‘L’important c’est Rúben!...’

OPINIÃO27.03.202105:00

Fico satisfeito porque este rumo assenta, em minha opinião, no treinador, que eu sempre entendi como a peça essencial num projecto desportivo

DESDE o dia a seguir às últimas eleições do Sporting Clube de Portugal, em que aliás fui candidato ao lugar de Presidente do Conselho Directivo, que venho dizendo, e escrevendo, que o meu tempo acabou. Não porque me sinta acabado do ponto de vista físico ou mental, mas simplesmente não me consigo adaptar às exigências que rodeiam os que exercem funções executivas de responsabilidade. Falta-me a paciência e estômago para certos comportamentos, sinto-me incapaz de ir contra os meus princípios, ideias e convicções, recuso-me a ser politicamente correcto e assim ir contra a minha consciência!
Quarenta anos ligados ao desporto, feitos em Agosto de 2020, não como praticante ou técnico, mas como dirigente e jurista, na especialidade de Direito do Desporto, foi também o tempo certo para me desligar de funções executivas. A única que tinha até quarta-feira passada - presidente do Special Olympics (Portugal) - também chegou ao fim, após doze anos de vivência de uma experiência humana fantástica que, seguramente, me tornou num homem melhor. Resta-me um pequeno papel na comunicação social, de que este artigo semanal é um exemplo, e que, independentemente de outras razões, me impõe a meditação sobre os temas ligados ao desporto e não só.
Este tempo de confinamento, em que parece haver tempo para fazer tudo, mas em que algumas vezes parece nada se poder fazer, uma coisa é certa: há tempo para pensar, reflectir e, paradoxalmente, apesar da incerteza do futuro, decidir por um caminho, por um rumo!
Porque é o momento que se está a viver, importa falar do rumo desportivo que o futebol do Sporting parece ter escolhido para encurtar o fosso existente entre ele e os seus principais rivais. Diria mesmo que, mais que encurtado, pode deixar de existir - se houver coragem, e julgo que vai haver - para se não recuar e antes seguir em frente, sem desvios ao rumo traçado!
E fico satisfeito porque este rumo assenta, em minha opinião, no treinador, que eu sempre entendi como a peça essencial num projecto desportivo. É fácil falar em projecto, mas, na realidade, elaborá-lo e, sobretudo, executá-lo, é mais dificil, sobretudo, no futebol, onde os resultados negativos condicionam muito a assimilação por todos de um projecto sério, não demagógico!
Quando comecei, por assim dizer, a minha carreira enquanto dirigente desportivo, o Sporting acabara de ganhar o campeonato nacional da época de 1979/1980, sob o comando de uma comissão de gestão comandada por João Rocha e associada, em termos de futebol, a dois dirigentes de enorme sportinguismo e sobretudo com enorme competência: José Manuel Torcato (membro dessa comissão) e Manolo Vidal (já falecido), dois nomes incontornáveis quando se fala do futebol do Sporting, porque os seus nomes apareceram sempre associados a sucesso!
Realizadas as eleições, estes dois nomes não se encontravam na estrutura, mas de seguida houve uma tentativa forte de trazer para o futebol do Sporting José Maria Pedroto, aproveitando a ruptura no Futebol Clube do Porto entre a estrutura do futebol, onde pontificava Jorge Nuno Pinto da Costa, e a Direcção, presidida pelo Dr. Américo Sá! Por razões que alguns, como eu, sabem, e outros ouviram falar, Pedroto não veio para o Sporting e, em consequência, a instabilidade no que respeita a treinadores manteve-se como apanágio do futebol leonino.
Quando a meio da época de 1987/1988 assumi a chefia do departamento de futebol do Sporting, além de manter a estrutura do meu antecessor, um dos maiores dirigentes que conheci, o Coronel Ferreira Canais, chamei para o futebol sénior, sem prejuízo do seu papel no futebol de formação, Aurélio Pereira. Este tinha-me proposto contratar Carlos Queiroz para coordenar toda a formação do Sporting, admitindo-se a sua promoção futura a treinador principal, coordenando todo o futebol do ponto de vista do treino. E na ocasião fui buscar o treinador que melhor podia recuperar o projecto pensado para José Maria Pedroto, já falecido: o seu adjunto António Morais, o homem que mais me ensinou sobre futebol, incluindo os seus bastidores, os seus mitos e manias, etc...
 

Rúben Amorim foi aposta de risco de Frederico Varandas. E está a resultar


Infelizmente, este projecto mal se iniciou, porque em 1988, decorridos já seis anos sobre a vitória no campeonato de 1982, com Malcolm Allison, voltou-se à instabilidade e a mais cerca de doze anos sem triunfos no campeonato nacional.
Não tive mais qualquer lugar executivo nos órgãos sociais do Sporting Clube de Portugal, mas fui sempre consolidando a ideia que para um projecto estável era absolutamente essencial a pessoa e as ideias do treinador, e a sua sintonia com o presidente e com um director desportivo, cargo que passou a ter destaque e importância com o advento das sociedades anónimas desportivas.
Com Filipe Soares Franco, Miguel Ribeiro Telles, José Eduardo Bettencourt e Paulo Bento cheguei a ter esperança no surgimento definitivo de um projecto com base na formação. Quatro segundos lugares, que deviam ter sido três e um primeiro, que nos foi retirado por um árbitro (julgo que no activo enquanto dirigente), que fez vista grossa e dolosa a um golo marcado com a mão! Seguiu-se um período de instabilidade directiva e técnica que nos conduziu ao jejum que se arrasta desde 2002.
Em 2011 apresentei-me a eleições. Só resolvi dar esse passo depois de ter a certeza que tinha o treinador que entendia poder liderar um projecto assente na excelência da nossa formação e de um director desportivo que estivesse em sintonia comigo, no que respeita ao rumo e ao treinador, e que tivesse experiência e projecção internacional. Apostei em Paulo Futre e no treinador holandês Frank Rijkaard! Perdi as eleições e, portanto, não consegui concretizar as minhas ideias e as minhas convicções, designadamente que um projecto tem de assentar num treinador, custe o que custar!
É evidente que este custe o que custar é uma força de expressão, porque só poderia entrar em loucuras se o dinheiro fosse meu. Mas como não é, o que quero dizer com isto é que na elaboração de um orçamento, a aposta num grande treinador é a prioridade num orçamento global. O resto é para discutir com o próprio treinador, em função dos objectivos e dos jogadores possíveis, de preferência formados em Alcochete.
Em 2018, a minha candidatura teve mais a ver com a situação financeira do clube do que propriamente com a gestão desportiva. Com a época já iniciada e o trauma e consequências de Alcochete, não havia muito para projectar para além de apanhar os cacos que a Comissão de Gestão iniciara. Por outro lado, treinador já havia, era conhecido e competente e, portanto, não havia razão para, pelo menos até ao fim da época, o mandar embora.
Não concordei com o despedimento de José Peseiro, e critiquei-o, mas compreendi-o porque percebi a ideia de Frederico Varandas quando contratou Keizer. Era, por razões que desconheço, o seu treinador, o homem em quem apostava para uma nova era no futebol do Sporting. Ele concretizou a sua ideia de apostar num treinador, tal como eu faria. E isto sou obrigado a respeitar, por uma questão de coerência!
Estou crente que Varandas não se enganou na ideia, mas na sua concretização, ou melhor, na pessoa que escolheu. E a seguir seguiu caminho ou caminhos que mostraram desorientação e falta de um rumo definido. E é neste contexto que surge a contratação de Rúben Amorim, considerada um disparate e um disparate milionário.
Contudo, olhei para esta aposta suicida de Varandas com alguma desconfiança, mas também com alguma compreensão, pois admiti que o grande risco era dele! Gastar à cabeça dez milhões para ter a possibilidade de ir à Liga dos Campeões seria classificado de um bom negócio, se os resultados o permitissem. Como se não chegou lá, é fácil a crítica. Mesmo assim, aquilo que se viu no resto da época de 2019/2020 é que tinha efectivamente um projecto. Não deixei de recear que a exigência de resultados imediatos colocasse em causa um projecto que podia não dar frutos de imediato, mas que era um projecto em que os principais protagonistas estavam em sintonia!
Para Gilbert Bécaud l’important c’est la rose; para mim l’important c’est l’entraineur!