Opinião quinzenal de João Caiado Guerreiro, advogado

Estará Gyokeres em incumprimento face à lei?

Direito ao Golo é um espaço de opinião quinzenal do advogado João Caiado Guerreiro

Gyokeres deixou o Sporting após a festa de comemoração da vitória na Taça de Portugal. Fê-lo, pelo menos, na sua cabeça e aquando do regresso da equipa aos trabalhos de pré-época simplesmente não apareceu. Demore mais umas horas, dias, ou semanas, o Sporting deverá vender o seu passe. E, tudo indica, fá-lo-á por bom preço, porque Frederico Varandas parece intransigente.

Já o avançado sueco esteve mal. Fez muito pelo Sporting, verdade, mas também o clube fez muito por ele, logo devia ter outro comportamento. Hjulmand, que segundo um jornal italiano também quer sair, está no Algarve a treinar, como se nada se passasse. É capitão, é admirado, será improvável vê-lo seguir o comportamento do colega.

Falemos então da lei: o que Gyokeres cometeu, ao faltar ao trabalho 5 dias seguidos, sem justificação, é justa causa de despedimento. Diz o art.º 351, nº 1, do Código do Trabalho «constitui justa causa de despedimento (…)», alínea g): «Faltas não justificadas ao trabalho (…) cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou 10 interpoladas.»

O Sporting podia interpor um processo disciplinar ao jogador e despedi-lo. E pode certamente, se o contrato de trabalho desportivo de Gyokeres ou o Regulamento do Sporting o preverem, aplicar ao jogador multas pesadas e outras penas. Mas o presidente Varandas não foi por aí e fez bem. Os jogadores de futebol não são apenas trabalhadores, são ativos financeiros dos clubes: têm uma clausula de rescisão que permite aos clubes vendê-los. No caso do sueco seriam 100 milhões, com a promessa de ser vendido por um valor mais baixo e, pelas notícias, vai acabar nos 75/80 milhões de euros. É, na verdade, muito dinheiro. Varandas sabe que, no limite, tem de se entender com o atleta. Se tal não acontecer, e o jogador ficar e em vez de 59 golos marcar 25 por época, valerá muito menos. Bem, 25 golos é um número muito bom para qualquer jogador. Mas Gyokeres não é um qualquer jogador.

As cláusulas de rescisão, e voltaremos ao tema, têm de ser proporcionais ao salário do trabalhador. O art.º 25, da Lei do Contrato de Trabalho Desportivo, diz que «se o montante for manifestamente excessivo» este pode ser reduzido. Ora, que o valor destas clausulas é excessivo ninguém tem dúvidas: se Gyokeres ganha dois milhões por ano, então teria de trabalhar 50 anos só para pagar a clausula. Isto é servidão, não é liberdade de trabalho. E felizmente, a servidão foi abolida há muito.

Também Francisco Conceição, para ir para a Juventus, teve de renunciar a receber seis milhões, correspondentes a 20% do seu passe. O jogador optou inteligentemente pela sua carreira. Mas o assunto não está encerrado: este crédito laboral é provavelmente irrenunciável e poderá ser reclamado - art.º 337 do Código de Trabalho: «O crédito trabalhador (…) emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano (…)». Vamos esperar para ver se este assunto está mesmo encerrado. Acredita, caro leitor?

Direito ao Golo

O Direito ao Golo vai para João Almeida: o ciclista português venceu três provas do World Tour este ano e, até cair, estava a fazer uma magnifica volta a França. Parabéns!