Do Portugal de Fátima, Futebol e Fado para o Portugal de Ronaldo e do Futebol
O V. Guimarães teve €24,5 M de receita, quase 9 vezes menos que o Benfica. É o dobro da diferença do Benfica para o Real Madrid. Pedro Proença e Reinaldo Teixeira ficarão na história, mas como?
Em 2024, os 20 programas mais vistos na televisão portuguesa foram 20 jogos de futebol. O programa (jogo) mais visto foi o Portugal-Eslovénia dos quartos de final do Euro-2024 (5.410.044 espectadores de média, 65,58% de share). O Polónia-Portugal foi o que teve menos espectadores destes 20 programas (3.473.357 espectadores de média, 42,26% de share). O Santa Clara-FC Porto, nos quartos de final da Taça de Portugal, teve 3.904.970 espectadores de média, 40,76% de share.
Neste mês de abril de 2025, o canal generalista de televisão líder, é aquele que consegue fazer 15% de share num dia.
A competição de futebol mais importante no mercado português é a Primeira Liga e as sociedades desportivas dividem perto de 180 milhões de euros de receita — a maioria dos contratos foram realizados em 2015.
A Champions League para Portugal foi comprada pela Sport TV para o ciclo 2025-28 por um valor recorde, perto dos 20 milhões de euros/ano, mais 33% que o valor do ciclo anterior. Em 2015, foi vendida por menos de metade deste valor.
Não há outro desporto em Portugal que seja relevante para o mercado televisivo, todas as outras modalidades lutam para transmitir os jogos dos seus campeonatos na televisão e, quando o conseguem, têm de assumir o pagamento dos custos de produção.
Em 2000, antes de Cristiano Ronaldo, a maioria dos norte-americanos pensava que Portugal era em Espanha. Em 2023, depois de Cristiano Ronaldo, os EUA foram já o 3.º mercado turístico para o destino Portugal.
«As oportunidades multiplicam-se à medida que são agarradas», Sun Tzu
Em 4 de setembro de 2007, a Portugal Telecom tinha 4.000 clientes MEO e ambicionava ter 100.000 em 31 de dezembro de 2008.
A Benfica TV foi o fator-chave do crescimento exponencial e imprevisto.
Em 29 de agosto de 2008, o canal foi anunciado como exclusivo MEO. A 15 de setembro, foi anunciada a transmissão em exclusivo do Benfica-Nápoles para a Taça UEFA, que se realizou a 2 de outubro. Em 18 de dezembro de 2008, a 13 dias da data em que tinha previsto ter 100.000 clientes, a Portugal Telecom anunciou que tinha atingido os 300 mil clientes MEO!
Em 2008 e 2009, os portugueses, para ter acesso à Benfica TV, mudaram maciçamente de operador de telecomunicações.
A Digi está a entrar em soft-launch no mercado português de telecomunicações e prevê-se que será muito agressiva nos preços em 2026 — quer atingir rapidamente os 20% de quota de mercado.
No mercado português, o acesso ao futebol é muito mais decisivo que o preço. Um cliente com 20 anos de fidelização a um operador de telecomunicações, facilmente desliga e muda para um concorrente.
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«A ambição embriaga mais do que a glória», Marcel Proust
Desde 1984, a Liga Francesa tinha no Canal + um parceiro sólido na transmissão dos jogos do seu principal campeonato, a Ligue 1.
No ciclo entre 2016 e 2020, o Canal + pagava pontualmente 748,5 milhões de euros época pelos direitos TV em França.
Em março de 2016, a Liga Francesa elegeu um novo presidente, Didier Quillot, antigo CEO da Orange Telecom, subsidiária da France Telecom.
Foi com ganância que a Liga Francesa abordou o mercado na venda dos direitos televisivos para o ciclo 2020-2024, fruto da ignorância dos clubes franceses e da avidez do novo presidente.
A 30 de maio de 2018, Didier Quillot rejubilava. Vendera os direitos para o ciclo 2020-2024 por 1.153 milhões de euros ano, mais 60% do que o valor do ciclo anterior.
«Ainda não tivemos tempo para beber champagne (...) O Canal + não levou a sério a concorrência, disseram-nos que o preço era alto demais e não haveria compradores.»
Uma nova empresa ganhou os principais direitos, a Mediapro, acenando com o pagamento de 800 milhões de euros ano por 80% dos jogos (8 dos 10 jogos em cada jornada). O Canal + ficou com 20% dos jogos (2 em cada jornada) por €330 M ano.
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A Mediapro só pagou a primeira prestação (€175 M) da primeira época do contrato (2019-20) e rescindiu o contrato. Em março de 2020, o Estado Francês teve de avalizar um empréstimo de emergência no valor de €224,5 M de euros para os clubes não falirem.
Após o escândalo do incumprimento da Mediapro, Didier Quillot sai em setembro. Em quatro anos de presidência, tinha auferido 4 milhões de euros, entre salário e bónus — mais 1.5 milhões de indemnização pela saída antecipada.
Depois de ter sido destituído, Quillot foi ouvido na Assembleia da República Francesa e recusou ter sido imprudente em não ter exigido uma garantia bancária à Mediapro: «(...) A Liga Francesa nunca a tinha exigido antes ao Canal +.» O máximo que reconheceu foi que devia ter exigido um sinal no valor de 10 ou 20pc do total do contrato.
«Pela frente um precipício, por trás os lobos», Provérbio romano
Vincent Labrune, o sucessor de Didier Quillot como presidente da Liga Francesa, fez muito pior.
Em junho de 2021, vendeu à Amazon o pacote que era da Mediapro por apenas €275 M ano (65% abaixo do valor inicial) e foi inflexível com o Canal +. Exigiu o pagamento dos 330 milhões de euros ano pelas 3 épocas que ainda faltavam. O Canal + recorreu aos tribunais e perdeu, ficou a pagar quase 5 vezes mais por jogo que a Amazon. Revoltado, anunciou que não voltava a fazer ofertas pelos jogos da Ligue 1 no mercado doméstico.
No ciclo 21-24, os direitos no mercado francês já só valeram 605 milhões de euros, longe dos 748,5 milhões de euros que pagara o Canal + no ciclo 2016-20 (menos 19%).
«O tolo aprende com os seus erros, eu aprendo com o erro dos outros», Otto von Bismark
Em 2023, a Liga Francesa anunciou que o preço-base dos jogos da Ligue 1 para o ciclo 2024-27 eram os mesmos 800 milhões de euros de preço base de 2018. Repetiu o seu próprio erro, o que faz da Liga Francesa pior do que tola.
E decidiu reduzir a Ligue 1 de 20 para 18 equipas — o número total de jogos baixou de 380 para 306 (menos 20%). A falta de competitividade manteve-se, o PSG foi campeão como sempre, já são 11 vezes nas últimas 13 épocas, e agora até foi campeão a 6 jornadas do fim.
A Amazon já não fez proposta para este ciclo, o seu interesse no futebol para aumentar a sua base de subscrições era apenas por um período curto (e barato). Sozinha no mercado, a DAZN acabou por comprar por apenas €400 M ano, 8 dos 9 jogos por jornada: o outro é da BeIN que paga €100 M por ano.
Começou em julho a primeira época da DAZN e, dois meses depois, faz saber que só tinha 100.000 subscritores e o acordo com a Ligue 1 previa que tivessem 1 milhão.
Em fevereiro, só pagou 50% dos €70 M a que estava obrigada. A Liga Francesa recorre a tribunal. Em resposta, a DAZN processou a Liga francesa em 573 milhões de euros, por considerar terem sido empoladas as expectativas comerciais, não ter sido feito o suficiente para combater a pirataria e não ter garantido o acesso dos seus jornalistas a conteúdos exclusivos.
A DAZN só quer pagar €90 dos €140 M a que está comprometida até ao fim da época (menos €50 M) e ameaça desistir dos direitos das próximas épocas, a não ser que a Liga Francesa renegoceie o valor em baixa.
Em 2019, o Canal + pagava pontualmente 748,5 milhões de euros época pelos direitos TV em França e era o parceiro da Liga Francesa há 36 anos...
«Na Estratégia, decisiva é a aplicação», Napoleão
O Canal + para poder abdicar dos direitos TV da Ligue 1 comprou a Champions League por 480 milhões de euros ano para o ciclo 24/27. O valor destes direitos cresceu 28% (era de €375 M ano em 21-24).
Como conteúdo desportivo local, apostou no Rugby e garantiu os dois campeonatos profissionais (TOP14 e a PD2) até 2031, por €140 M ano. Pelo ciclo 2027-2031 aumentou 14,7% o que pagava até 2026. Agora, em França, o Rugby já disputa o título de desporto-rei com o futebol.
Há pouco mais de um mês, o L'Équipe publicou manchete inesperada: «Desde o início desta temporada, as audiências da seleção francesa de rugby são superiores às da seleção francesa de futebol.» Pelo famoso Torneio das 6 Nações são pagos 100 milhões de euros ano! São 18 jogos, e a seleção francesa disputa apenas 5.
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Os direitos TV do torneio de ténis de Roland Garros são 150 milhões de euros ano. E o Tour de France só vale 24 milhões de euros ano, porque o proprietário da prova desde sempre considerou que o seu valor resulta de ser transmitido em aberto, o que permite fazer mais 125 milhões de euros ano em receitas comerciais e com os acordos com os municípios para a partida e chegada das etapas.
«Os que são prudentes e humildes, raramente tropeçam», Confúcio
Os operadores de telecomunicações são os parceiros do futebol português desde 1998, há 27 anos. Durante a paragem Covid, apesar de não terem tido receitas durante mais de três meses, não descontaram um único tostão ao valor do contrato dos clubes.
Em Portugal, hoje, só o futebol é relevante para efeitos de audiências, mas as novas gerações já seguem muito o Rugby, a NBA, a NFL, a Fórmula 1 e o Moto GP.
Os clubes portugueses contam apenas consigo e os seus históricos parceiros. Desde 2012 que já não têm acesso a financiamento bancário, nem sequer factoring de faturas para gestão de tesouraria.
Se o dinheiro da televisão se atrasar um mês, como vão resolver? Como vão explicar aos trabalhadores que não conseguem pagar o seu salário? E aos jogadores? E à polícia, que só aparece se for paga antes do jogo? E a tantos outros fornecedores? São várias as equipas da Primeira Liga cuja receita dos direitos televisivos representa mais de 50% do total das receitas.
É que depois do caso francês, e até já tinha havido um semelhante em Itália, devem evitar encantar-se por aventureiros a prometer milhões.
«É inútil conhecer a lei sem conhecer as pessoas para quem ela foi concebida», Justiniano
Os portugueses têm todos algo em comum com Cristiano Ronaldo — gostam de ganhar. O CR7 trabalha arduamente para isso, em contrapartida, os portugueses sabem, como ninguém, ser de quem ganha.
Não é só no futebol, na política todos reconhecem a importância de ser o partido favorito no dia das eleições. Uma percentagem relevante de portugueses decide o voto em função de quem acreditam que vai ganhar as eleições — e passam a noite no sofá a saborear a sua vitória.
Os adeptos portugueses não querem ver jogos disputados, muito menos competições disputadas. Só são do seu clube porque ele ganha. Se o clube estiver numa má fase, não vão ver os jogos, e se sentirem que um jogo está perdido, vão-se embora do estádio antes do fim.
Se 90% dos adeptos só são do seu clube porque ganha quase sempre, como é que se vai centralizar para introduzir competitividade e incerteza?
O Arouca recentemente empatou com o Benfica. No final do jogo, ouviu falar de algum jogador do Arouca? Do treinador do Arouca? Do Arouca?
No futebol português, o mais pequeno é ignorado, exceto quando é enxovalhado.
«Só é rico quem não precisa de mais», Cícero
Mesmo que a centralização tivesse como objetivo esbater as diferenças entre os clubes isso é totalmente impossível.
Em 2024, o Real Madrid teve €1.045 M de receita e o Benfica €224 M (4.5 vezes menos). Apesar de ter sido o primeiro clube na história do futebol a atingir os 1.000 milhões de euros de receita numa época, o Real Madrid continua numa busca incessante pelo crescimento de receitas. É a fórmula mágica de Florentino Pérez, quem tem mais dinheiro, ganha mais vezes a Champions League.
O V. Guimarães, o 4.º maior clube português, teve €24,5 M de receita, quase 9 vezes menos que o Benfica — é o dobro da diferença do Benfica para o Real Madrid.
Há vários clubes na Primeira Liga que têm €5 M ano de receitas, pelo que têm 45 vezes menos receita que o Benfica — a diferença para o Benfica é 10 vezes maior que a do Benfica para o Real Madrid.
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Para haver um mínimo de competitividade, observando a mesma distância do Benfica para o Real Madrid, o Vitória de Guimarães teria de duplicar a receita (de €25 para €50 M) e os mais pequenos da Primeira Liga multiplicarem por 5 (de 5 para €25 M).
Aumentar os direitos TV para €500 M ano é impossível, pelo que se a competitividade a 18 é irrealista, tornar muito mais forte o Vitória de Guimarães é o melhor contributo possível para melhorar o ranking de Portugal na UEFA, o que beneficiará os 3 maiores.
Se os livros de Asterix fossem sobre os Romanos e o futebol português, Guimarães era a aldeia portuguesa e os Vitorianos o povo que lá vivia. Em Guimarães nasceu Portugal, no Vitória deve renascer o futebol português.
A centralização deve permitir ao Vitória de Guimarães e ao SC Braga aproximarem-se dos 3 maiores, e permitir à nova classe média alta do futebol português competir na Liga Conferência. Famalicão, Santa Clara, Rio Ave, Gil Vicente e Estoril substituíram a antiga classe média alta (Belenenses, Boavista, Marítimo, Académica de Coimbra e Vitória de Setúbal).
«Não há ventos favoráveis para quem não sabe para onde vai», Séneca
A centralização deve ter como principal objetivo garantir o futuro do futebol português.
Temos de aumentar exponencialmente as audiências dos jogos do futebol português, em particular dos mais novos e na África Lusófona, o que vai gerar muito maiores receitas comerciais. Precisamos investir em infraestruturas e ter muito mais mulheres e crianças nos estádios, apenas possível se melhorar a experiência e a segurança dos adeptos no dia de jogo.
A formação de jogadores tem de manter a qualidade, mas tem de aumentar muito a quantidade de jogadores formados em Portugal, deixando de ser monopólio de meia dúzia de clubes. Todos os outros, em vez de formarem jogadores, esgotam os recursos a cumprir burocracia estúpida e inútil, imposta como pretexto para justificar um milionário negócio privado de certificação da formação.
Sobre a formação de elite, uma reflexão adicional. Não seria considerado trabalho infantil, se um miúdo com 13 anos saísse de casa dos seus pais e fosse viver sozinho para uma academia instalada numa fábrica têxtil ou de calçado? Mesmo que gostasse? Mesmo que fosse à escola de manhã, e só estivesse a aprender o ofício à tarde? Mesmo que fosse pobre e a fábrica pagasse uns trocos à família? E lhe desse alimentação e cama lavada numa camarata? Como a minha mãe, que tem hoje 84 anos, começou a trabalhar aos 6, sei bem que isto é trabalho infantil e é aquilo que mais me angustia no futebol português. Como o Estado não quer saber destes miúdos, a não ser para tirar fotografias na celebração dos êxitos, tenho esperança de que os clubes se autorregulem rapidamente.
«Não há nada mais difícil ou perigoso que liderar uma mudança», Maquiavel
Pedro Proença, em 2015, depois de ganhar as eleições da Liga de Futebol Profissional, anunciou que a Liga ia ter como objetivo a Centralização dos Direitos Televisivos – se o tivesse dito antes das eleições, tinha perdido.
O decreto-lei Nº 22B/2021, determina expressamente que a proposta tem de ser entregue ao governo pela Federação e pela Liga, pelo que Pedro Proença tem a mesma responsabilidade no processo hoje que tinha quando era presidente da Liga.
Reinaldo Teixeira, o novo presidente da Liga Portugal, começou muito bem o seu mandato ao afirmar, no discurso de tomada de posse, que tínhamos de aprender com o caso francês e que ia trabalhar com todos os clubes e não apenas com os 81% que votaram nele.
A relação entre os dois, vista de fora, é excelente. Mesmo que fosse má, seria irrelevante, porque o interesse dos dois é rigorosamente o mesmo, e não há alianças mais fortes que as forjadas no interesse.
Os dois, vão ficar na história do futebol português. Como os presidentes que criaram a Premier League em 1992? Ou como o Didier Quillot e Vincent Labrune?
Sr. Rui Pedro Soares, bem-haja por trabalho tão pertinente, factos são factos. Por tal, os direitos televisivos deverão ser equitativamente distribuídos e o Vitória Sport Clube sendo o 4.º (distando mais 100 mil espetadores por época do 5.º, além de ser o que mais Presenças tem na I Liga, depois do SLB, SCP e FCP), merece ser obviamente retribuído. Força Vitória!