O desporto na televisão do Estado
A RTP tem uma nova Direção. Maria Flor Pedroso, jornalista de indiscutível qualidade profissional, foi justamente escolhida para diretora de informação do canal televisivo do Estado numa manifestação de senso político e de distanciamento partidário.
Conheço a profissional e tenho pelo seu trabalho o maior respeito. Recentemente, Flor assumiu a responsabilidade de organizar e promover um debate alargado de diretores de diversos órgãos de informação e que incluíam os desportivos. Uma tarefa complexa porque havia que ultrapassar a barreira de justificada insatisfação dos jornais desportivos, que tinham ficado no esquecimento da organização do Congresso dos Jornalistas. Pelo diálogo, assente na responsabilidade, no empenho e no conhecimento mútuo, foi-nos possível encontrar, em conjunto, uma solução digna para o problema.
Agora, Flor Pedroso tem pela frente tarefa muito mais exigente. A televisão do Estado tem e sempre teve excelentes profissionais, mas é um monstro que o clientelismo político dos sucessivos governos foi engordando desmedidamente. Custa-lhe mover-se, custa-lhe mudar de (maus) hábitos, custa-lhe dar três passos se puder dar apenas dois, custa-lhe, sobretudo, enfrentar os desafios de uma nova realidade que, no fundo, todos os media privados têm vindo a enfrentar com as dificuldades conhecidas do mundo da comunicação.
A primeira e mais importante tarefa da nova diretora de informação será a de garantir que a sua área assuma a responsabilidade do serviço público, que tem obrigação de prestar, sem fazer dessa informação um funcionalismo cinzento e politicamente bem comportado, nem um espetáculo degradante de uma socialite brejeira e alienante que parece ser exigido por uma audiência cada vez mais acrítica e menos pensante.
Há, sempre houve, na RTP, um mal resolvido problema filosófico: seguir o rumo das audiências que os privados traçaram como moda televisiva, ou ter a coragem de inverter a tendência e fazer uma televisão pública de maturidade política e social?
É verdade que, não raras vezes, a RTP tem optado pelo meio termo, mas ainda recentemente, no canal 3, Ana Lourenço conduziu um debate de excecional qualidade sobre o interesse, ou o desinteresse, dos jovens na política, que poderia ter figurado na agenda de uma BBC.
Haverá, porém, uma ausência de definição política provocada pela dúvida entre a consciência da verdadeira importância editorial e a insustentável leveza do interesse da pouco qualificada maioria da audiência. Ora, é nessa mesma dúvida que tropeça a definição do âmbito e do espaço que o desporto deve ocupar na grelha do canal público.
Falo em desporto, não apenas em futebol, precisamente porque o canal público deverá ter, aí, uma função pessoal e intransmissível, por isso insubstituível, em especial, na sua projeção para a sociedade de um desporto plural e diverso, estrutural e culturalmente ético, capaz de dar voz e imagem a quem só muito raramente as tem.
Estará a RTP então condenada à debandada do tal povo que nem se governa, nem quer ser governado? Será obrigatório pensar em serviço público de televisão como um espaço social e cultural de elite? Obviamente, não. Porém, a RTP tem a responsabilidade de outra divisão do seu espaço informativo (também no desporto) pelos diversos canais que sustenta.
O caso da RTP 2 é o que mais parece necessitar de uma profunda reflexão, que leve a uma revolução editorial capaz de tornar o seu espaço menos híbrido e capaz de entender o desporto na sua mais ampla e complexa dimensão.