A conquista do Rio
1 Jorge Jesus já cita Camões, Pessoa e Saramago nas suas conferências de imprensa em solo brasileiro. No intuito de o ajudar na sua justa luta contra a inveja dos locais, aqui lhe deixo algumas datas, nomes e factos que poderá usar para recordar o muito que Portugal e os portugueses estão ligados à história da cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro. O Rio foi descoberto em 1502, logo dois anos após o achamento oficial do Brasil, pelo navegador português Gaspar de Lemos. Em 1555, os franceses desembarcavam na Baía de Guanabara, o que levou os portugueses, dois anos depois, a voltar lá para os tentar expulsar. Após dois anos de combates em que cada exército europeu tinha os seus aliados indígenas, os portugueses levaram a melhor e, em 1565, Eustácio de Sá fundava a cidade do Rio de Janeiro, a partir da qual os portugueses afugentariam de vez os últimos invasores. Em 1763, correspondendo ao crescente dinamismo da cidade, o Marquês de Pombal muda a capital da colónia de Salvador da Bahia para o Rio de Janeiro - onde, em 1808, fugindo à invasão napoleónica, desembarca a Coroa de D. João VI, com armas e bagagens. Nos sete anos seguintes, o Rio vai assumir o estatuto de capital do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves - até que, com o grito de Ipiranga, em 1822, se torna apenas a capital do Império do Brasil, com D. Pedro I (e IV de Portugal) como primeiro e penúltimo Imperador do breve Império.
Assim, se no sábado, em Lima, levar o Clube de Regatas Flamengo do Rio de Janeiro à conquista do título de campeão sul-americano de futebol, Jorge Jesus poderá orgulhar-se de ter continuado a tradição de uma linhagem de portugueses que, a duras penas, por vezes com brio, outras nem tanto, tudo fizeram para chamar sua à cidade do Rio de Janeiro. E ainda: resgatará o orgulho de tantos treinadores portugueses que, umas vezes justamente, outras não tanto, passaram anos a ver treinadores brasileiros virem cá treinar e ensinar como se fazia. Entre todos, um tal de Scolari, que aqui chegou e se imaginou rei do pagode, apenas para encher os bolsos e falhar a conquista de um Europeu dado, e que, por deliciosa ironia, treinou na primeira parte da época o Palmeiras, a quem Jorge Jesus roubou o primeiro lugar e se prepara para roubar o título de campeão brasileiro. Esse, já não escapa. Agora, é preciso que JJ desminta a sua tradição de perder todas as finais que ficam para a história.
2 Uma discreta notícia na edição de ontem deste jornal dava conta de que a SAD do FC Porto tinha comunicado à CMVM «um encaixe de 30 milhões de euros mediante nova emissão de obrigações pela Sagasta Finance que envolvem a cedência de receitas futuras dos direitos televisivos». Atentem na expressão «nova emissão» e atentem no que adiante dizia também o comunicado da SAD do FC Porto: «Em Janeiro poderão entrar nos cofres mais 20 milhões de euros resultantes deste operação.» Ou seja e descodificando: os gestores da SAD portista estão a alienar as receitas futuras do grande bolo de 550 milhões, com os quais dispunham de uma oportunidade única e irrepetível de matarem de vez o passivo do clube e recomeçarem tudo com o contador a zeros. Já o fizeram antes e voltam a fazê-lo agora. Quantas vezes é que o fizeram e quanto dinheiro é que resta desse bolo, isso é que não sei nem creio que eles se atrevam a dizer. Sei é que, vendendo antecipadamente o seu crédito a uma empresa financeira, não apenas estão a antecipar receitas como também estão a perder dinheiro - visto que vão ter de pagar juros a essa empresa que lhes adianta agora o dinheiro, e pagar ainda os custos financeiros da operação. E sei que isto é feito sem que se saiba ou explique para quê ou porquê, que motivos súbitos ou imprevistos levam a este aperto. O que leva a concluir que se trata apenas de dificuldades de gestão corrente: um orçamento demasiado optimista ou mal elaborado, ou uma execução a fugir de controle, como é habitual.
Não sei se os sócios portistas ou da SAD, que nunca são consultados nestas ocasiões, como deviam, se dão conta da gravidade disto. O que a SAD está a fazer é a comprometer todo o futuro do clube, visto que as receitas televisivas são, a par das da Liga dos Campeões e da venda de jogadores, a garantia da viabilidade económica de todo o negócio - o resto, a bilheteira e as quotizações, pouco contam, e o merchandising, o naming do estádio e o patrocínio, pura e simplesmente, não existem. Mas, enquanto que as receitas da Champions e da venda de jogadores são, por natureza, incertas, as dos direitos televisivos são certas, contabilizadas por antecipação e estavam garantidas por contrato para vários anos. Faltando estas, porque foram entretanto gastas na gestão corrente, vai ser forçoso vender jogadores ao desbarato - provavelmente já no final desta época. Isso permitirá sobreviver mais um ano, mas será que no ano seguinte teremos equipa para ir à Champions? Como evitar a espiral negativa - falta de jogadores - falta de resultados - falta de receitas desportivas - falta de patrocinadores - falta de direitos televisivos? Há algum plano alternativo a médio prazo ou trata-se apenas de sobreviver até à próxima recondução eleitoral e depois logo se vê? Há alguém que tenha coragem de se chegar à frente e explicar como está a situação financeira e patrimonial do FC Porto e como vai ser o seu futuro a médio e longo prazo? E há alguém lá dentro que tenha coragem de o perguntar?
3 Eu bem sei que a Lituânia é mesmo fraquinha, mas foi bem agradável ver um Portugal todo de tracção à frente, sem ninguém ali a jogar para trás e para os lados. Estou farto, fartíssimo, do futebol para trás e para os lados, que tomou conta dos relvados domésticos. E, afinal de contas, não só marcámos seis, como defendemos primorosamente, acima e em cima deles. E, quanto mais acima defendíamos, mais atacávamos. É disto que o povo gosta.
Já no Luxemburgo, é verdade que havia um batatal para jogar, mas também voltámos aos caldos de galinha e as coisas até podiam muito bem ter corrido mal não fosse aquele momento de puro talento saído dos pés da dupla Bernardo Silva-Bruno Fernandes. Ronaldo lá marcou mais um, maldosamente roubado a Diogo Jota, e a caminho do estratosférico 100º golo pela Selecção e do ainda mais estratosférico 110º, que finalmente lhe dará a paz que ele tanto merece. Repito o que já escrevi: temos uma grande Selecção, um conjunto de jogadores como há muito não tínhamos e com soluções para todas as posições (magnífica a redescoberta de Gonçalo Paciência, em versão alemã), e, francamente, não temos razões para temer ninguém. Penso que a definição de Fernando Santos está correctíssima: no Europeu, não somos favoritos, mas somos candidatos. É essa a atitude certa.