Fase do jogo Casa Pia-Rio Ave, para a Liga, disputado em Rio Maior
A Liga Betclic, nosso principal produto para exportação, é hoje uma prova com muitos jogos de escasso interesse
Foto: IMAGO

Querido, vamos ter de mudar o sofá da sala

OPINIÃO21.04.202509:25

'Tribuna livre' é um espaço de opinião em A BOLA aberto ao exterior, este da responsabilidade de Luís Sobral, consultor e ex-diretor-geral da FPF

Imagine que chegava a casa e o sofá estava no outro canto da sala, para ver televisão tinha agora de se inclinar para a esquerda e a pintura oferecida no casamento mudara de parede. Provavelmente ficaria incomodado e desconfiado: será melhor assim? É o que sentimos quando alguém decide alterar os quadros competitivos de uma competição desportiva. E no entanto mexer é um risco necessário.

A UEFA introduziu esta temporada a maior alteração das últimas décadas nas competições de clubes. A Uefa Champions League não era propriamente uma prova com problemas, Europa League e Uefa Conference League pareciam estabilizadas. É precisamente nesses dias, quando faz sol, que devemos mudar de casa.

Pela forma como tudo foi feito, percebemos que a UEFA estudou o tema e preparou muito bem a comunicação das alterações, com um vídeo arriscado em que o presidente da organização, Aleksander Ceferin, surgia rodeado de antigos jogadores para nos explicar como iria funcionar o nosso entretenimento favorito do meio da semana.

O formato acrescenta datas que antes não existiam e aumenta o grau de imprevisibilidade e emoção da primeira fase, com mais jogos entre as equipas de topo logo nesse momento da prova. Antes desta alteração, a fase de grupos era sonolenta, arrastava-se quase sem notícia. O interesse de clubes, adeptos, televisões e parceiros comerciais era reduzido. Logo, mau para o negócio.

O novo formato acrescenta jogos, cria uma jornada final em que quase tudo muda ao longo de duas horas e um modelo onde cada lugar conta, porque influencia seriamente as fases seguintes. Deixaram de cair clubes de umas provas para as outras.

Lacazette e Maguire no fantástico Man. United-Lyon

Eliminar os jogos sem interesse

Uma avaliação séria das alterações precisará de tempo. Mas agora que já temos 12 equipas nas meias-finais, vale a pena olhar para o que sucedeu em 2024/2025.

Na Uefa Champions League, estão nas meias-finais três dos quatro primeiros classificados da primeira fase: Barcelona (2.º), Arsenal (3.º) e Inter (4.º). O outro apurado é o PSG (15.º).

Na Europa League, só os penáltis evitaram que os quatro primeiros estivessem nas meias-finais. A Lazio caiu às mãos do Bodo/Glimt, da Noruega, clube que tinha sido nono. Os outros são Ath. Bilbao (2.º), Manchester United (3.º) e Tottenham (4.º).

Na Uefa Conference League, mais do mesmo: Chelsea (1.º), Fiorentina (3.º) e Djurgarden (5.º), mais a exceção Betis (15.º).

Minha conclusão: a alteração não afasta os melhores da fase decisiva. Ser competente na primeira fase traz benefícios. Continua a haver espaço para histórias inesperadas, como a do Bodo/Glimt e a do Djurgarden. Há seis países representados. Existe interesse e palco para clubes médios, que precisam de ser fortes. O formato promete.

O futebol profissional compete pela nossa atenção com tudo o resto: trabalho, escola, amigos, família, televisão, YouTube, plataformas digitais, podcasts, corridas no parque, futeboladas com amigos, concertos, viagens, praia no verão. Eliminar os jogos que não interessam deve ser o objetivo número 1 de qualquer organizador.

No mundo ideal só haveria jogos como o Manchester United-Lyon, da Europa League. No mundo que conseguimos ter não podemos desejar menos do que isso e trabalhar para que um dia seja possível. Porque todas as outras atividades estão a tentar fazê-lo, chutando para longe o espaço que o futebol ocupa na nossa vida 

Os dias complexos que se vivem no mercado francês, com notícias alarmantes sobre a venda dos direitos de transmissão da Liga, podem ser um sinal de que o desinteresse dos adeptos é real e provavelmente um desafio global. Enterrar a cabeça na areia e esperar que passe não funcionará.

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Mexer em tudo menos na Liga

Em Portugal, não mexer tem sido a regra no futebol profissional.

Na última década, o Campeonato de Portugal foi reduzido e passou a ser o quarto escalão, dando origem à Liga 3. Nasceu a Liga Revelação, foram alteradas as divisões da formação. A Liga Placard de futsal tem hoje menos equipas, assim como a prova feminina. A Liga BPI será jogada na próxima época apenas por dez equipas e vai nascer a quarta divisão, com redução de clubes nas restantes.

No futebol profissional nada de relevante aconteceu. Aragens de mudança como a que foi liderada pelo SC Braga há uns anos terminaram sem resultados práticos.

Mudar formatos é complexo e tarefa que obriga a pensamento profundo, coragem e capacidade para gerar consenso. Não alterar é ainda mais perigoso.

A Liga Betclic, nosso principal produto para exportação, é hoje uma prova com muitos jogos de escasso interesse, o que leva a estádios vazios e emissões de televisão sem brilho e impacto. Os parceiros portugueses com relevância afastam-se e sobram as casas de apostas, o que não pode ser entendido como um bom sinal.

É provável que Portugal tenha equipas profissionais a mais, logo um campeonato demasiado longo. O número de clubes e a forma como competem entre eles é o nosso sofá da sala.

Face ao desafio da centralização de direitos audiovisuais e à necessidade de agrupar todos à volta de uma chave de distribuição do dinheiro, infelizmente este não é o momento certo para discutir o número de clubes. Será sempre um tema fraturante. Adiar por um instante parece ser a única opção. Mas sem esquecer que chegará o dia em que vamos ter de arriscar, encarar a realidade e mudar mesmo o sofá. Esperemos que não seja tarde de mais.