Dar o desconto
Pedro Proença, Liga Portugal (Foto: Liga Portugal)

Dar o desconto

OPINIÃO15.09.202319:29

Fora de jogo, o artigo de opinião de João Bonzinho

APROVEITANDO a paragem das competições de clubes para dar lugar aos jogos das seleções, a Liga voltou a promover um fórum de indiscutível qualidade e mérito. Num país onde dizer mal, por tudo e por nada, faz parte do dia a dia dos portugueses, parece-me inquestionável a importância e a riqueza da iniciativa da Liga, e da equipa de Pedro Proença, no sentido de debater, discutir, revelar, promover, sensibilizar, dar abertura, explicar, propor, trocar ideias, procurar conhecimento, partilhar experiências e histórias, tentar, enfim, aprender com o passado, passe o cliché, e projetar o futuro de competições profissionais que não devem, porém, contentar-se em estar melhores do que estavam há um par de anos. 

Aos que apenas criticam, lembro que ninguém deve ser preso por ter cão e preso por não ter, e sobretudo não devem usar-se os mesmos argumentos para se criticar a Liga quando a Liga não mostrava capacidade ou iniciativa e para se apontar o dedo à Liga quando a Liga reúne homens do futebol e põe-nos a debater, chama os atores do jogo e os distingue, destaca o valor e o mérito, promove a revelação de experiências (pudemos ouvir o treinador campeão nacional revelar algumas fortes convicções) e procura abrir e levar a organização ao encontro dos adeptos. 

Como iniciativa, o fórum a que se dá, ainda assim, o pomposo nome de Thinking Football Summit, e que vai apenas na segunda edição, nasceu também (isso também me parece evidente) para que a Liga deixasse de se posicionar atrás da Federação Portuguesa de Futebol, que em 2015 deu realmente um passo significativo na liderança do debate e do desenvolvimento ao criar o Football Talks, que passou a reunir, próximo da capital, muitas das pessoas que pensam e decidem no futebol mundial, e recordo que deixou marca, na edição inaugural, a intervenção do antigo árbitro italiano Pierluiugi Collina (hoje presidente da comissão de arbitragem da FIFA), abrindo um debate que levou à implementação do vídeo-árbitro por parte do International Board, a organização que tutela as regras do jogo e tudo o que pode influenciá-las. De um ponto de vista da abertura do futebol aos adeptos, do ar que o futebol deve, na verdade, deixar que se respire, o fórum que a Liga levou a cabo nesta paragem das competições de clubes, como já antes, os debates promovidos pela federação, ganham indiscutível importância e não deixam, naturalmente, de contribuir para um futebol mais pensado, mais moderno, mais adaptado ao tempo, até, de algum modo, mais credível e transparente. Pelo menos fora do campo. 

IGUALMENTE desejável, por outro lado, seria ver a Liga de clubes mostrar-se capaz de eliminar definitivamente algumas das teias de aranha que a perseguem e perseguem a imagem do futebol profissional em Portugal, mantendo os adeptos com o pé atrás relativamente à desconfiança e ao descrédito que certamente continuará a merecer-lhes por verem, por exemplo, os responsáveis (ou melhor, o presidente) de um clube com a dimensão do FC Porto recusarem estar presentes na Gala anual da instituição (a ‘noite dos óscares’ do futebol profissional português), alegadamente por discordarem da escolha do canal de televisão que fez a transmissão do evento. Um absurdo difícil de explicar, mas sobretudo difícil de compreender. 

Tão difícil, ainda, como entender que no Thinking Football Summit, promovido pela Liga, o presidente do Benfica, Rui Costa, tenha estado, no palco, disponível às perguntas de Vanda Cipriano, uma ex-jornalista que integra hoje o gabinete de comunicação da Liga, que Roger Schmidt, no mesmo palco, tenha sido entrevistado por Ricardo Rocha, um ex-futebolista que é hoje comentador televisivo, e que o presidente do FC Porto, pelos vistos, só tenha aceitado participar no fórum da organização se fosse questionado, como foi, por Rui Cerqueira, também um ex-jornalista que dirige hoje a comunicação do futebol profissional… dos dragões! São dispensáveis mais comentários. 

A Seleção Nacional que na última segunda-feira estabeleceu, com os 9-0 sobre o Luxemburgo, um resultado que é novo máximo na história da equipa das quinas, voltou a abrir a janela do debate sobre o futebol que é capaz de jogar hoje com e sem Cristiano Ronaldo, ainda o maior emblema do futebol português atual. Não faltam, evidentemente, análises, ideias, conjeturas, explicações, argumentos, definições, estratégias, ideias táticas e razões do lado dos que defenderão que Cristiano Ronaldo ainda é o melhor atacante da Seleção Nacional e do lado dos que se batem pela opção de uma Seleção Nacional já sem a obrigação de contar com ele. Devemos, porém, procurar olhar da forma mais fria possível para os dados da equação: - Cristiano Ronaldo ainda está, objetivamente, em condições de dar experiência e golos à Seleção; - com ele em campo, é natural que a equipa ainda o procure sistematicamente, não apenas como principal referência atacante, mas, talvez sobretudo, pelo evidente peso que tem numa equipa o hábito de jogar com Cristiano Ronaldo há sensivelmente 20 anos! - sem Cristiano Ronaldo, como sucedeu com o Luxemburgo, a Seleção sente-se ‘desobrigada’ dessa influência e desse peso, deixa claramente a ideia de se ‘soltar’ e de soltar mais e melhor o extraordinário talento de alguns dos jogadores, e parece, na realidade, aproximar-se mais do tipo de jogo que os adeptos esperam de uma equipa com o luxo de contar com a qualidade de futebolistas como Bernardo Silva, Bruno Fernandes, Diogo Jota, João Félix, Rafael Leão, para citar alguns dos mais criativos e mais influentes no futebol europeu; - por fim, apesar do evidente crescimento de seleções como a do Luxemburgo (tem surpreendentes 10 pontos no grupo), 9-0 é 9-0, um magnífico resultado, sim, mesmo conseguido num jogo de dificuldade média-baixa. Trata-se de reconhecer o exato valor do adversário e de perceber como os grandes adversários apenas surgem nas fases finais das grandes competições. Não se trata de diminuir o mérito da vitória das quinas sobre o Luxemburgo, porque 9-0, nos tempos que correm, são fantásticos, qualquer que seja a circunstância, sem esquecer (sem nunca esquecer) que o trabalho já mostrou poder ganhar muitas vezes ao talento, sobretudo se o talento não trabalhar o suficiente. 

O que o talento português fez na última segunda-feira (sem fazer uma exibição brilhante) foi trabalhar o suficiente para não permitir que este jogo com um adversário menos qualificado pudesse tornar-se numa das dores de cabeça que já tanto afetaram a história da Seleção Nacional. Vejam, aliás, como pode o futebol ser tão irónico: Fernando Santos, o treinador do mais alto momento da Seleção Nacional (campeão da Europa em 2016), que acaba de ver-se despedido do comando da seleção da Polónia após derrota com a Albânia, é o mesmo Fernando Santos que em 2014 rendeu na seleção portuguesa o treinador Paulo Bento, que se viu despedido após derrota de Portugal… com a Albânia. 

Lembra-se, caro leitor, do valor que habitualmente se atribuía à equipa albanesa?! E quem se atreveria a prever, mesmo num jogo a feijões, que a poderosa Alemanha pudesse, um dia, vir a ser, como foi, goleada… pelo Japão?! O futebol já não é o que era. O que continua inadequadamente a acompanhar o jogo é a expressão tempo de descontos. Lê-se e ouve-se. É inexplicável. Escreve-se nos jornais e diz-se nas televisões que a equipa ‘chegou à vitória já no tempo de descontos’, quando se trata, na realidade, de tempo que se acrescenta ao tempo de jogo para se compensar o tempo que alegadamente se perdeu. Descontar é tirar e não acrescentar. Não faz, pois, qualquer sentido falar-se em tempo de descontos, mas sim em tempo de compensação. Ou, como dizem os brasileiros, tempo de acréscimo. 

Curioso como num País que sempre aguarda, ansiosa e justificadamente (Deus do céu, como está o nosso custo de vida!…), por qualquer que seja o desconto, nos combustíveis, no azeite ou numa lata de conservas, pode, afinal, confundir-se tanto o ‘desconto de tempo’ com a correta expressão tempo de compensação. Dá para entender? No jogo de futebol, o que há é tempo a mais, acrescentado aos 90 minutos de tempo regulamentar que deve, no mínimo, durar uma partida, Ora quando o árbitro assinala mais minutos além dos 90 estará a descontar o quê? No recente FC Porto-Arouca dir-se-ia, então, que o árbitro descontou quase o IVA!...