Fraca crise a do Benfica

OPINIÃO30.06.202004:00

HÁ duas semanas, neste espaço, escrevi que andava alguma coisa no ar e sublinhei que o alvo é sempre Vieira de cada vez que se enxergam motivos para lançar críticas ao Benfica. Poderá haver divergências  sobre os temas, mas quanto à finalidade observa-se uma estranha consensualidade entre os adversários, dentro e fora do clube:   atacar, desgastar e enfraquecer a trave mestra da estrutura da águia, provocar a sua saturação, nem que para isso seja preciso recorrer às alianças mais improváveis.

Deixemo-nos de meias palavras. Se Luís Filipe Vieira anunciasse hoje que seria sua intenção não candidatar-se às próximas eleições do Benfica, em outubro, Pinto da Costa, com a subtileza que o caracteriza,  não resistiria em fazer uma festa… discreta, com certeza.
As conquistas desportivas de PC, as mais importantes em Portugal,   na Europa e no Mundo, ninguém lhas tira e fazem dele o presidente mais titulado de sempre, mas em relação ao resto, à herança, à estabilidade financeira, ao património, às infraestruturas para manter o dragão entre o elite mundial, todos sabemos que, por razões que só ele poderá explicar e que conduziram a um quadro de asfixia, o saldo dos seus catorze mandatos já cumpridos não se recomendam. Quanto a esse resto, sobre o qual assentam os caboucos das grandes marcas de prestígio internacional, é inequívoco que Luís Filipe Vieira fez mais em dezassete anos no Benfica do que Pinto da Costa em trinta e oito no FC Porto.

Motivados por esta inatacável realidade, a cada dia que avança  aumentam os candidatos anónimos ao cadeirão presidencial da Luz, como se vai sussurrando, numa  altura em que foi travado o ciclo hegemónico portista, a tesouraria está confortável e  é a primeira vez em que se encerra o exercício anual «com um endividamento inferior a 100 milhões de euros», como anunciou Domingos Soares Oliveira à BTV, um valor baixo «tendo em conta uma entidade que, como grupo, está a faturar 300 milhões de euros».

A oportunidade é de ouro dado ser claro e óbvio que a dimensão estrutural do Benfica se sobrepõe a qualquer conjuntura, por muito negativa que seja.
O Benfica apresenta uma estabilidade significativamente contrastante com as públicas dificuldades dos seus dois rivais. Também por isso se entende mal a reprovação do orçamento do clube, por irrelevante margem, é certo, mas não deixou de ser um chumbo que foi considerado pela generalidade dos comentadores como um gesto de revolta, devido à quebra exibicional do futebol profissional, e  um alerta ao próprio Vieira, na perspetiva da proximidade da assembleia eleitoral.

Sobre os sócios  dos clubes continua a ter-se uma imagem  de turba acéfala, que reage por impulsos apenas em função dos resultados e que é facilmente manipulável. Sobre este assunto, o vice-presidente Varandas Fernandes, em entrevista publicada na edição de ontem de A BOLA, admite existirem benfiquistas a «semear a divisão e populismo», mas esgrime  números de títulos impressionantes para recusar o cenário de crise que tem sido profusamente espalhado. Fazendo uma comparação com os rivais recorda que na última década, no futebol, o Benfica ganhou mais títulos  do que o FC  Porto e o Sporting juntos e o  mesmo acontece nas modalidades (73 contra 40 do dragão e 23 do leão).

Aceita-se o comportamento espontâneo e desabrido do sócio no estádio, a vivência intensa de um jogo, ora sublimando os prazeres, ora reprimindo as frustrações. É o momento, indefinível, mas não faz sentido  associá-lo ao ato voluntário de votar um orçamento que deveria ser aprovado pacificamente. No entanto, foi rejeitado, por culpa  dos resultados do futebol? Seria uma atitude esfarrapada, tradutora de quem, na verdade, não pensa. Como sinal do descontentamento da família encarnada com a atual governação? Talvez sim, uma oportunidade bem aproveitada pelos que manobram na sombra, embora de curto alcance, por uma razão simples: se o mau adepto, não sendo ele a pagar, exige  ser campeão até na sueca, o bom adepto avalia a situação e sabe separar as águas.

O período decadente da equipa principal merece ser questionado com o ruído preciso. Os associados são livres de discordarem, sem jamais serem tentados pela ingratidão ou omitirem a obra feita, o que era e o que é o Benfica. É precisamente neste ponto que confluem as forças opositoras, internas e externas.
No lado de dentro, agora com a casa bem arrumada, não surpreende haver gente movida pela vaidade e pela ambição de poder com pressa de roubar o lugar a Vieira. No lado de fora, há ainda mais gente  que o quer ver pelas costas, por considerá-lo o principal responsável pelo irreversível crescimento do Benfica renascido e, em contraposição, pela  iniludível estagnação de Porto e Sporting.

Ou seja, a diferença entre quem  tem olhos para o futuro e quem  se esgota na resolução dos problemas do presente, podendo concluir-se que na vida de uma instituição centenária de renome, um campeonato talvez não tenha o valor que lhe querem atribuir. Garantidamente, não é suficiente para colocar o essencial em causa.