Editorial: João Félix - o regresso do génio
Nem foi preciso mudar de país. Bastou mudar de cidade e de técnico para voltar a ser bestial

Editorial: João Félix - o regresso do génio

OPINIÃO21.09.202313:11

Nem foi preciso mudar de país. Bastou mudar de cidade e de técnico para voltar a ser bestial

Pode parecer especialmente estranho que, de repente, João Félix renasça das cinzas, como entusiasticamente anunciava um jornal da Catalunha, que abria a sua primeira página com o criativo nome de JOÃO FENIX. Nem foi preciso mudar de país, bastou mudar de cidade e, mais importante, mudar de treinador. Como que por magia, um jogador que parecia perdido no futebol impaciente e torrencial do Atlético Madrid de Simeone, reconquistou a sublime subtileza dos génios incompreendidos e faz levantar, em cada jogo, as bancadas de Barcelona, apesar de tão habituadas a performances notáveis de alguns dos que se afirmaram como dos melhores do mundo.

João Félix não aprendeu com Xavi a jogar futebol, mas foi com o treinador espanhol que ganhou uma liberdade interior que lhe permite a alegria de uma nova liberdade de jogar e, com ela, o desejo de fazer de cada lance uma oportunidade imperdível de se vingar de um passado recente em que era visto, em Espanha, como um dos maiores enganadores do futebol mundial, que tinha levado o Atlético a pagar lata por ouro.

O caso de João Félix não deve, porém, ser visto à luz de uma realidade específica do futebol, a não ser por aquilo que o futebol também nos ensina da natureza humana. A verdade é que um pouco por toda a parte, países, cidades, empresas, escolas, ateliers, eu sei lá, há talentos encurralados nos seus labirintos, quer seja por imposição de circunstâncias, quer seja pela insensibilidade de quem os dirige. 

Na vida ainda curta de João Félix, há desde já uma experiência rica, diversa, apaixonante, que não conheceu o limbo morno em que muitos vivem as suas rotinas, mas antes o céu no auge do empolgamento dos seus fãs e o inferno da pressão de uma acusação sem tréguas. 

O momento atual será de êxtase e de encantamento, mas é importante que João Félix perceba que não há qualquer diferença cultural e muito menos humana entre aqueles que quase o liquidaram e os que, agora, o elevam à condição de estrela de primeira grandeza. Não é só o treinador que passa de bestial a besta, e vice-versa, todos nós corremos esse risco em qualquer momento da vida. Por isso, tal como costuma dizer Manuel Sérgio, é sempre bom ter alguma humildade e saber dividir por dois os grandes elogios e também os maiores deslouvores.