O adepto tem sempre razão
Sérgio Conceição elogiou equipa (Manuel Fernando Araújo/LUSA)

O adepto tem sempre razão

OPINIÃO19.02.202409:00

Conceição queixou-se do ambiente no Dragão, mas o Dragão pode queixar-se dele

Há uma velha máxima no mundo dos negócios, segundo a qual o cliente tem sempre razão. Não será para levar à letra, claro, mas foi servindo para as empresas e os serviços de atendimento se focarem em tentar dar sempre o melhor pelos seus clientes, consumidores, ou o que lhes quiserem chamar.

Após a vitória frente ao Estrela da Amadora, na noite de sábado, Sérgio Conceição fez o que raramente tem precisado de fazer: queixou- se dos adeptos do FC Porto. O treinador sublinhou «uma sensação diferente» no Estádio do Dragão e deixou «um alerta» de que espera um «ambiente diferente» contra o Arsenal, já depois de amanhã.

Em sete épocas à frente dos portistas, Conceição construiu uma relação muito próxima com os adeptos, mérito do trabalho que fez (às vezes, dos milagres...) e fruto da sua personalidade, ideal para unir o clube de dentro para fora. Em tempos de aperto financeiro e de poucos a darem a cara por isso, o treinador deu sempre o peito às balas e é, hoje, a principal figura do FC Porto junto dos adeptos.

Com Sérgio Conceição, os azuis e brancos - campeões ano sim, ano não - não deixaram de discutir táticas, opções e resultados, mas tinham sempre a garantia que o treinador lutaria por todos os troféus, até ao fim.

A diferença, agora, é que o FC Porto vive um ano inédito nas últimas décadas: há uma corrida eleitoral em curso e é natural que, apesar de ambos os lados defenderem um discurso de união para bem das equipas em competição, a divisão se vá agudizando até abril.

O treinador começou por afastar-se deste cenário, e bem, tentando proteger o seu plantel do ruído que se vai criando à volta. Até que houve um abraço no Coliseu e, a partir daí, Conceição expôs-se à campanha e aos sentimentos que esta provoca nos adeptos.

O ano de 2024 até tinha começado bem: a equipa estava a jogar melhor, a ganhar mais consistentemente e estavam a surgir novos talentos, essenciais para garantir pelo menos a Liga dos Campeões da próxima época e para eventuais vendas, que são sempre obrigatórias. Mas nisto do futebol já se sabe que a lógica depende demasiado dos resultados e, depois de um empate e uma derrota, quase tudo se esfumou.

Só que arrisco dizer que, mais do que os cinco pontos perdidos em duas jornadas, o que prejudicou Sérgio Conceição nos últimos dias foram as palavras a seguir ao jogo em Arouca. A maneira como utilizou as falhas dos jogadores para atirar aquele «a culpa é do treinador» - que soava a tudo menos a um assumir de responsabilidades - não caiu bem para os lados do Dragão, sempre exigentes, sobretudo quando ficam a 7 pontos dos principais rivais.

Daí a «sensação diferente» que Conceição sentiu anteontem. Depois de tudo isto, estranho seria se os adeptos continuassem na mesma. Eles não são clientes nem consumidores, são muito mais do que isso. E não vão estar lá só quando corre bem. Por isso, sim, têm razão.