Lamine Yamal, campeão da Europa por Espanha
Lamine Yamal, campeão da Europa por Espanha (Foto: Imago)

Como prever o futuro aos 17 anos

'Tribuna livre' é um espaço de opinião em A BOLA aberto ao exterior, este da responsabilidade de Luís Sobral, consultor e ex-CEO da FPF

Portugal e França discutem hoje na Albânia o título de campeão da Europa sub-17. É a quarta final portuguesa, segunda consecutiva, e pode ser a terceira vitória depois de 2003 e 2016, esta poucas semanas antes do grande título sénior em Paris.

Além do aliciante de ver Portugal competir, este Campeonato da Europa é, hoje em dia, a prova da UEFA (a única?) com maior probabilidade de ver em ação os melhores de uma geração. Isso já não existe nos sub-19, muito menos nos sub-21.

Apesar de esta época a UEFA ter reduzido de 16 para 8 as seleções participantes (o que retira este privilégio a umas dezenas de rapazes), nesta idade os jogadores atuam de facto na formação, pelo que os clubes normalmente cedem quem os selecionadores escolhem.

O sítio certo para adivinhar o futuro

Parti para este artigo com dois objetivos: perceber se na última década aqueles que são os melhores jovens jogadores seniores da atualidade passaram pelo Europeu sub-17 e, adicionalmente, compreender se estar entre os melhores do país com essa idade garante a seleção A.

Sobre o primeiro ponto, mais fácil de analisar, a resposta é sim. Na última década passaram pelas fases finais sub-17 alguns jogadores que hoje são primeiras figuras nas seleções e nos principais clubes. Não todos, claro.

Não é preciso ir a esta competição para ser uma figura de destaque nos seniores. A lista é boa e aqui fica, abreviada. Só olhei para jogadores de seleções que chegaram às meias-finais. É provável que nas outras também houvesse nomes que mereceriam destaque.

2016

Portugal venceu e nessa seleção estavam jogadores como Rafael Leão, Diogo Costa, Diogo Dalot, Gedson Fernandes, Florentino Luís e Diogo Leite. Em outras seleções estiveram nomes como De Ligt (Países Baixos), Fran García, Abel Ruiz e Brahim Díaz (Espanha) e Havertz (Alemanha).

2018

Os irmãos Timber (Países Baixos), Onana e Doku (Bélgica), Fagioli (Itália) e Saka (Inglaterra).

2019

Destiny Udogie (Itália) e Yéremy Pino (Espanha).

2020 e 2021 não houve competição, devido à pandemia de Covid-19.

2022

Nedeljkovic e Simic (Sérvia), Zaire-Emery e Desiré Doué (França).

2023

Lamine Yamal e Cubarsí (Espanha).

2024

Os portugueses Mora, Quenda e João Simões, além de Felicíssimo e Afonso Patrão; Andrija Maksimovic e Mihajlo Cvetkovic (Sérvia).

Como prever o futuro?

Pela lista de cima, não há dúvida que o Europeu sub-17 é sinónimo de qualidade. Mas será que isso é suficiente para chegar à Seleção A ou ter grande carreira? Os números dizem que não.

Mais uma vez, parti dos jogadores que integraram as seleções que chegaram às meias-finais dos campeonatos da Europa sub-17 desde 2016. É uma amostra, em princípio ali estavam os melhores daquela idade, naquele momento.

Claro que se já passaram nove anos para os campeões portugueses de 2016, para os vice-campeões de 2024 a idade sénior ainda está a começar.

O que se vê sobre as gerações de 2016 a 2018 é que poucos jogadores conseguiram chegar às seleções principais. Têm entre 23 e 26 anos e por estranho que possa parecer alguns, que na altura eram os melhores, agora atuam na quarta divisão.

Até ao topo é um funil, não podemos esperar que todas as estrelas aos 17 sejam talentos sólidos na idade adulta. Nem sequer a maioria. Mas o que se perde pelo caminho não deixa de ser impressionante e é um dos grandes mistérios (e oportunidades de melhoria) do futebol.

Entre os jogadores que estiveram nas quatro seleções que chegaram às meias-finais de 2016, só 19 chegaram, até esta altura, às equipas nacionais A. E entre estes há casos em que, por exemplo, aturaram por Espanha, Alemanha e Países Baixos e agora vestem a camisola de países como Moçambique, Marrocos, Azerbaijão ou Turquia. Dos jogadores de 2017, só 14 estão nas equipas principais, ainda que às vezes apenas com uma ou duas convocatórias. E, mais uma vez, alguns optaram por uma nacionalidade diferente, como o caso do alemão Yeboah que hoje joga pela Venezuela.

Para fechar a lista dos mais velhos, do Europeu de 2018 já estão na seleção A três italianos, cinco belgas, dois ingleses (um deles agora nos Estados Unidos) e cinco neerlandeses (um deles no Suriname).

Quanto mais nos aproximamos do presente, mais pequeno o número de jogadores na Seleção A. Muita coisa está ainda a começar para quem esteve no Europeu-2022, embora os nomes de Zaire-Emery e Desiré Doué impressionem quase tanto quanto os de Lamine Yamal e Cubarsí, em 2023, e Maksimovic, o avançado do Estrela Vermelha que foi figura em 2024 e desde então já atuou seis vezes na seleção principal da Sérvia.

Isto significa que um jogador pode ser figura num Europeu sub-17 e depois não dar em nada? Sim, claro.

Os dados indicam um fator que permite antecipar com algum grau de certeza o futuro: a época seguinte ao campeonato da Europa.

Não é uma regra absoluta, mas os jovens futebolistas de talento extraordinário em princípio conseguem chegar às divisões principais a seguir ao Europeu sub-17, apenas com 18 anos. Alguns exemplos sobre o que fizeram após a competição da UEFA.

Havertz: 28 jogos pelo Bayer Leverkusen na época seguinte.

De Ligt: 23 jogos pelo Ajax.

Brahim Díaz: estreou-se no Manchester City.

Owen Wijndal: estreou-se pelo AZ.

Entre os portugueses de 2016, só o avançado Zé Gomes chegou ao campeonato principal, pelo Benfica. No caso dele, infelizmente, não foi grande sinal. Leão, Diogo Costa, Diogo Dalot, Gedson Fernandes e Florentino atuaram nas equipas B.

Mais exemplos, agora na época a seguir ao Europeu de 2017.

Kabak: estreou-se pelo Galatasaray.

Amine Gouiri: o melhor marcador da prova fez 10 jogos pelo Lyon.

Jadon Sancho: 12 jogos pelo Dortmund.

Phil Foden: 10 jogos pelo City.

Férran Torres: 16 jogos pelo Valência.

Nos anos seguintes.

Jéremy Doku: 6 jogos pelo Anderlecht.

Saka: 4 jogos pelo Arsenal.

Zaire-Emery: 31 jogos e 2 golos pelo PSG.

Lamine Yamal: 50 jogos, 7 golos e 7 assistências pelo Barcelona, mais a vitória no Euro-2024 pela Espanha. Números de génio, sem dúvida.

Cubarsí: 24 jogos e uma assistência pelo Barcelona.

Em relação ao Euro da época passada, vale a pena voltar a falar sobre Maksimovic, que somou 36 jogos pelo Estrela Vermelha, com seis golos e cinco assistências.

Mas os números de alguns dos portugueses são também impressionantes. Como sabemos, Quenda assinou uma época excelente com 54 jogos, 3 golos e 6 assistências no Sporting. João Simões também jogou 18 vezes pelos leões, antes da lesão. Mora, no FC Porto, tem 32 jogos, 10 golos e 4 assistências na equipa principal. Eduardo Felicíssimo somou minutos no Sporting e Afonso Patrão foi a surpresa do Sporting de Braga na parte final da época, com minutos em sete jogos, um golo e uma assistência.

O futebol está longe de ser uma ciência exata, mas parece ser verdade que uma boa época a seguir ao Europeu sub-17 é sinal de carreira mais do que promissora e chegada rápida à seleção A. Foi bom assistir ao Europeu na Albânia, mas vale mesmo a pena é estar com atenção ao percurso destes jogadores na próxima época. Só assim se adivinha o futuro.