Há sempre um outro lado do mundo

OPINIÃO31.07.202107:05

De quatro em quatro anos podemos conhecer os sinais de evolução do mundo através dos Jogos Olímpicos. E estes, em Tóquio, não são exceção

S E a Terra é redonda, mesmo que achatada nos polos, onde começa a Terra? Não é questão que deixe em pensamentos profundos o comum dos mortais. Afinal a Terra começa onde cada um de nós existe. Começa, mais precisamente, no centro do nosso umbigo, como, aliás, tudo o que se passa em redor das nossas vidas.
Por isso, dos japoneses, nós, portugueses, dizemos que é um povo  de olhos rasgados, que tem maneiras estranhas de estar, de viver, de comer e de falar. Admitimos que seja o país do sol nascente, o que não deixa de ser curioso, porque se o sol por ali nasce, então ali deverá começar o planeta e se por aqui se põe, aqui acabará a terráquea circunferência.
Tirando isso, há aqueles (poucos) que se interessam minimamente por história e pela civilização e se entusiasmam com o conhecimento dos saberes e culturas milenares orientais, onde o tempo tem outro tempo, os velhos são mais sábios do que empecilhos e as referências são sagradas.
Todas estas diferenças levam a que nós, os ocidentais, tenhamos grande fascínio pelo oriente. Algo que os orientais nos retribuem, não apenas com uma mesma dose desse fascínio, mas, sobretudo, com uma incontrolável atração pela imitação ocidental (leia-se americana) que vai da efusiva turbulência da vida jovem à descoberta de como fazer igual, muitas vezes melhor e sempre mais barato. Para nos vingarmos, nós aprendemos a comer sushi com pauzinhos.
Temos assim que neste tempo de Jogos Olímpicos a festa se passou para o outro lado do mundo. E, por isso, apesar de todos estarmos certos de que já vivemos num mundo global, sem fronteiras, sem horas e nunca descontinuado, a verdade é que os atletas nadam, saltam, correm, velejam, jogam, vão mais alto e mais longe às horas em que nós estamos a dormir.
Daí que estes Jogos nos pareçam injustamente menos interessantes e que olhemos verdadeiros fenómenos da natureza humana com o desinteresse próprio dos ignorantes. Assim, os Jogos resumem-se a essa pergunta tradicional, tacanha e fatídica: «Há medalhas ou não há medalhas?»
Felizmente já houve uma, o que deixa a populaça um pouco mais descansada com o aproveitamento dos seus impostos e as autoridades políticas mais aliviadas. Esperam-se mais, oxalá assim seja, mas a verdade é que eu, que conheci os Jogos por dentro, que os vivi e os procurei contar na sua dimensão universal única entre a realização humana, sinto, sempre, uma enorme frustração por me aperceber que de quatro em quatro anos (neste caso, foram cinco) a cultura desportiva portuguesa se resume a querer saber de quem ganha medalhas para Portugal e quem é que o Benfica, o Sporting e o FC Porto vão comprar para as suas equipas de futebol, neste defeso.
Com os Jogos a acontecerem do outro lado do mundo, com as grandes provas a decorrerem fora de horas de expediente, a maioria dos portugueses limita-se a resistir a mudar de canal quando vê um pequeno resumo do dia. E, no entanto, estes Jogos trazem-nos algumas lições sobre como está a evoluir o mundo. Do crescimento da China, à afirmação da Rússia. Do crescimento da Grã Bretanha, no continente europeu, à evolução da Itália e ao definhamento da Alemanha. Do desaceleramento dos Estados Unidos, enquanto líder mundial, à manifestação de consistência e de eficácia do Japão.
A verdade é que, apesar do alheamento dos analistas sociopolíticos, de quatro em quatro anos se podem conhecer melhor os sinais de evolução do mundo, através do que se passa nos Jogos Olímpicos. Estes, os Jogos do outro lado do mundo, não são exceção.


DENTRO DA ÁREA – O DESAFIO DE JORGE ARAÚJO

Tenho mantido com o Professor Jorge Araújo uma saudável correspondência eletrónica. Trocamos ideias, vou sabendo da evolução da sua importante tese de doutoramento, falamos de desporto. Desta vez, o Jorge alertava-me para o exemplo do basquetebolista português que entrou na mítica NBA e de como esse facto justificaria uma abordagem e uma análise sobre as razões que levam à disparidade dos resultados do basquetebol em relação ao andebol português. Um desafio, mais do que interessante, deveras importante.


FORA DA ÁREA – OTELO E A HISTÓRIA

Eu conheci Otelo Saraiva de Carvalho na versão de comandante militar. Eu era alferes, quando se deu o 25 de Abril, perdi a luta por filmar, para o exército, para o País e a para a História, a rendição de Marcelo Caetano no Largo do Carmo, o que não foi culpa sua, e cruzei-me com o comandante militar da revolução em outros pequenos episódios, alguns pitorescos, outros condenáveis. Sei bem do que falo quando digo que Otelo teve o poder, à mercê de uma ambição política que nunca teve.  A História o julgará, mas cuidado com quem a conta...