Tanto de Sporting e Benfica entre rivais do Barreiro
Uma cidade, dois clubes, uma rivalidade sem divisão. Mesmo que tenham passado mais de 45 anos desde que entraram em campo na da Primeira Divisão pela última vez, Fabril e Barreirense continuam a lutar pelo direito a ser considerado o clube do Barreiro. A rivalidade já não ferve como antigamente, mas reanima-se cada vez que as duas equipas se defrontam. E este domingo é dia de dérbi do Barreiro.
Após duas décadas em que os dois maiores representantes do futebol sénior no Barreiro alternaram participações nos escalões profissionais, esta época, Fabril e Barreirense correm contra o tempo para não cair para os distritais.
A cinco jornadas do fim da Série D do Campeonato de Portugal, o Fabril, 12.º classificado com 18 pontos, a quatro da salvação, vai receber o Barreirense, que está um lugar abaixo com menos um ponto. O palco de um autêntico duelo de aflitos será o Estádio Alfredo da Silva, um dos maiores motivos de orgulho do clube verde e branco, proprietário do recinto desde 2022.
Dérbi eterno na máquina do tempo com relva
As bancadas em pedra, sem cadeiras, e os camarotes em madeira, transportam-nos para um futebol cada vez mais longínquo, preservado na memória de quem viu Manuel Fernandes dar os primeiros passos como sénior no Barreiro antes de rumar a Alvalade e rejubilou com uma vitória surpreendente frente ao Milan (2-0), na primeira participação europeia do clube, em 1965/1966.
Dos holofotes do futebol de elite até à luta pela sobrevivência nos campeonatos nacionais, o Alfredo da Silva permaneceu como um pano de fundo de luxo da história desportiva do Fabril cujos funcionários esforçam-se diariamente para manter as instalações de pé, por amor ao clube.
A tempestade da última semana precipitada pelo encerramento por decisão judicial de três campos de relva sintética e natural e do Pavilhão Vitor Domingues colocou um ponto de interrogação no futuro do Futebol de formação e restantes modalidades oferecidas pelo clube aos jovens da região.
É aquele jogo que todos querem jogar
Fábio Marinheiro, um dos pilares do plantel verde e branco, defende que a situação podia ser discutida no final da temporada, mas rejeita que possa influenciar o rendimento da equipa: «Falámos disso entre nós e chegámos à conclusão que acaba por não ter influência no nosso dia-a-dia, nem naquilo que é a preparação para os jogos. É sempre mau o clube estar associado a uma notícia desse género.»
O defesa central de 36 anos vinca a vontade que tem de disputar o dérbi contra o eterno rival, depois de ter falhado o encontro da primeira volta: «É aquele jogo que todos querem jogar, independentemente de serem ou não do Barreiro. Considero que seja um jogo diferente, sempre com mais gente nas bancadas. Nota-se a diferença no dia-a-dia na semana referente ao jogo.»
Apesar de Fabril e Barreirense chegarem ao dérbi na melhor forma da temporada, as duas equipas continuam abaixo da linha de água. Marinheiro recusa rotular o dérbi de jogo da época, mas admite que o resultado pode influenciar o destino das duas equipas no final da época: «Não digo que seja um jogo de vida ou morte, mas pode dizer muito sobre a possibilidade dos clubes de descer ou não. É extremamente importante.»
Após ter-se destacado pelo Fabril em 2012/2013, Fábio Marinheiro saltou para a Segunda Liga que disputou ao serviço do Atlético e do Olhanense, rumou ao Algarve (Olhanense) e à Beira Baixa (Benfica de Castelo Branco), antes de se fixar na região de Lisboa a partir de 2017, impulsionado pelo desejo de estar mais perto da família.
Vermelho e branco resiste com sotaque nortenho
Fundado em 1911 e com apenas mais uma participação na Primeira Divisão (24) do que o rival (23) o Barreirense tinha como maior símbolo um recinto imponente, localizado mesmo no centro da cidade com tradição operária. O Estádio Dom Manuel de Mello viu nascer grandes estrelas que conquistariam o país, a maioria delas vestidos de vermelho e branco.
José Augusto foi um dos primeiros, ao saltar da formação do Barreirense para a equipa principal durante quatro temporadas, antes de se sagrar campeão europeu pelo Benfica em 1960/1961 e 1961/1962 e imortalizar-se na história do futebol português.
Vinte anos depois, o Benfica voltou a pescar um extremo irrequieto no Barreiro, de seu nome Fernando Chalana que nunca se estreou pela equipa principal do Barreirense. Quando o melhor ambidestro do futebol nacional chega ao Estádio da Luz, encontra Manuel Galrinho Bento, que, antes de fazer história na baliza encarnada durante praticamente duas décadas, defendeu o vermelho e branco barreirense nas primeiras quatro temporadas e meia da carreira sénior.
Nos livros da ligação entre Barreiro e Lisboa, o capítulo mais interessante pertence a Carlos Manuel. A temporada de estreia do médio como sénior coincidiu com a última época da CUF na Primeira Divisão. Após dois anos de verde e branco, o médio transferiu-se diretamente para o rival da cidade que iria iniciar a última temporada no convívio dos grandes.
A queda do poder industrial da região de Setúbal no pós-25 de abril, ajuda a explicar a quebra de rendimento, tanto do Fabril como do Barreirense. Apesar de ainda ter militado na Segunda Divisão e revelado nomes como Edinho, Paulo Lopes ou Paulo Fonseca no Século XXI, o clube vermelho e branco sofreu um duro golpe em 2007, quando o D. Manuel de Mello foi demolido para dar lugar a um centro comercial.
Mister, pode perder os jogos todos, mas este não!
Sem casa, a equipa de futebol mudou-se de armas e bagagens para o modesto Campo da Verderena com apenas uma bancada e contentores transformados em instalações. Mais de dez anos depois, o estádio continua a albergar os treinos e jogos em casa das principais equipas de formação do clube, bem como da equipa sénior.
É precisamente no Estádio à beira do Tejo que é possível encontrar Paulo Menezes em mais um treino de preparação para o grande dérbi. Aos 25 anos, o antigo treinador dos juniores do Paços de Ferreira deixou o Norte do País e uma carreira estável na advocacia para assumir o comando técnico de uma equipa a 300 quilómetros de distância, já eliminada da Taça de Portugal e que somava dois pontos nos primeiros cinco jogos do Campeonato.
Para o jovem técnico, pesou a vontade de mudar de ares, de demonstrar que a idade não tem correlação com a competência e um um conselho do «mentor» Paulo Fonseca, natural da cidade da Margem Sul e antigo jogador do Barreirense. Os dois mantêm uma relação estreita desde que o atual treinador do Lyon comandava o Paços de Ferreira, clube presidido pelo pai de Paulo Menezes.
Quis o destino que a primeira vitória do técnico de 25 anos acontecesse, ao quarto jogo, frente ao Fabril, disputado no campo da Verderena. Guilherme Desembargador decidiu uma partida marcada por três expulsões e por uma grande moldura humano.
Paulo arrepia-se ao falar do momento em que começou a perceber a dimensão da rivalidade entre os dois clubes: « Eu senti a importância do dérbi durante a semana. Quando eu ia jantar ao restaurante, todas as pessoas reconheciam-me e abordavam-me, eu senti que estava no maior clube do país, Toda a gente me dizia: "Mister, pode perder os jogos todos, mas este não."»
«Estamos a falar de dois clubes históricos, com mais de 100 anos. É uma honra indescritível estar neste jogo», frisou Paulo, que já só pensa no rival deste domingo.
Ainda assim, o jovem técnico recusa que o dérbi seja decisivo para as contas da manutenção: «Temos completa noção que é fundamental ganhar. Se lhe vamos chamar uma final não, não sei, mas nós só queremos os três pontos, e o empate vai ser uma derrota. Se nós conseguirmos a manutenção este ano, para mim é um dos maiores feitos do clube nos últimos anos, não tenho a mínima dúvida.»
Além da desvantagem pontual para a a zona de manutenção que herdou, o técnico de 25 anos vinca outras dificuldades inerentes à génese do futebol amador, muitas vezes conciliado com a vida laboral dos atletas e funcionários. Apesar do choque em relação à realidade a que estava habituado nos sub-19, Paulo Menezes deixa o lema adotado pela equipa que comanda: «Não venhas com problemas, traz-me soluções».
Convidado a fazer um prognóstico para o dérbi, Paulo Menezes deixa vários desejos: « Quero estar tão feliz como fiquei no jogo da primeira volta. Podia provocar um bocadinho e dizer que pode ser que se prove que no final do jogo que o Barreiro é vermelho e branco. Que seja um grande jogo com um grande ambiente, mas que nunca estravaze o que deve ser a beleza deste dérbi.»
Separados pelas cores, unidos pela luta pela sobrevivência característica do futebol amador, Fabril e Barreirense jogam no Alfredo da Silva pela manutenção nos escalões nacionais no e pela celebração de um passado que fez do Barreiro uma das capitais desportivas do país.