Porque perdeu o FC Porto com o Benfica
1 - A primeira causa da derrota portista com o Benfica foi a qualidade de jogo do adversário: há que reconhecê-lo e dar-lhe mérito, mesmo sabendo que em circunstâncias inversas, tal não sucederia. Como aqui tinha escrito a semana passada na antevisão do jogo, este era o melhor Benfica que se apresentava no Dragão em muitos anos e confirmou-o no campo. A primeira parte do Benfica foi magnífica, de tal forma que o golo do FC Porto surgiu já contra a corrente e que ao intervalo, pelo número de oportunidades criadas, o Benfica merecia ter saído em vantagem. Já toda a segunda parte foi diferente, e não apenas, como vi escrito, a partir da expulsão de Gabriel: se o golo do FC Porto fora contra a corrente, também o foi o segundo do Benfica. Durante toda a segunda parte, antes e depois desse golo, antes e depois da expulsão, o Benfica nada mais fez do que defender-se, dando o berro muito antes dos portistas - que tinham menos 24 horas de descanso e vinham de jogos bem mais complicados. Mas defendeu-se bem, teve a sorte necessária e um grande guarda-redes.
2 - É sinal de personalidade e confiança de um treinador não improvisar nos grandes jogos. Bruno Lage não o fez, Sérgio Conceição resolveu fazê-lo, sem necessidade nem justificação. Não deve haver, seguramente, ser humano que perceba um mínimo de futebol que possa entender que Adrián López é mais perigoso ou útil que Soares, mas foi essa absurda aposta que Sérgio Conceição resolveu apresentar como surpresa. E o Benfica agradeceu.
3 - Estranha e inexplicavelmente, o FC Porto começa a perder o jogo imediatamente a seguir a ter conseguido pôr-se em vantagem com um golo caído do céu, obra improvável do citado Adrián López. O que podia ter sido um momento de abalo psicológico do Benfica, a ser imediatamente explorado, transformou-se, paradoxalmente, no oposto: foi o Benfica que caiu imediatamente em cima do Porto e os portistas que desataram a tremer como meninos, só sossegando em parte quando uma série de disparates em cadeia conduziram ao inevitável golo do empate. Essa dúzia de minutos que mediaram entre um e outro golo marcaram o estado de espírito de ambas as equipas até final: o Benfica acreditou que podia, o Porto duvidou que conseguiria.
4 - Muito louvado pela critica, Casillas foi um símbolo dessa capitulação psicológica - ele, que costuma ser decisivo nos clássicos. É verdade que antes de ser batido teve duas defesas importantes, mas ambas em remates à figura, só o primeiro, de Pizzi, exigindo reflexos rápidos. No meio, teve uma saída em falso a uma bola alta que, por sorte, lhe acabou nas mãos - coisa habitual. E veio o primeiro golo do Benfica que começou num desastrado passe rasteiro dele para a zona da saída da área e para o centro, e, ainda por cima, para um jogador com marcação em cima (e logo o Adrián López!): um daqueles passes proibidos, que não se compreende que saia de um jogador com a sua experiência. E o segundo golo é um remate colocado, mas fraco e de meia distância, perfeitamente defensável.
5 - Tinha aqui escrito também que o que mais me preocupava no Benfica era a facilidade com que chegava ao golo, transformando hipóteses de golo em golo, sem sequer precisar de criar oportunidades. Isso foi mais uma vez visível no jogo de sábado. O golo de Rafa não nasce de uma oportunidade mas de uma ocasião, acontecida subitamente. O de João Félix é outra ocasião feliz proporcionada por sucessivos erros alheios e generosidade do árbitro (já lá irei). Verdadeiras oportunidades criadas por si são os remates de Pizzi e de Seferovic, curiosamente, ambas desperdiçadas. E foi tudo. Mas o que é sintomático é que, por contraste, o FC Porto, atacando muito mais e muito mais intensamente (mesmo na primeira parte teve mais ataques), rematando mais e fazendo aquilo a que se chama a despesa do jogo, terá tido apenas uma oportunidade de golo e se assim a podemos considerar: o remate de Felipe ao ângulo, defendido por Odysseas. Mas esteve, de facto, diversas vezes naquilo que parecia a iminência do golo - numa quantidade de hipóteses, de sugestões, de percepções de golo, que nunca se transformaram nem em golos, nem em verdadeiras oportunidades de golo. Porque havia sempre mais uma finta, mais um passe, mais uma abertura lateral, mais uma chamada atrás, mais uma simulação, mais um cruzamento, mais uma mudança de flanco, e nunca, nunca, nunca, o remate pelo qual um estádio inteiro suspirava há intermináveis segundos. Não é um defeito de agora, é um defeito que já vem de trás. O futebol atacante dos portistas faz-me lembrar o Algarve: está sempre em obras, parece que nunca mais está pronto. E, todavia, quando isso acontece, como se tinha visto nos jogos mais recentes - em Roma, em Tondela, contra o Braga, ou como se viu no remate de Felipe -, os resultados aparecem. Faria muito bem aos jogadores portistas pegarem nas imagens do segundo golo benfiquista, verem-nas com atenção e meditarem nelas, para perceberem como se ganha um jogo, aparentemente a partir do nada: Felipe alivia curto uma bola para a saída da área; Rafa recolhe-a e passa a Pizzi, desmarcando-se para dentro da área; Pizzi devolve-lha, e Rafa, vendo uma abertura entre os centrais portistas, nem pensa duas vezes: remata, marca e ganha o jogo. Dois jogadores, dois passes, um remate, sete segundos, um golo.
6 - A arbitragem é sempre uma má desculpa, mas não posso esconder que me irrita ver um olhar que é sempre predominantemente lisboeta nestes assuntos. Vejamos os casos. a) Pizzi reclama penalty de Manafá. Mas o que se vê é primeiro ele a agarrar ligeiramente a camisola do portista depois a mão deste no peito do benfiquista, nunca um agarrão. E, se agarrado, Pizzi cai para a frente e não para trás, contrariando as leis da física. b) Odysseas reclama que Pepe lhe tapou a visão da bola, no golo portista. Mas como, se ele até se baixa? O que surpreendeu o grego e toda a gente foi um impensável primeiro golo de Adrián no campeonato português. c) Seferovic abriu caminho para o primeiro golo benfiquista com dois empurrões decisivos. O primeiro, sobre Adrián, até pode passar, mas o segundo, sobre Manafá, é de difícil impunidade, não só porque a entrada é violenta, mas também porque, além do ombro, ele usa o braço para afastar o adversário. Peguem nas imagens do tão reclamado pelos benfiquistas primeiro golo do Porto na Taça da Liga, numa pretensa falta que o terá precedido, e comparem com estas: se aquilo foi falta então isto foi agressão...d) Toda a gente assobiou para o ar, como se não tivesse tido importância alguma, mas eu vi o Samaris projectar o Brahimi pela linha do fundo com um violento empurrão pelas costas, quando não tinha hipótese alguma de chegar à bola nem o tentou. Estava atrás dele, não foi carga de ombros, foi empurrão nas costas. Vale? Ou, por ser dentro da área, finge-se que não se viu? Ouvi comentar, como se isso justificasse alguma coisa, que o Brahimi já não faria nada daquela jogada, mas não é verdade: tinha a bola perfeitamente ao seu alcance e é justamente nestas jogadas, depois de ganhar as costas à defesa, que ele é mais perigoso.
7 - Penso que, pela lógica das coisas, o campeonato está perdido. Morremos com as armas que matámos no ano passado. Ano em que não ganhamos em Guimarães é ano de mau presságio, e este ano podíamos e merecíamos ter ganho por 4 ou 5 em Guimarães e empatámos a zero, enquanto o Benfica ganhou quando, nas palavras do próprio Bruno Lage, estava KO.
Resta-nos a Roma, hoje à noite. Pensando de cabeça fria, é mais importante ainda. Mais importante para a SAD. Menos importante para o clube para os portistas.