Futuro em pausa
O facto de Veríssimo ter sido apresentado como um treinador a prazo revela que Rui Costa nenhum ensinamento extraiu da maldade que foi feita a Lage
O S treinadores têm por hábito argumentar que as contas só se fazem no fim e isso torna despiciendos os reparos que têm visado a figura de Nélson Veríssimo, acabadinho de chegar, consciente da complexidade da empreitada que aceitou, mas cheio de entusiasmo e animado da vontade de fazer depressa e bem, o que nem sempre é aconselhável. No entanto, pode ser que alguma coisa de verdadeiramente surpreendente aconteça, à semelhança do fenómeno Bruno Lage, que fez o que fez em meia dúzia de meses e, apesar disso, jamais deixou de estar voltado para a porta de saída, por questões várias, umas que se conhecem e outras que um dia serão contadas.
É louvável que Veríssimo, tendo feito parte dessa equipa técnica, acredite ser possível dar a volta por cima, numa espécie de golpe de magia que, num ápice, transforma uma mescla de atores vulgares, aburguesados e convencidos, num grupo destemido, coeso, ambicioso e que encara cada jogo com responsabilidade e total entrega. Em face das circunstâncias, porém, manda a sensatez moderar o discurso e não alimentar expectativas atrevidas, pela razão simples de, entre outras insuficiências, não haver nenhum Jonas e o efeito Félix ser um caso muito raro, aqui e em qualquer parte do Mundo.
O facto de ter sido apresentado como um treinador a prazo revela que Rui Costa e a Administração a que preside nenhum ensinamento extraíram da maldade que foi feita a Lage. Neste sentido, Veríssimo não deve prometer o que não está em condições de oferecer. No final do seu contrato competir-lhe-á, apenas, devolver aos patrões do clube uma águia mais forte do que a que lhe entregaram há cerca de duas semanas para fazer uma cura termal. O treinador escolhido para o sacrifício deve, pois, ignorar o título, até para defesa da sua imagem, o que não quer dizer que deixe de acreditar ser um objetivo possível de alcançar.
N O último campeonato, o Benfica acabou no terceiro lugar, a nove pontos do Sporting (campeão) e a quatro do FC Porto (segundo). Apesar de ter apanhado o comboio a meio do percurso, este é o único termo de comparação sério que pode ser esgrimido no final da presente temporada para avaliar o peso do trabalho de Veríssimo, razão pela qual, sem interferir a sua linha de pensamento, nem na coerência do seu discurso, entendo dever concentrar-se naquilo que é essencial: investir no acesso direto à Liga dos Campeões (2.º lugar) e só depois, se os astros estiverem de feição, tentar o andar de cima.
Do mesmo modo que é um disparate exigir de Nélson Veríssimo um milagre em quinze dias de trabalho, também não faz sentido pedir a Rui Costa, eleito presidente há apenas três meses, que revolucione em tão curto período o que foi sendo mal feito durante anos no futebol do clube, em que volumosos investimentos do ponto de vista financeiro não tiveram a normal correspondência em termos de conquistas desportivas.
R UI Costa tem a confiança da esmagadora maioria do universo benfiquista, o qual espera ver nele, mais do que um presidente, um líder, um símbolo de mudança, a figura de um pai disciplinador e agregador, tolerante, mas com autoridade para diluir desavenças e convencer a família da águia a pronunciar-se a uma só voz, sem jamais abdicar da liberdade crítica.
Não me pronuncio sobre a sua recente entrevista ao canal do clube por nada ter a acrescentar à imensidão de opiniões, escritas e faladas, em relação ao que disse ou não disse e devia ter dito. Fiquei com a ideia, no entanto, de que poderia ter sido mais esclarecedor acerca do futebol, a bandeira do clube.
Há uma semana, neste espaço, defendi que o balneário precisa de ser arejado e aliviado de artistas bem pagos que andam por ali há tempo demasiado sem nada acrescentarem de relevante e de outros, mais recentes, contratados à pressa, sem critério, nada baratos, e que apenas contribuíram para engordar a massa salarial do plantel. Um semana depois, não enxergo motivos para mudar de opinião, pelo contrário.
O presidente eleito falou e deixou tudo na mesma, atrasando, seriamente, o processo de mudança por que todos anseiam. Não vale a pena virar a cara para o lado. Do meu ponto de vista, Jorge Jesus era um problema, mas deixou de o ser, já não está. Subsistem outros, todavia como se verificou no recente jogo com o Moreirense.
O remédio não está nas táticas, esqueçam isso. O Benfica só consegue dar um passo em frente quando libertar o plantel do aglomerado de praticantes banais, trocá-los pelas colheitas que o Seixal tem produzido e escolher um treinador jovem e competente que não só se identifique com a política futebolística adotada, mas também a encare como veículo de recuperação do prestígio europeu da águia, num projeto a dois ou três anos.
À margem disto é perda de tempo, motivo pelo qual não percebi a intenção de Rui Costa na recente entrevista quando afirmou estar «plenamente convencido de que Nélson Veríssimo não será só para seis meses». Convencido? Para seis meses ou não? Em que ficamos? Qual a autoridade que lhe é atribuída? Adiar decisões é como continuar a navegar em águas turvas. É não enfrentar o presente e colocar o futuro em pausa.