Mais do que um jogo para Lage
Bruno Lage tem evidenciado especial à vontade na arte de comunicar. Aprendeu depressa, falando sempre do que quer falar e aproveitando com notável perícia o rumo que as conferências de Imprensa estão a tomar, em que as televisões preenchem o tempo disponível, em claro prejuízo dos jornalistas da escrita, quanto a mim com mais sensibilidade para suscitarem outro tipo de discussão.
Na análise ao jogo com o Gil Vicente, o treinador benfiquista interrompeu a cadeia de perguntas inofensivas e discorreu sobre o que lhe interessava. Nenhuma crítica, desde que se respeite a outra parte do programa, cabendo à Liga, como entidade organizadora da prova, em nome da promoção do espetáculo, estabelecer, por exemplo, um período para os diretos e outro para os indiretos, onde o jogo poderá então ser abordado sem os formalismos a que aqueles obrigam.
Lage aproveitou a boleia da benevolência da plateia e afirmou, nomeadamente, que jogos como o que o Benfica realizou com os gilistas é que fazem os campeões. Julgo perceber onde é que pretendeu chegar, mas não estou de acordo. Se perguntarmos ao adepto comum qual foi o jogo que roubou o penta ao Benfica a resposta, maioritariamente, indicará o clássico na Luz, da 30.ª jornada, que o FC Porto venceu com golo de Herrera ao minuto 90. Se fizermos o mesmo exercício em relação ao campeonato da reconquista o jogo que a catapultou foi outro clássico, no Dragão, à 24.ª jornada, que o Benfica ganhou, virando o resultado de zero-um para dois-um com golos de João Félix e Rafa Silva.
Mais recentemente, o desfecho do Benfica-Porto, realizado a 24 de agosto, não assumiu idêntico significado por duas razões: ter sido disputado à terceira jornada, ainda no dealbar da competição, e o dragão somar menos três pontos, mas se a tendência se mantiver, como tudo indica que sim, e ambos persistirem neste interessante ombro-a-ombro até à linha de meta, não tenhamos dúvidas de que o clássico da segunda volta, no estádio portista, pela jornada 20, vai ser olhado com a intensidade que este não teve. Será visto como antecâmara de onde sairá o dono do próximo título.
Ojogo com o Gil Vicente foi diferente para o Benfica, como provavelmente serão outros daqui em diante, porque Bruno Lage precisa reinventar o futebol encarnado e curar-lhe as debilidades que a exibição competente da equipa de Sérgio Conceição trouxe à superfície. Elas já lá estavam, mas andavam submersas.
Trago este tema à colação por me parecer merecedor de cuidada reflexão e resposta célere, sobretudo em semana de Champions. A praga das lesões perturba o trabalho de qualquer emblema. Poderá, na medida do possível, ser acautelada, mas prejudica todos, sem olhar a orçamentos, nem nacionalidades. É uma praga universal.
Neste exato momento, o quadro clínico no Benfica continua preocupante, com vários dos elementos mais cotados impedidos de serem utilizados. É verdade que Bruno Lage tem um discurso otimista. Na opinião dele contam os que estão e é com esses que vai à luta. Muito bem, desde que tenha a consciência plena de que poderá idealizar um determinado plano que resulta com uns e falha com outros, além de não lhe ficar mal, pelo contrário, em função das disponibilidades e das características do adversário, investir em esquema alternativo de forma a melhor contornar as condicionantes.
Será de todo desaconselhável pegar na solução escolhida para enfrentar o Gil Vicente e decalcá-la, esta noite, diante do Leipzig. Creio ter tudo para correr mal…
Ao treinador Lage compete-lhe engendrar um golpe de asa para atacar com sucesso a Liga dos Campeões, devolver a confiança à massa adepta, profundamente descrente depois da vergonhosa participação de há duas épocas, que colocou a águia nas bocas do mundo pelos piores motivos, e cumprir os objetivos desportivos definidos pelo presidente.
Nessa temporada de má memória (2017/2018), seis jogos, seis derrotas, um único golo marcado e 14 sofridos, Rui Vitória encolheu os ombros, sem a menor perceção da catástrofe que provocara no orgulho da família benfiquista e no prestígio do próprio clube.
Em contraposição, o FC Porto alcançou os oitavos de final, tendo sido eliminado pelo Liverpool, com a particularidade de se ter apurado num grupo com Mónaco, Besiktas e RB Leipzig: perdeu na Alemanha (2-3) e ganhou em Portugal (3-1), conjunto de resultados que desde logo lhe deu vantagem em caso desempate classificativo, que não se tornou necessário, porém.
Nem desta simples coincidência Lage conseguirá livrar-se. Vai ser mais do que um jogo para ele, como costuma dizer-se para exaltar a sua importância e pesar consequências no presente e no futuro.