Jorge Jesus, a liderança e a autoridade
Com a pandemia, as bancadas desertas dos estádios fazem eco de uma pressão sistemática sobre os jogadores, que os condiciona e inibe
N ÃO há liderança sem autoridade, mas há autoridade sem liderança. Esta é uma constatação da vida e não, apenas, um conceito teórico. A autoridade sem liderança, ou seja, sem uma estratégia ou uma orientação, é própria de um agente que apenas faz cumprir regras e leis e que não tem a responsabilidade de as interpretar e de cuidar, previamente, do enquadramento das situações. É uma peça da engrenagem do comando e, como tal, a sua autoridade é meramente instrumental.
Já no que respeita à autoridade exercida por um líder, ela resulta inevitavelmente da força dessa liderança. Pode ser de cariz autoritária, com base no medo físico ou na fragilidade psicológica do outro, pode ser uma autoridade aceite quer pela qualidade profissional do líder, quer pela sua dimensão de caráter, quer pela empatia que provoca em seu redor, quer por estas e ainda outras importantes razões do perfil humano.
Jorge Jesus pertence à primeira categoria de um líder autoritário. É o perfil comum nas instituições militares e paramilitares, ou nas organizações sindicais, políticas, escolares, empresariais, que não apreciam especialmente as virtudes da corresponsabilidade.
Trata-se, muitas vezes, de uma questão cultural, mas, sempre, de uma questão comportamental e de personalidade.
A verdade é que Jorge Jesus sempre se deu bem com o seu estilo pessoal e intransmissível. É um líder duro, lembro-me de Pablo Aimar me confidenciar que tinha sido o treinador com quem mais tinha aprendido, embora se tornasse quase insuportável na relação diária, mas mais importante do que qualquer juízo moral ou de valor, os resultados e o rico e extenso currículo de Jorge Jesus falam por si do seu sucesso.
Aos 66 anos de idade e já com trinta anos de treinador, ninguém de bom senso poderia pensar que este homem tão genuíno e de tão forte personalidade iria mudar de estilo ou de atitude de liderança. Há, porém, um problema novo com o qual Jorge Jesus não podia contar: a pandemia trouxe novos desafios às lideranças das equipas de futebol. Desde aspetos relacionados com o treino, às condicionantes psicológicas dos atletas e, o mais importante, à difícil adaptação ao futebol dos estádios desesperadamente vazios, o que se faz mais sentir nas equipas dos clubes grandes.
É esta alteração significativa das circunstâncias do jogo que Jorge Jesus precisa de acomodar na realidade da sua liderança e admitir que precisa urgentemente de se adaptar ao novo contexto que inevitavelmente condiciona o jogo e quem o joga.
Se Jorge Jesus reproduzir as imagens dos jogos do Benfica, incluindo o jogo de Roma, não deixará de se impressionar com o silêncio assustador do Olímpico tão sistematicamente interrompido pelos seus gritos de insatisfação ou, mesmo, de fúria, dirigidos aos seus jogadores, obrigando-os a respeitarem uma cartilha de jogo em cada lance, em cada passe longo ou curto, transversal ou longitudinal, em cada pontapé de canto ou lançamento de linha lateral. Dir-se-á que sempre assim foi, que esse é o comportamento esperado em Jorge Jesus. O problema é que com um estádio cheio e com um público animado e ruidoso, o jogador não ouve o que, em estádios vazios, se torna num flagelo psicológico. O jogador, como qualquer intérprete, precisa de espaço e de tempo para ter autonomia no jogo, para o saber ler, pensar e o fazer crescer. E a verdade é que nenhum dos novos jogadores contratados pelo Benfica tem conseguido crescer. Estão demasiado condicionados e sem liberdade para errarem, algo que, em futebol, não se pode dispensar no caminho do sucesso.
Governante ou comentador?
O secretário de Estado da Juventude e do Desporto deu sinal de vida, em respeito ao desafio lançado pelo presidente do FC Porto, que o dera como morto ou desaparecido. Mesmo assim, o momento gerou a expectativa de se saber se o Governo de Portugal iria mudar a forma desleixada como tem entendido a realidade desportiva nacional e desvalorizado a importância do exercício físico neste tempo de sedentarismo obrigatório. Desilusão. Em vez de um governante, o país ouviu, apenas, a opinião de um mero comentador.
A discussão da guerra colonial
De repente, o país acordou para uma súbita urgência: discutir a guerra colonial. O tema foi suscitado pela morte da nada consensual figura do tenente coronel Marcelino da Mata e pelo habitual chorrilho de opiniões avulsas que as redes sociais costumam atirar aos cães vadios. Na verdade, os que dizem querer discutir a guerra colonial apenas querem a novidade de um novo palco para exibirem a sua pródiga ignorância. Porém, só a História pode discutir a guerra e não meia dúzia de iluminados. E para a História, cinquenta anos não é de mais.