Luis Enrique não tem de ser simpático

OPINIÃO26.02.202508:45

O homem que apenas quer ser bom treinador. E que conseguiu uma obra de autor: este PSG é a melhor equipa da atualidade

«Nunca mais me ligues!» A frase, seca e proferida num tom agressivo, apenas confirmou o que os colegas espanhóis me diziam dele: não vais ter sorte, não é flor que se cheire. Foi há 15 anos, treinava Luis Enrique o Barcelona B e o motivo da chamada telefónica era para ter uma declaração sobre Nolito, compatriota que ele treinara na equipa secundária dos catalães e que se preparava para assinar pelo Benfica.

Nesta vida de repórter e na tentativa de conseguir chegar até aos confins do mundo, se possível, são muito mais as reações negativas que as positivas que obtemos, mas aquela resposta marcou-me porque são as pessoas por quem nutrimos maior respeito e admiração de que nos criam maiores expectativas – e desilusões.

Luis Enrique não era uma estrela, mas era um enormíssimo futebolista, titular no Real Madrid e depois num Barcelona que enamorou Portugal na sensacional época 1996/1997 que tinha Bobby Robson como treinador (José Mourinho adjunto), Vítor Baía, Fernando Couto e Luís Figo. E um Ronaldo estratosférico. Mas o asturiano nunca se deixou ofuscar por tanto talento. Era o ponto de equilíbrio, um atacante que aprendeu a jogar como médio e até como lateral. Atuou em todo o lado, menos a guarda-redes. Um Fredrik Aursnes a triplicar.

A adaptabilidade e versatilidade eram sinais de um homem inteligente e que transportou a complexidade que ia na sua cabeça para o banco. Sem saber muito bem porquê, talvez instado por aquele desligar de telefone abrupto, fiz questão de seguir de muito perto a sua carreira, primeiro na Roma, depois no Celta e a afirmação plena no Barcelona, o último treinador a vencer a Champions pelos blaugrana, há exatos 10 anos.

Admitindo que na seleção espanhola passou dos limites no primado da posse de bola, tornando-a tantas vezes estéril, Luis Enrique reencontrou-se no Paris Saint-Germain. É verdade que são os resultados que contam, mas quem se recorda das meias-finais da Champions da época passada concordará que os franceses não mereciam ter sido derrotados pelo Dortmund.

Mas é esta equipa de 2024/2025 que está no ponto de rebuçado. Foi o próprio técnico a afirmar que o PSG ficaria melhor sem Mbappé porque os 40 golos que o avançado francês marcava seriam substituídos pelos 10 que todos os outros atacantes fariam, ao mesmo tempo que o grupo perdia um ego gigantesco e ganhava solidez coletiva. O tempo deu-lhe razão, principalmente a partir do início de 2025: Dembelé voa, Barcola voa, Gonçalo Ramos acrescenta sempre muito jogue 10, 45 ou 90 minutos, Doué, Lee Kang-in, Doué e o recém-chegado Kvaratskhelia não deixam nenhum dos concorrentes descansados.

O salto qualitativo verificado dos últimos meses e a saúde que a equipa respira (média de idades de 21, 9 anos) coloca-a como a grande candidata a vencer a Liga dos Campeões. Quis o destino que se cruzasse com um dos outros favoritos nos oitavos de final (Liverpool), mas nem mesmo Salah poderá ser suficiente para eliminar aquela que considero ser a equipa mais completa da atualidade no futebol europeu. Das muitas dinâmicas criadas, o entendimento entre Vitinha e João Neves no meio-campo é das melhores coisas que se vai assistindo por aí e até Donnarumma atirou para a despesa os erros primários do passado, exibindo apenas o seu lado bom (fenomenal em muitos momentos). Tudo isto não será por acaso, esta equipa é uma obra de autor de um tipo que não quer ser simpático, apenas um grande treinador.