Gonçalo Inácio foi um dos quatro portugueses do Sporting que jogou de início no dérbi — Foto: Imago
Gonçalo Inácio foi um dos quatro portugueses do Sporting que jogou de início no dérbi — Foto: Imago

Quotas para jogadores formados em Portugal? Sim, por favor

Verde à Vista é o espaço de opinião semanal de Carmen Garcia, enfermeira, sportinguista, autora do blogue 'Mãe Imperfeita'

Na sexta-feira passada, os miúdos acordaram a falar do jogo. Na véspera, ao serão, tinham estado a pintar cartazes de apoio ao Sporting e a ver vídeos com os golos de dérbis antigos. Para ajudar a criar o espírito certo, conversei com eles sobre o mítico 7-1, falei-lhes dos cinco violinos, de Manuel Fernandes, de Iordanov e até de László Boloni ('je suis tres content parce que'). Quando chegou a hora de irem para a cama, o João pediu que cada um de nós fizesse uma previsão do resultado. A deles, cheia de fé, atirou bastante ao lado. A minha, mais racional, revelou-se certeira.

Mas voltando ao dia do jogo, vocês nem imaginam a excitação com que os miúdos andaram todo o dia. E como estas coisas acabam por ser contagiosas, até eu dei por mim num frenesim, a despachar o banho da bebé mais cedo do que o habitual, para conseguir estar no sofá sem mais preocupações uns minutos antes do apito inicial.

E depois sabem o que aconteceu? Dei por mim a pensar que, de facto, a expectativa é a mãe de todas as desilusões. Porque Deus nos ajude se o jogo não foi do mais pobrezinho que me lembro de ver entre as duas equipas. «Ah, mas pelo menos houve dois golos», dirão alguns. E sim, houve, de facto. Acontece que mesmo os golos foram um espelho do que se passava em campo e, portanto, ambos umas autênticas misérias. E às páginas tantas, com o entusiasmo quase morto — e só não digo totalmente porque, nestas coisas, há sempre uma esperança que nos faz resistir —, acabei por me ir focando noutros aspectos do encontro como, por exemplo, o número de jogadores portugueses em campo.

Do lado dos da casa, no onze inicial, apenas António Silva. Entraria depois em campo, já ao cair do pano, Manu Silva. E isto, note-se porque será relevante mais à frente nesta crónica, na equipa que tem nove jogadores na Seleção Nacional de sub-17 que ainda agora se sagrou campeã do Mundo. Do lado do Sporting, as contas foram melhores: com Rui Silva, Gonçalo Inácio, Francisco Trincão e Pedro Gonçalves no onze inicial, entraram ainda em jogo João Simões e Giovanni Quenda, o que perfaz um total de seis jogadores portugueses utilizados.

E ao ver estes números e os de outros jogos que, entretanto, fui analisar, confesso ter alguma dificuldade em perceber porque é que não começamos definitivamente a adoptar estratégias que protejam os jogadores portugueses e o investimento na formação.

Reparem, a criação de uma quota mínima de jogadores portugueses ou formados em Portugal seria altamente positiva, em distintas áreas, para os clubes, para os jogadores e para a Federação. Para os clubes porque, apostando mais em jogadores formados localmente, as despesas com contratações tenderiam necessariamente a diminuir. Além disso, e olhando já pelo prisma dos jogadores, com mais visibilidade e tempo de jogo estes acabariam por ter também mais oportunidades para se valorizarem e, assim, chegarem ao mais alto nível — o que, porque tudo está interligado, aumentaria também os rendimentos dos clubes portugueses em transferências futuras.

Já para a Federação, esta medida seria vantajosa porque criaria uma base de recrutamento mais sólida e alargada para as seleções: mais jogadores portugueses a jogarem de forma regular seriam sinónimo de aumento da quantidade de opções para os selecionadores (e talvez até da qualidade porque, criando-se um ambiente mais competitivo do ponto de vista interno, certamente elevar-se-ia também o nível técnico e tático dos atletas).

Um bom modelo que podíamos replicar para a nossa realidade é aquele que já acontece em Inglaterra e que determina que todas as equipas da Premier League têm de ter uma quota mínima de oito homegrown players por cada vinte e cinco jogadores. E o que são estes homegrown players? São nada mais nada menos do que jogadores formados num clube de Inglaterra ou do País de Gales, por um período mínimo de três anos, no período compreendido entre os quinze e os vinte e um anos de vida. E não, esta medida não é discriminatória — até porque os homegrown players são definidos por formação e não por nacionalidade —, é, antes, uma medida altamente protetora da formação e um garante de que os clubes não deixam de investir em jovens com potencial e talento.

Em Portugal, sabemos bem, demasiadas vezes os clubes optam por comprar jogadores formados noutros países, que já cá chegam feitos, em detrimento de apostarem nos talentos da sua formação. E isto é uma pena e faz com que, em demasiados casos, nunca cheguemos a conhecer completamente o potencial de alguns jogadores: os clubes acabam por desistir deles porque é mais fácil ir buscar lá fora alguém já pronto para o lugar.

Permitam-me, contudo, lembrar que esta estratégia dos clubes não é propriamente isenta de custos. Creio que não existirão esses dados listados para consulta, mas gostava mesmo de saber quanto é que os clubes portugueses já gastaram em jogadores estrangeiros que depois se revelaram um flop, tendo alguns com mais qualidade e potencial na sua formação. Eu, só assim de cabeça, consigo dar um exemplo paradigmático de contratação milionária falhada, com melhores opções dentro de casa, para cada um dos três grandes: David Carmo, por quem o FC Porto pagou €20 milhões, Raúl de Tomás, por quem o Benfica pagou €20,8 milhões, e Pongolle, por quem o Sporting pagou €6,5.

Mas voltando agora ao caso que abordei no início da crónica, pego novamente no exemplo da Seleção de sub-17 para dizer que quero ver quantos daqueles nove miúdos da formação do Benfica vão chegar à equipa A do clube nos próximos anos e contribuir para lhe dar campeonatos. Porque, e já uma vez escrevi isto neste jornal, de nada interessa gabarmo-nos de ter a melhor formação do mundo se, depois, os talentos que formamos ou são tão desaproveitados que caem no esquecimento ou vão enriquecer clubes estrangeiros antes de contribuírem efetivamente para conquistas reais no sítio onde foram formados.

Antes de terminar esta crónica, deixem-me fazer uma ressalva: defender uma quota mínima de jogadores portugueses ou formados em Portugal não está em nada relacionado com sentimentos de desvalorização de atletas estrangeiros. O futebol português, felizmente, sempre teve e continuará a ter espaço para a diversidade. Mas aqui, na questão da quota que defendo, o que está em causa é a necessidade de garantir condições justas para que o talento nacional, formado nos nossos clubes e academias, possa ter uma verdadeira oportunidade de crescer e competir. Promover o jogador português não é excluir ninguém. É simplesmente fortalecer o futuro.

No pódio
A Seleção Nacional feminina de futsal sagrou-se vice-campeã mundial, após derrota por três-zero com o Brasil, na primeira edição do FIFA Futsal Women's World Cup. Com uma estreia a golear por 10-0 e um pleno de vitórias na fase de grupos, foi notória a ambição das jogadoras portuguesas desde o primeiro minuto. No caminho até à final, a Seleção derrotou ainda a Itália e a Argentina, tendo realizado um percurso absolutamente brilhante e que nos enche a todos de orgulho. Parabéns, miúdas!
Na bancada
Elie Katoa, jogador de rugby, foi o centro das atenções quando, a 2 de Novembro, durante as Pacific Championships, após três golpes na cabeça, começou a convulsivar no banco. Tendo sido transferido para o hospital, foi-lhe diagnosticada uma hemorragia cerebral que o impedirá de voltar a jogar durante, pelo menos, todo o ano de 2026. Na bancada não sento, obviamente, o jogador, mas os médicos da equipa, que, soube-se esta semana, foram negligentes logo após o primeiro golpe e não seguiram os protocolos definidos para lesões de cabeça/concussões. Serão agora, e muito bem, suspensos pela National Rugby League durante dois anos.