Pensar a negro

OPINIÃO18.07.202004:00

Quando eu estava na casa dos quarenta anos de idade, costumava dizer que era a melhor idade. Como a canção falava na ternura dos quarenta! Encontrava os meus melhores amigos nos casamentos dos filhos ou nos funerais dos Pais. Era o normal desse tempo.


Hoje são os funerais dos nossos amigos onde encontramos os outros amigos comuns. Só que neste tempo maldito do Covid-19, e por causa dele, já nem lhes podemos dar o último adeus, nem dar um pouco de conforto aos filhos. Os tais filhos em cujo casamento estivemos como nos funerais dos avós!
São os ciclos naturais da vida, mas este ciclo está a ser difícil de suportar, seja pelo falecimento dos amigos e daqueles que estão a sofrer grandes dificuldades até de ordem material.


Eu também fui vítima deste maldito bicho que já matou demasiada gente em todo o mundo. Felizmente não tive de suportar um sofrimento físico muito acentuado; mas o sofrimento psicológico é forte e o confinamento a que estamos de certo modo ainda sujeitos demolidor para a vida humana.


Pertenço a uma geração que nasceu depois de ter terminado a segunda guerra, mas que foi educada por pessoas - pais e avós que a viveram - e que nos educaram dentro de princípios e valores que ainda hoje permanecem e que apesar de tudo de algum modo conseguimos transmitir aos nossos filhos. Um desses princípios foi o espírito de poupança que nos incutiram, pois tinham feito bastantes sacrifícios para viver razoavelmente em tempos difíceis. Quando falo com os meus amigos todos nos lembramos que havia um dia na semana que as nossas mães faziam ou mandavam fazer um prato - a roupa velha - que era feito com os restos das comidas que haviam sobrado durante a semana. Lembramos isso com uma enorme saudade, porque teve um significado muito importante para nós. Podíamos comer roupa nova todos os dias, felizmente, mas era importante fazer sentir o valor da poupança e não estragar comida, quando havia pessoas que nada tinham para comer.


Crescemos na ditadura salazarista e tivemos de suportar a chamada guerra colonial que interrompeu cursos, destruiu vidas, casais, provocou feridas físicas e morais. Uma guerra é uma guerra e as suas consequências são evidentes nas vidas dos povos. Por vezes, e perversamente, são benéficas na vida dos povos.
Vivemos o Maio de 68 com toda a alteração de valores que então se verificou. Em todo o caso, considero que a revolução e degradação de princípios e valores a que assistimos de há alguns anos a esta parte é muito mais preocupante, sobretudo porque são veiculados através de meios de comunicação que são a mais completa demonstração da falta de carácter que anda por toda a parte!
Mas voltando atrás, vivemos o 25 de Abril, o 28 de Setembro, o 11 de Março e o 25 de Novembro, cada um com as suas razões e as respectivas consequências. Com ele o fim da guerra, o fim do serviço militar - que me perdoem, mas que tanta falta faz - e a descolonização inevitável que tantos dramas também veio provocar na vida de muitas pessoas do continente e do ultramar!
Depois a entrada na União Europeia e, mais tarde, a adesão à moeda única, que provocou uma alteração profunda na sociedade portuguesa, para o bem e a para o mal, mas que eu achei e acho fundamental para o nosso desenvolvimento! Onde estaríamos sem a integração?


Pelo meio, vivemos algumas crises económicas e financeiras, em que receamos por um fim de vida de austeridade e a duvidar pela capacidade do Estado suportar as nossas reformas. Haverá gerações mais ricas de experiências que aquelas que nasceram em meados do século passado?


Acho, orgulhosamente, que não! E quando achávamos que iríamos viver o resto dos nossos dias descansados (de certo modo) e a ver crescer os nossos netos, eis que aparece o Covid-19 para matar a nossa esperança de viver mais anos que outras gerações não viveram. E o mais grave é que não me tiram da cabeça que o vírus foi inventado exatamente para não se viver muitos mais anos a partir da chamada idade de risco que também é a idade reforma!


É este o tempo actual, com doença que se desconhece ou quanto tempo vai durar, desemprego, pobreza, falências e insolvências, cada vez mais pobres e sem-abrigo.


E no meio disto tudo, perguntava-me um amigo e familiar se em Portugal nada daquilo havia, se não havia qualquer outra preocupação para além de saber se Jorge Jesus vem ou não para o Benfica. Apenas respondi que não sabia se estava tudo louco ou se há pessoas a quem é conveniente que se fale nisso e não noutros temas! No fundo, não passa de falta de vergonha, para além de outras poucas vergonhas que se vão conhecendo nos seus pormenores!
É mesmo um tempo negro, para pensar a negro!...

António Aguiar de Matos

Há amigos meus e leitores de A BOLA que me dizem que eu tenho muitas notas sobre falecimentos, nomeadamente de sportinguistas. E eu respondo que, como é óbvio, o faço com muita tristeza. E agora mais triste é, porque nem possível é dizermos adeus aos nossos amigos, como acima referi, nem confortar os seus familiares.


De qualquer forma, tendo um jornal que acolhe os meus comentários, não posso deixar de aproveitar para homenagear de uma forma singela e sincera os meus amigos que eu conheci no futebol e que serviram o Sporting, com esforço, dedicação e devoção. Foi a coisa mais positiva que retirei do futebol nestes quarenta anos: ganhei muitos Amigos!


Conheci o António Aguiar de Matos, no final dos anos oitenta, no restaurante Chagão onde almoçámos durante alguns anos. O seu irmão Luís e o Pai de ambos pertenciam aos órgãos sociais eleitos com o Presidente Sousa Cintra. Muitos anos mais tarde, seria a irmã Luísa a integrar a lista para o Conselho Leonino na minha candidatura de 2011. A sua Mãe também conheci e era uma Senhora que do alto da sua estatura moral, mas de uma pequena altura física, era, apesar de uma bonita idade, uma mulher jovem na sua decisão e determinação. Conheci, pois, toda a família, incluindo as suas filhas, Marta e Catarina. A toda a família as sentidas condolências do amigo que fui e continuarei a ser quando fizer a mesma viagem e nos encontrarmos lá em cima, onde já está a Teresa, sua esposa, que faleceu no mesmo dia de outro querido Amigo, o Armando Lacerda, de cuja conversa rica de ideias tenho muitas saudades.


Ficará na nossa memória para sempre aquela viagem a Munique em 2006 para ver o Sporting: dois casais amigos, o António e a Teresa, o Armando e a Clementina, eu e a minha mulher. Almoços, jantares, passeios, tivemos dezenas de ocasiões de convívio. Restam as memórias doces desses tempos que não voltam.


António Aguiar de Matos foi vice-presidente dos Leões de Portugal, Segundo Secretário da Assembleia Geral e vogal da Direcção. Foi presidente da Associação de Hóquei em Patins, a sua modalidade querida e que regressou ao Sporting graças ao seu empenho e de Gilberto Borges, felizmente ainda vivo! E, por isso, também associado aos triunfos nacionais e internacionais conquistados nos últimos tempos. O Sporting atribuiu-lhe muito justamente a Medalha de Mérito e Dedicação do SCP em 2002!


António: falámos todos os dias que eu estive no hospital e todos os dias durante o confinamento, sempre preocupados um com o outro. Falámos pela última vez no dia do teu aniversário. Dias depois deixamos de poder falar, porque o maldito te calou. Descansa em paz e um dia destes havemos de nos encontrar para viver em conjunto as alegrias e tristezas do nosso Sporting e reviver uma amizade de trinta anos!