Impostos e complexidade

OPINIÃO16.08.202004:00

Pagar mais impostos é muito bom para quem paga mais impostos

1- Trata-se no fundo...00000 - Exacto, Chefe. No fundo!  00O chefe tossiu, estava a meio da frase - não era ainda o momento para interrupções servis.
- Trata-se no fundo - recomeçou, irritado, o Chefe - de um problema de crença, não de dinheiro.
- De crença, Chefe? - murmurou o Primeiro Auxiliar.
- Sim, de crença. Temos de passar a ideia de que os impostos são bons para a pessoa que paga impostos. Quanto mais pagar, melhor para ela. É nisto que ela tem de acreditar.
- Oh, Chefe...
- E temos de transmitir isto de um modo pedagógico; utilizando ainda, tanto quanto possível, complexas fórmulas e complexos raciocínios económicos.
- Mas não é isso que estamos constantemente a fazer? - murmurou o Primeiro Auxiliar.
- Não estaremos a ser suficientemente complexos? - perguntou o segundo, a medo.
- É isso mesmo! - disse, de uma vez, o Chefe. - Por vezes vossas excelências simplificam, e isso é fatal.
- A vida nunca é simples - filosofou, de imediato, um dos Auxiliares.
- Exacto. Devemos por isso investir ainda mais na publicidade técnica e obscura. Devemos investir mais na complexidade.
- Temos de contratar mais economistas!
- Isso!

Pagar mais impostos é muito bom para quem paga mais impostos

2- Porque, no fundo, os impostos visam o desenvolvimento do país e se desenvolvemos o país desenvolvemos cada um dos contribuintes - disse, de uma vez, o Primeiro Auxiliar.
- A questão é simples: os impostos servem para melhorar a vida do país. Certo?
- Certo.
- Portanto...
- Portanto: quanto mais impostos um indivíduo pagar, mais o país melhora a sua qualidade de vida.
- Ou seja...
- Ou seja: quanto menos dinheiro cada pessoa tiver por mês para viver - pelo facto de pagar mais impostos - mais dinheiro tem o país, no geral.
- Isto é: quanto pior cada pessoa viver melhor viverá o país.
- Exacto.
- Viva, pois, o país! - exclamou o Primeiro Auxiliar.
O Segundo concordou.
- A questão é: estamos ao serviço dos interesses do cidadão singular ou do país como um todo?
- Do país como um todo, Chefe! -gritaram, em uníssono, os Auxiliares.
E repetiram ainda, com os braços levantados:
- Como um todo! Como um todo!
- E o país pertence a todos! - insistiu o Primeiro Auxiliar.
- Exacto. A todos!
- Portanto, se o nosso objectivo patriótico é melhorar a qualidade de vida do país, o que temos a fazer é...
- Piorar a qualidade de vida de cada cidadão!
- Aí está!


Pagar mais impostos é muito bom para quem paga mais impostos

3- Exactamente, meu caro. São grandezas inversamente proporcionais. Os economistas utilizam discursos longos e uma quantidade não habitual de números, mas no fundo, é isto que querem dizer: a qualidade de vida de um cidadão é inversamente proporcional à qualidade de vida do país. No limite: quando alguém compra um pão com manteiga e o come, está, objectivamente, a roubar esse pão com manteiga ao país.
- Temos, pois, de estar atentos e tentar piorar a qualidade de vida de cada cidadão; sem pausas, dia a dia, semana a semana.
- Mês a mês.
- Exacto, mês a mês. Tomar medidas fortes, firmes e corajosas para piorar a vida de cada pessoa sabendo que tal terá por consequência a melhoria da vida do país e, consequentemente, a melhoria da vida de cada pessoa, pois as pessoas pertencem ao país!
- Mas como é que as vamos convencer que, apesar de estarem a viver pior, estão, afinal, a viver melhor?
- Essa, sim, é uma das dificuldades - concordou o Chefe.