Público nos estádios

OPINIÃO03.04.202107:00

Uma simples mesa com quatro convivas pode ser potencialmente mais perigosa do que um estádio com um décimo da sua lotação ocupada

PERGUNTARAM ao primeiro-ministro a razão de se manter a proibição de público nos estádios. A resposta foi sucinta e quase retórica. Explicou António Costa que a presença de público nos estádios gerava reunião de pessoas e, por isso, criava maiores condições de transmissibilidade do vírus.
É uma verdade irrebatível. No entanto, a mesma resposta poderia ter sido dada, caso a Direção-Geral da Saúde entendesse haver o mesmo risco numa esplanada cheia de gente desejosa de um tempo de convívio ao sol. Com uma particular diferença. Salvo qualquer argumentação científica, que não vislumbro, uma simples mesa com quatro convivas pode ser potencialmente mais perigosa do que um estádio de cinquenta mil lugares, com um décimo de ocupação.
Mas devemos nós, cientificamente leigos, questionar decisões políticas assentes em opiniões de técnicos de saúde? E a resposta, embora possa parecer abusiva, é sim, devemos. Em primeiro lugar, porque tudo o que diz respeito à vida das pessoas não pode ter uma natureza indiscutível; depois, porque, com o devido respeito, duvido que os técnicos da DGS consigam fugir a um habitual paradigma de preconceito sobre a questão desportiva e suas gentes, mantendo uma ideia de se tratar de uma turba socialmente irresponsável.
Evidentemente que ninguém poderá defender, nos tempos que correm, regras de livre arbítrio na frequência dos estádios. A acontecer, e seria necessário estudar muito rigorosamente as condições em que poderia acontecer, teriam de haver experiências piloto muito controladas e de se garantir direitos de admissibilidade segundo a exibição de testes negativos ou de comprovativos de vacinação. Mesmo assim, com um controlo absoluto de lugares previamente disponíveis, eventualmente, pessoais e intransmissíveis.
Uma logística demasiado complicada para um objetivo aparentemente pequeno? Algo que os clubes, com a sua experiência e capacidade de organização, certamente, seriam capazes de propor, de uma forma efetiva e rigorosa, para apreciação e decisão das autoridades em matéria de saúde pública.
Claro que o Governo, assoberbado com um plano de vacinação que ainda não saiu do adro da igreja, achará que não tem tempo, nem paciência, e muito menos margem de oferta pública de mais matéria de contestação, para se ocupar de um plano de retoma do espetáculo desportivo. E sabe que se ousasse transigir em relação ao público nos recintos desportivos ao ar livre estaria sujeito a um ataque cruzado da oposição política e dos comentadores tradicionais, que se deliciariam por terem nova matéria de crítica num palco popular.
Mas nada disto invalida a convicção de que a proibição de público nos estádios é determinada pela falta de informação específica dos técnicos da área da saúde e pelo comodismo político, juntando-se, aqui, o Governo e todo o universo dos grupos parlamentares na Assembleia da República.
Em todas as decisões políticas, em matéria de desconfinamento, mesmo aquelas que assentam, para maior descanso das consciências, na opinião dos técnicos de saúde, há um contexto que as explica. Na maioria dos casos, é um contexto económico, mas existe, também, um contexto de lóbis corporativos, que levam à flexibilização dos critérios. E sabe-se que o lóbi do futebol tem má fama. De facto, ninguém que queira viver em paz e sossego mundano quer estar associado a uma qualquer decisão que possa ser tida como condicionada pelas gentes da bola.
Existe, ainda, um outro influencer decisivo: o poder setorial do desporto, no seio do Governo. E esse é, como se sabe, manifestamente, insignificante.
 

O tempo útil do jogo

A questão está longe de ser menor. Ela é, de facto, determinante para a qualidade de jogo e para a definição do nível da competição. Mas é verdade, como Sérgio Conceição disse, que não depende, apenas, dos treinadores. Depende também de uma cultura de verdade desportiva dos jogadores e de uma cultura técnica dos árbitros, alguns dos quais escondem as suas poucas competências numa sinfonia de apito. Pode juntar-se a falta de educação desportiva do público e, até, dos jornalistas, mas o essencial depende de quem está em palco.
 

Marcelo contra Costa

É assim que grande parte da imprensa e dos comentadores políticos resumem a questão da decisão do Governo levar ao Tribunal Constitucional a promulgação presidencial do reforço dos apoios sociais. A ideia assenta num argumento óbvio: nada na política seria suficientemente interessante sem o recurso mediático ao conceito de um combate de boxe entre dois pesos pesados. Pode ser um combate apenas virtual, até manifestamente exagerado, mas garantindo mais audiência, nada se cria e tudo se transforma.