Vou comprar um quintal

OPINIÃO18.11.201800:44

Há frases que, com o tempo, vão perdendo fragmentos da sua originalidade. Dizem que foi Quinito quem exclamou o seguinte: «Se tivesse dinheiro, comprava o Pedro Barbosa e punha-o a jogar à bola no meu quintal.» Porém, há quem diga que foi Bill Shankly quem o disse, referindo-se ao então promissor Kevin Keegan. Tal como poderia ter sido Alf Ramsey a falar de Bobby Charlton. Ou Mário Zagallo a analisar Pelé. Ou Gerson. Ou Tostão. Ou Rivelino. Poderia também ter sido Rinus Michels a falar de Cruyff. Ou Helmut Schon a falar de Beckenbauer. Ou Telé Santana, em 1982, a falar de Zico, Sócrates, Falcão, Toninho Cerezzo e Júnior. Ou as 114.580 pessoas que estavam no Estádio Azteca a 22 de junho de 1986 a ver Diego Armando Maradona, com o sol a pino, a destroçar ingleses. Ou, ano após ano, semana após semana, dia após dia, hora após hora, minuto após minuto, segundo após segundo, milhões de catalães (e de todas as nacionalidades possíveis e imaginárias) a falarem de Lionel Andrés Messi Cuccittini.


Afrase também poderia ter sido pensada e exclamada, no centro de Buenos Aires (Córdoba... Rosario... La Plata... Santa Fé...) por um argentino velhinho que gostasse de comprar um quintal para lá colocar Don Alfredo Di Stéfano a trocar bolas. Um húngaro diria o mesmo sobre Ferenc Puskas. Os italianos falariam de Facchetti. Ou Roberto Baggio. Ou Luigi Riva. Ou Gianni Rivera. Talvez os franceses falassem de Michel Platini. Ou Zinedine Zidane. Os norte-irlandeses talvez preferissem ver George Best, não num quintal, mas a dar toques num pub e de copo na mão. Os espanhóis falariam de Xavi ou Iniesta. Os brasileiros (além de Pelé, Gerson, Tostão ou Rivelino) poderiam colocar Ronaldo, Ronaldinho, Rivaldo, Kaká ou Neymar num beco da praia de Copacabana, a trocar bolas com uma rede no meio.


MAS se há frases que vão mesmo perdendo fragmentos da sua originalidade com o passar dos anos, é necessário recuperá-las. É isso que farei a seguir. Esqueçam Quinito, Shankly, Ramsey, Zagallo, Michels, Schon, Santana, as 114.580 pessoas que estavam no Estádio Azteca a 22 de junho de 1986, os milhões de catalães (e de todas as nacionalidades possíveis e imaginárias), o argentino velhinho, o húngaro, os italianos, os franceses, os norte-irlandeses do pub, os espanhóis e os brasileiros do beco da praia de Copacabana. Concentrem-se apenas numa pessoa de duas letras: eu. Se fosse rico, comprava um quintal, os passes de João Félix e Diogo Jota e obrigava-os a repetir, dia após dia, semana após  semana, mês após mês, ano após ano, a jogada do golo de Portugal frente à Polónia.