Sétien e a rainha

OPINIÃO18.01.202003:00

DUAS coisas se salientaram no noticiário que ao longo da semana deu conta da contratação do espanhol Quique Sétien para treinador do Barcelona.  A primeira não constituiu  fator de diferenciação, ser admirador do estilo de jogo de Cruyff, preferência a respeito da qual mais vale tirar senha e colocar-se na fila, de tantos os treinadores que o proclamam. O segundo destaque foi, pelo contrário, singular: Sétien é um xadrezista de elite, tendo defrontado os campeões do Mundo Garry Kasparov e Anatoly Karpov, em ambas as ocasiões integrado nas partidas que as referidas lendas fazem contra vários adversários em simultâneo. Já jogou também contra Deep Blue, o computador da IBM, máquina invencível que ficou na história por vencer os grandes génios xadrezistas.


Parece-me interessante perspetivar que utilidade pode esperar-se no futebol de um treinador com este interesse numa matéria tão pouco relacionada. Imagino que nenhuma, contudo a ter alguma creio que o Barcelona é o clube para expressá-la, pela aceitação tácita do estilo, por aquela definição quase escolar, pela paciência que implica, às vezes desesperante para os outros, onde o tempo se conta não por um relógio mas pela percentagem de posse de bola. Li que o Bétis de 2017/2018, treinado justamente por Sétien, teve média de 63% neste registo, mais do que qualquer equipa da liga espanhola tivera desde 2005, excluindo o Barcelona.
«Que peça seria Messi no xadrez?», perguntaram uma vez a Sétien, tendo ele respondido que «seria a rainha, porque pode fazer tudo ».


A Messi já lhe tinham chamado de pulga a rei, rainha creio que terá sido a primeira vez. Até aí Sétien, talvez já antecipando os respeitos do balneário, soube enquadrar-se com mestria, quase recuperando aquela velha máxima do cavalheirismo que diz que a vida é como o xadrez, quando perdemos a nossa rainha o mais certo é que percamos o jogo.