sei que as há, legais, fronteiriças, culturais, medrosas, orgulhosas, mas, de repente, nunca me lembro de uma suficientemente forte. O meu nível de exigência para com os portugueses, aliás, bem longe de exigir medalhas de ouro, é  que paguem os impostos e façam piscas nas rotundas. Dois medalhados de ouro por Portugal, na mesma disciplina, que não se entendem quanto à portugalidade. Épico. É sempre o melhor dos tempos, o pior dos tempos, a melhor das medalhas, a pior das medalhas. O melhor de nós, o pior de nós. Se calhar nem pode ser de outra maneira, só assim, saltitando.