És do Sporting ou do Porto?
Roger Schmidt (IMAGO)

És do Sporting ou do Porto?

OPINIÃO04.12.202309:21

Aos jornalistas é inatacável, hoje e sempre, a sua liberdade de imprensa

Roger Schmidt resolveu, após o Benfica-Sporting, ganho contra dez jogadores e já nos descontos, questionar o profissionalismo de um jornalista da RTP que lhe fez uma pergunta simples e lógica: «Acha o resultado melhor do que a exibição?» O treinador alemão não gostou e perguntou, por duas vezes, se ele era «do Sporting ou do Porto?».

O Sindicato dos Jornalistas e o CNID emitiram de imediato comunicados a criticar as declarações de Roger Schmidt, não só invocando a Liberdade de Imprensa, mas exigindo um pedido de desculpas. No Art.º 38 da Constituição da Républica Portuguesa pode ler-se que «é garantida a Liberdade de Imprensa», mas as garantias dadas aos jornalistas pela Constituição não proíbem que se lhes façam também perguntas, já que o treinador tem garantida a sua liberdade de expressão.

E aqui começa a luta de liberdades. É por causa da liberdade de imprensa que o jornalista pode questionar. Mas logo à partida o treinador tem a sua liberdade de expressão limitada, já que tem de comparecer na conferência de imprensa e na flash interview - art.º 91 do Regulamento das Competições da Liga Portugal. Se faltar o clube pode ser multado - art.º 87.º-B do Regulamento Disciplinar da Liga.

Após o jogo da Taça de Portugal, entre o Benfica e o Famalicão, o treinador encarnado não foi à sala de imprensa. Esta ausência deveu-se a mais um episódio com jornalistas na antevisão do jogo: a liberdade imperiosa numa democracia levou alguns a combinarem não mais fazer perguntas em inglês a Schmidt. Como o treinador não percebe português e o Benfica não arranjou tradutor, o treinador exerceu a liberdade de expressão ficando em silêncio. Isto, apesar da multa, em si mesma, ser violadora da liberdade de expressão do treinador, já que ficar calado é um direito.

Noutras culturas mediáticas é normal os jornalistas assumirem as suas preferências clubísticas e políticas. Em Portugal os jornalistas preferem apresentar-se como independentes, apesar de todos terem preferências, o que é normal. Nenhuma tradição é melhor que a outra, há vantagens e desvantagens em ambas.

Penso também que trabalhadores estrangeiros que exercem funções em Portugal devem fazer um esforço para falarem a nossa língua, sobretudo os que são figuras públicas. Todos se recordarão da primeira conferência de imprensa de José Mourinho no Chelsea, onde num inglês correto mostrou ao que ia: respeito. Schmidt não fala uma palavra de português e chateado já puxou várias vezes dos galões da sua liberdade de expressão. Aos jornalistas é inatacável, hoje e sempre, a sua liberdade de imprensa. Mas neste caso ninguém colocou, nem tem poderes para isso, em causa as garantias constitucionais da nossa democracia. Não há uma liberdade melhor do que a outra, há apenas liberdade, aquela que me permite dizer que o direito ao golo vai para perguntas inteligentes, para os jornalistas que respeitam a génese da sua profissão e para a liberdade, a de falar e a de ficar calado.

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