Pepa, Leonardo Jardim e o pecado de Bruno Lage
JAM Sessions é o espaço de opinião semanal de João Almeida Moreira, jornalista e correspondente de A BOLA no Brasil
Na final do Mundial de 1998, o selecionador brasileiro Mário Zagallo tinha duas opções: a primeira era colocar em campo Edmundo, que havia marcado 29 golos em 28 jogos pelo campeão nacional Vasco da Gama no Brasileirão anterior; a segunda era manter a titularidade de Ronaldo, que horas antes enfrentara uma convulsão e estivera, segundo quem sabe, entre a vida e a morte.
Optou pela segunda porque Zagallo conhecia todos os mandamentos do futebol brasileiro do qual ele foi talvez a mais completa tradução: e um deles diz que o craque da equipa, mesmo doente, joga sempre.
Bruno Lage, a 2 de outubro de 2023, tinha dois meses e alguns dias de Brasil, cometeu um pecado capital ao serviço do Botafogo: no Nilton Santos, com o Goiás, deixou o craque da equipa, Tiquinho Soares, no banco. «O próprio Tiquinho disse recentemente que veio de uma lesão difícil, desde então não vem sendo o Tiquinho de antes da lesão, e no lugar dele não coloquei um jogador qualquer, coloquei o Diego Costa...», justificou-se.
Como o resultado foi um decepcionante 1-1 e Tiquinho, por ironia, depois de entrar na segunda parte, marcou um golaço, o atual treinador do Benfica ouviu «burro, burro, burro» das bancadas e acabou despedido no dia seguinte.
Pepa, no Sport Recife, e Leonardo Jardim, no Cruzeiro, desrespeitaram o mesmo mandamento que Lage infringiu mas que Zagallo respeitou. No duelo na casa do Corinthians, o Sport perdeu e caiu para último da classificação sem o médio de armação Lucas Lima, craque da equipa, entre os titulares. «Foi tático, queríamos uma equipa mais vertical, com alas mais incisivos», explicou Pepa. Mas o pecado não foi esquecido nas redes sociais, hoje ainda mais impiedosas do que as bancadas. Herói de 2024, quando devolveu o clube à elite, mereceu voto de confiança da direção. Que vale o que vale — e no Brasil vale menos ainda.
Já Jardim vem deixando Gabigol e Dudu, as duas contratações mais mediáticas do clube no ano (talvez na década) por chegarem como símbolos dos devoradores de títulos Flamengo e Palmeiras, no banco. Um pecado capital duplo. «Têm um currículo extraordinário mas, no momento da equipa, tenho feito outras opções», disse o treinador. Como empatou na casa do São Paulo e ganhou 3-0 ao Bahia sem eles, foi chamado de «corajoso».Ao perder na casa do Bragantino, já ouviu que está «perdido» e que «não pode deixar 4,5 milhões de reais [cerca de 750 mil euros] de salários no banco».
O desrespeito a um dos mandamentos do futebol brasileiro custou a demissão de Lage. E pode custar caro a Pepa e Jardim.
Mas respeitá-lo também custou a Zagallo, naquele longínquo 1998, que levou 3-0 da França de Zidane e companhia com o Fenómeno no campo e o Animal no banco.