Villas-Boas: «Sentia que ser presidente do FC Porto era o meu destino»
André Villas-Boas falou abertamente sobre o presente e o futuro do FC Porto durante um evento da Columbia Business School - onde tirou uma pós-graduação em Gestão Executiva, em 2023 -, realizado em junho no âmbito do Mundial de Clubes, e cuja conversa foi agora divulgada. O presidente dos dragões abordou a sua eleição, a reestruturação em curso e a intenção de limitar mandatos presidenciais no clube.
«Tinha uma espécie de sensação de destino de ser presidente do clube da minha cidade, o FC Porto. Decidi ir a eleições contra um presidente fantástico, Pinto da Costa. Esteve lá por 41 anos e eu ganhei as eleições. Grandes responsabilidades, muitas, mas estamos a tentar levar o clube em frente, não só em termos desportivos, mas também a nível financeiro, estrutural e operacional. Esperamos dar os passos certos para termos ainda mais sucesso nos próximos anos», afirmou Villas-Boas, que destacou a herança pesada deixada por Pinto da Costa, mas também a necessidade de modernizar o clube e resolver os problemas financeiros.
«Foi um período muito sensível no clube. Estamos a falar de uma pessoa que transformou o clube e que fez do FC Porto o que é neste momento. Vencemos duas UEFA Champions League, duas Taças UEFA e um número incrível de troféus, não só no futebol, mas também nas modalidades. Somos um clube eclético. Mas senti que era tempo de impulsionarmos o clube, que estava num estado de ruína financeira. Senti que era tempo de modernizar o clube, levá-lo a outro nível e continuar a expansão internacional, ganhando títulos claro, com uma equipa competitiva. O FC Porto não é campeão nacional há três anos e estamos ainda a apanhar as peças, a tentar construir uma equipa mais forte para a nova época.»
«Algumas das operações que fizemos salvaram o clube»
O dirigente sublinhou ainda a recuperação financeira recente: «Finalmente temos as condições financeiras para investir no mercado, porque conseguimos resolver a maior parte dos problemas financeiros. Algumas das operações que fizemos salvaram o clube e mantiveram-no como clube de sócios. Caso contrário, provavelmente teria sido vendido a um fundo de investimento ou a um fundo privado.»
Por fim, revelou também a intenção de introduzir uma limitação de mandatos no clube: «Somos um clube de sócios, que elegem o presidente de quatro em quatro anos. Não temos limite de mandatos, para que isso acontecesse teríamos de levar o tema a Assembleia Geral e mudar os estatutos do clube. É algo que queremos fazer para definir um limite de três mandatos, ou seja, uma presidência de 12 anos. É algo que segue as práticas comuns em qualquer ambiente político saudável. É um desafio que temos e, para que aconteça, tem de ser aprovado em AG. Alterar os estatutos do clube é sempre algo sensível.»
Situação financeira do FC Porto
«Situação financeira do FC Porto: “Foi um período muito difícil [quando chegámos]. Quando tomámos posse, havia oito mil euros em todas as contas do FC Porto. Tínhamos duas semanas para pagar 12 milhões de euros e conseguimos amealhar 15 M€ através de um empréstimo. As pessoas emprestaram dinheiro num empréstimo a seis meses, com taxa de juro de 5% até ao final do ano. Salvaram as nossas operações e permitiram-nos investir um pouco na equipa. Depois, via JP Morgan, concluímos a operação Dragon Notes e angariámos 115 M€, baseado nas receitas do estádio. Criámos a Porto Stadco, que basicamente engloba todo o valor comercial do clube e ativos do estádio. Angariámos 115 M€ aí para os próximos 25 anos a 5%. E vendemos 30% dessa empresa por 60 M€. Em 12 meses, angariámos 200 M€ em transferências de jogadores, portanto desinvestimos na equipa – e por isso terminámos em terceiro lugar -, mas salvámos o clube da bancarrota total. Demos satisfações a estes senhores [responsáveis pelo controlo financeiro presentes na plateia] e demos razões para acreditarem na credibilidade da nossa equipa. O FC Porto estava sob ameaça de suspensão das provas da UEFA, porque não conseguiu atingir o breakeven e teve resultados negativos ao longo dos anos e estamos a um ano de sair dessa ameaça de suspensão. Estabilizámos as operações. O que temos de fazer? Investirmos em novas infraestruturas para continuarmos a desenvolver jovens jogadores, que, no fim de contas, será sempre o nosso mercado principal. Há 90 M€ em dívida a agentes, via comissões, que temos de saldar. Encontrámos estabilidade e vamos continuar a saldar esta dívida ao longo do tempo, de forma a tentar trazê-la para 250 M€, que me parece um valor aceitável, que operacionalmente poderá dar-nos condições de operar»
Clube de sócios e plano de expansão
«Como somos um clube de sócios, acabamos sempre por ir à 'carteira das pessoas'. Somos um clube 'político' e há resistência dos sócios quando aumentas a quota que têm de pagar mensalmente. É um desafio comercial, em que temos de medir o impacto político das decisões, como aumentar, por exemplo, o preço dos lugares anuais. No fim de contas, eles são os teus clientes e tens de aumentar a receita, mas há essa resistência. A outra parte é a internacionalização da marca, tocar nos emigrantes portugueses que, por exemplo, estão em Nova Iorque e ter a certeza de que encurtamos a distância que existe, que asseguramos que continuam a ser portistas 75% dos nossos sócios estão na região do Porto e temos de conseguir mais sócios pelo Mundo fora. É a estratégia que queremos implementar. O Michele [Montesi] desenhou um plano estratégico para cinco anos que nos permita continuar a crescer à escala mundial»
Equilibrar finanças com sucesso desportivo
«A tolerância é zero, estamos sempre sob muita pressão, também por causa do nosso passado. O FC Porto é um clube histórico, ganhou muitas provas internacionais com o anterior presidente e esse peso, esse 'fantasma', anda sempre nos cantos do estádio. [risos] Os adeptos colocam-nos sob pressão no que toca a resultados. Usámos este último ano para salvar o clube, mas agora estamos finalmente na posição de investir, não só em infraestruturas, mas também na equipa, tendo presente que temos de ter resultados e dar títulos aos adeptos. É uma situação que não se compara com a dos clubes do meio da tabela da Premier League, que funcionam como veículo financeiro... Para nós, para o Real Madrid, Barcelona, Benfica ou Sporting, há essa pressão tremenda para mostrar resultados desportivos. Então, há que investir na equipa com esse objetivo. Quando as coisas não correm bem, podes fazer apenas um mandato de quatro anos... Se correr bem, as pessoas veem o progresso e sustentam a tua liderança por mais tempo. É o contexto delicado de liderar um clube de associados»
Expansão internacional para ter mais adeptos
«Para que o FC Porto se estabeleça nos EUA, por exemplo, precisamos da adesão emocional das pessoas, que o nosso clube não tem atualmente. A única coisa que podemos fazer, em condições normais e que estamos a tentar fazer, é tentar recolher os dados de turistas que visitam o nosso estádio e visitam o Porto, para que, ao longo do tempo, continuem ligados ao FC Porto e se tornem nosso adeptos. Queremos fazer isso também nos estatutos do clube, queremos criar novos tipos de sócio, em que não tens direito de voto, mas possas ser um adepto gold, silver ou platinum. A partir daí, talvez possamos criar uma ligação emocional ao clube.”Como lida com o fracasso? “Eu castigo-me muito pelo fracasso. Aliás, foi o que me fez reinventar e adaptar-me a diferentes culturas. Tive muito sucesso como treinador do FC Porto, mudei-me para o Chelsea e falhei lá, por diferentes motivos. Pelos resultados, mas também pela forma como tentei aplicar a minha liderança e os meus métodos. Readaptei-me a partir do impacto negativo dessa experiência. Há um grande impacto na minha família, em temas pessoais. Tentas ganhar alguma imunidade, mas eu sofro muito. Tento é usar isso como uma forma de melhorar. Serve de experiência. Em Portugal, tudo o que seja estar fora do primeiro lugar significa fracasso. O Benfica e o FC Porto falharam esta época, por exemplo»
Como lida com o fracasso?
«Eu castigo-me muito pelo fracasso. Aliás, foi o que me fez reinventar e adaptar-me a diferentes culturas. Tive muito sucesso como treinador do FC Porto, mudei-me para o Chelsea e falhei lá, por diferentes motivos. Pelos resultados, mas também pela forma como tentei aplicar a minha liderança e os meus métodos. Readaptei-me a partir do impacto negativo dessa experiência. Há um grande impacto na minha família, em temas pessoais. Tentas ganhar alguma imunidade, mas eu sofro muito. Tento é usar isso como uma forma de melhorar. Serve de experiência. Em Portugal, tudo o que seja estar fora do primeiro lugar significa fracasso. O Benfica e o FC Porto falharam esta época, por exemplo»