«Não vou fazer de Espanha um país sem racistas. Mas sei que posso mudar algumas coisas»
O jogo em Valência em maio da época passada marcou Vini Júnior

«Não vou fazer de Espanha um país sem racistas. Mas sei que posso mudar algumas coisas»

INTERNACIONAL13.10.202319:58

Vinícius Júnior abriu o livro em entrevista ao L' Équipe, centrada na discriminação de que é alvo por causa do tom da pele. Ainda o Valência-Real Madrid e as acusações ao Mestalla

O jogador do Real Madrid concedeu extensa entrevista ao diário francês que teve como pano de fundo a luta que o internacional brasileiro trava contra o racismo no futebol, em Espanha e não só.

Na memória de todos ainda está, entre muitos outros casos, o sucedido em Valência no jogo da segunda volta da época passada, quando parte do estádio Mestalla dirigiu insultos racistas ao extremo merengue, que fez parar o jogo e muita tinta fez correr, numa polémica que foi parar à barra dos tribunais.

Vinícius Júnior não encara o tema de ânimo leve e confessa meses depois que o viveu em Valência em maio foi difícil.

«Aconteceu em muitas ocasiões, e em Valência de uma forma flagrante. Senti muita tristeza. Se estou no chão, é para fazer as pessoas felizes. E um grupo, que eu sei que é minoria, pode afetar-te ao ponto de não pensares mais em jogar. Aprendi muito sobre racismo. A cada dia sei mais. É uma questão muito complexa. No passado, as pessoas sofreram escravidão. É algo que me interessa. Realmente espero que esses episódios não voltem a acontecer. Não só comigo, mas com todos os jogadores, com todos... E principalmente com crianças. Elas não estão preparadas para esse tipo de momento. Desde os 19 anos que me interesso pela questão do racismo. Sei um pouco mais como devo reagir. Fico feliz que as coisas estejam a mudar. As leis vão mudar e, nos estádios, acho que isso vai acontecer cada vez menos graças a isso. Falamos sobre isso entre nós. Muitos jogadores conversam comigo. Varane, Kylian (Mbappé), Hakimi, Lukaku... Devemos todos agir em conjunto para que este tipo de eventos ocorra com cada vez menos frequência», aponta Vini Júnior.

À altura, o internacional brasileiro também apontou o dedo a La Liga. E explicou agora por que o fez.

«Porque o que aconteceu em Valência foi na 35.ª jornada, mas em todos os jogos fora de casa disputados antes deste houve episódios de racismo. Nunca fizeram nada. Já tinha falado com a La Liga para dizer que isso tinha de mudar. Eles não me ouviram. Eles só me ouviram desde o momento em que o mundo inteiro começou a falar sobre a Espanha. Isso fê-los reagir. Pessoalmente, sei que não vou mudar a história, que não vou fazer de Espanha um país sem racistas, nem do mundo inteiro. Mas sei que posso mudar algumas coisas. Para que quem chegue ao futebol nos próximos anos não passe por isso, para que as crianças possam ter tranquilidade no futuro. Por elas, farei tudo o que puder», assegurou.

Vinícius sabe, todavia, que se ninguém juntar a voz à voz dele de pouco valerá o esforço, que tem de ser conjunto e envolver toda a gente.

«Se eu enfrentar o racismo sozinho, o sistema vai esmagar-me facilmente. Quando estamos todos juntos, quando pessoas importantes tocam no assunto, como o presidente do Brasil, como o presidente da UEFA, como Mbappé, como Neymar, grandes jogadores, como Rio Ferdinand, que sempre me escreve e que está comigo nessa luta, isso necessariamente tem mais peso», assentou.

«Só quero ter tranquilidade para jogar e saber que não vão insultar-me em campo porque sou negro. Que um espectador me insulte porque eu marquei, ok. Pode insultar-me sem me desrespeitar. Pode assobiar-me o jogo todo. Não me importo. Quando se trata de racismo, é outra coisa. Os asssobios fazem parte do jogo. Messi, Cristiano Ronaldo, Benzema, Neymar... Todos viveram isso. Adeptos de outras equipas a provocá-los, isso é normal. Eu também gosto, motiva-me para marcar-lhes golos. Mas quanto ao racismo... Não acredito num mundo sem racistas, mas devem tornar-se uma minoria. As gerações seguintes já não poderão pensar que é normal que assim seja. Quero um Mundo em que um pai transmita ao filho que ser racista é errado. Com o passar das gerações, seremos libertados. Não vamos acabar com o racismo, mas vamos torná-lo uma minoria», salientou.

A Bola de Ouro também foi tema na entrevista e Vinícius acredita que lá chegará.

«Mas a prioridade é a equipa. Como Karim [Benzema]. Deu todas as assistências ao Cristiano [Ronaldo] e foi sempre o Cristiano que ganhou o troféu. No final, acabou por vencê-lo. Se fizer 60 golos numa temporada, mas não ganharmos nada, não adianta. Como posso ganhar uma Bola de Ouro se no final a minha equipa não ganhou nada? Todos trabalhamos juntos. Um dia, como o Modric, como o Karim, um dos nossos será coroado. É um sonho», sublinhou, garantindo que outro é... voltar ao Flamengo.

«Podia ficar aqui [em Madrid] toda a carreira, mas o clube da minha vida é o Flamengo. Prometi ao meu pai que voltaria um dia. Tenho de cumprir essa promessa», revelou.