Soco no estômago

OPINIÃO27.10.202003:00

No final do Sporting-FC Porto, e mais uma vez com presumíveis erros de arbitragem em cima da mesa, Frederico Varandas compareceu na sala de Imprensa, um espaço que deveria destinar-se, exclusivamente,  aos atores (treinadores e jogadores), para criticar o trabalho de Luís Godinho.

Centrou a sua indignação num lance de suposto penálti que segundo ele foi evidente, ficando por assinalar a favor da sua equipa, mas na opinião consensual dos especialistas na matéria o árbitro ajuizou com critério, socorrendo-me, a propósito, do texto que Duarte Gomes escreveu em A BOLA: «Zaidu encostou o braço nas costas de Pedro Gonçalves, em lance de intensidade que quanto a nós não foi suficiente para infringir (…). A indicação foi bem corrigida, embora a intervenção do VAR só esteja recomendada se o erro for claro e óbvio. Aqui houve sensatez para que se tomasse a melhor decisão.»

A sensatez que a equipa de arbitragem revelou terá faltado ao presidente leonino naquela reação apressada e que o fragilizou, desnecessariamente, por verberar acerca de uma situação que, não sendo clara e óbvia,  dispensava tamanho aparato. Admito que, por qualquer motivo que me escapa, fosse importante uma posição pública, mas, neste caso concreto, avançaria uma segunda figura, ou terceira. Até porque o próprio treinador do Sporting já havia abordado o tema e transposto o problema com sábia intervenção.

Varandas precipitou-se na atitude que tomou, por impulso ou por sugestão amiga pouco recomendável, não se sabe, na medida em que só reforçou a razão daqueles que veem nele um líder com pouco jeito e não lhe dão sossego. Serão poucos, mas barulhentos e com indisfarçável organização. Incomodam.

Estou de acordo com a opinião de Carlos Barbosa da Cruz, que leio regularmente com interesse. Pinto da Costa não é como o vinho do Porto, porque não melhora com a idade, mas também me parece irrecusável que se mantém um perito em manobras de diversão com a habilidade que o define, sobretudo na antecipação de quadros de mau tempo para as suas cores:  previu a derrota em Manchester, como se confirmou, e a probabilidade de cair no terceiro lugar, abaixo do Sporting, se este vencer amanhã o Gil Vicente.

Foi quanto bastou para o presidente portista, a propósito de nada, alvejar os rivais da capital com a ironia que continua a esgrimir como só ele é capaz e a alvejar quem se lhe opõe, embora com indisfarçáveis sinais de desgaste e, convenhamos, cada vez com menos piadinha.

O Benfica ignorou, mas Frederico Varandas, amadurecido o assunto, respondeu a Pinto da Costa com uma violência nunca antes vista. Se calhar excedeu-se e alinhou por baixo, mas às vezes é preciso descer ao nível do oponente e olhá-lo na cara porque, como ensina a sabedoria popular, quem não se sente não é filho de boa gente.

Não adivinho as próximas cenas, mas penso que se vai seguir  o silêncio. Do lado de Pinto da Costa não se espera reação, porque desta vez a pancada foi forte, uma espécie de soco no estômago que o deixou sem ar. 

Do lado de Frederico Varandas, o que disse está dito, arrostando as consequências, na convicção de ter colocado no devido lugar uma figura com grande sentido de humor, culturalmente acima da média e com um currículo cheio de vitórias, como reconheceu, mas também com uma capacidade espantosa de dividir para reinar, acrescento eu, e foi esse equilibrismo que lhe permitiu alimentar a desavença entre os parceiros de ofício, a começar pela classe  dirigente dos emblemas da Segunda Circular, e manter-se na crista da onda durante tantos anos.

João Rocha combateu essa estratégia com força por perceber o que se escondia por detrás dela, mas  foi uma luta solitária que muito o desgastou e que em outubro de 1986, alegando motivos de saúde, o levou a  abandonar a presidência do clube.  Faz agora 34 anos. Desde então, o Sporting  só conquistou dois campeonatos (2000 e 2002).  No exercício dele, entre 1973 e 1986,  venceu três. Nesse mesmo período o Benfica ganhou seis e o FC Porto quatro.

Pinto da Costa chegou  à presidência portista  em abril de 1982 e à data era o seguinte o ranking dos campeonatos nacionais: Benfica, 24 títulos; Sporting, 16; FC Porto, 7; Belenenses, 1. Para crescer, o novo líder do dragão precisava que os grandes de Lisboa tivessem  uma relação de má vizinhança, que ele promoveu e explorou. Começou por se aliar a Fernando Martins, para deixar o Sporting para trás, e acabou por se encostar a Bruno de Carvalho, para minar o Benfica por dentro.

João Rocha combateu com todas as forças esse esquema, por isso Pinto da Costa o temeu. Pode ser que Frederico Varandas queira retomar a sua cruzada e acertar contas com a história.