Coletivo ultra

OPINIÃO30.09.202003:00

Se repararem bem, falou-se muito pouco do Sporting e do FC Porto no defeso. O espaço noticioso resumiu-se basicamente a cinco temas: Benfica - Jorge Jesus - problemas de Luís Filipe Vieira - contratações do Benfica - eleições do Benfica, que foram servidos em doses cavalares para gáudio dos milhões de simpatizantes do clube encarnado. Creio que o Sporting, atarefado a reconstruir a casa, não se queixou da falta de atenção, como já não se tinha queixado da falta de adeptos na reta final da temporada passada. Também o FC Porto, campeão em título, não terá dado por mal empregue todo o tempo que teve para trabalhar em sossego, longe do escrutínio dos media e das manchetes hiperbólicas que animaram as bancas no verão. Bom. Por aquilo que se tem visto, o Sporting estará porventura mais sólido do que se imaginava; e o FCP continua de boa saúde, não parecendo muito abalado com as contratações e os negócios milionários do Benfica - se está, tem disfarçado bem.
Do Sporting sabia-se pouco até ao jogo com o Aberdeen. Até por causa do surto de Covid-19 que infetou boa parte do plantel e que, além de inviabilizar o jogo com o Gil Vicente, obrigou a uma partição dos jogadores entre Lisboa e o Algarve. O que se viu foi um Sporting coeso, organizado, disciplinado e muito, muito pragmático, capaz de ganhar os dois primeiros jogos (1-0 aos escoceses, 2-0 em Paços de Ferreira) sem sofrer golos nem danos físicos. Um coletivo ultra, portanto.
Perdido o líder e super solista que era Bruno Fernandes (a facilidade com que ele se tornou boss em Old Trafford!...), e não possuindo no plantel outros jogadores desse calibre - apenas promessas… - nem meios para contratar reforços de 15 ou 20 milhões, Rúben Amorim entendeu construir o seu Sporting na perspetiva de o todo valer mais que a soma das partes. Entendeu bem. Não se vê ali nenhum jogador capaz de liderar e decidir como BF, mas vê-se o princípio de uma equipa capaz de poder fazer coisas bonitas, como diria Artur Jorge. Assim tenha o Sporting tempo e paciência (dos adeptos) para preparar um futuro mais animador. Construir uma equipa competitiva leva o seu tempo. Não se consegue numa época ou duas.
O teste de amanhã com o bem mais encorpado Lask Linz fornecerá outras pistas, mas é bom que o Sporting perceba que o adversário lhe vai causar problemas de outra magnitude - quem não se lembra da exibição que a equipa austríaca fez há um ano (3 outubro) em Alvalade?
 

Mendes leva e trás

Mais uma operação histórica de Jorge Mendes que, sendo agente de Rúben Dias e Nicolás Otamendi, consegue a proeza de os trocar diretamente. Leva Rúben com uma mão e com a outra traz Otamendi - heliops! - numa dupla transferência globalmente avaliada em 83 milhões (68 milhões de Rúben mais 15 de Nicolás). Os negócios foram comunicados em separado o que suscita uma ou outra questão de pormenor - por exemplo: Mendes cobrou a comissão por atacado ou por cada uma das transferências?; de qualquer maneira, o Benfica encaixa 53 milhões, anula o buraco da Champions (cerca de 40 milhões) e ainda fica com 13 para atacar Rúben Semedo e pagar um chorudo ordenado a Otamendi, que ganhava 6,5 milhões limpos no Man. City. Esta operação apenas confirma a tendência dos últimos anos: o Benfica de Luís Filipe Vieira é, sobretudo, uma central de grandes negócios capazes de fazer a felicidade de muita gente. Nesse aspeto, reconheça-se, o vieirismo não tem rival.

Abadas de sinal contrário
Abada é como panada e espetar três ou quatro. Expressões da infância que caíram em desuso. Luís Filipe Vieira, atolado em casos judiciais, episódios duvidosos e com a equipa de milhões eliminada da Champions, nunca teve uma imagem pública tão má. Mesmo assim, consegue dar uma abada de 71-29 % à oposição na última AG do Benfica (depois de ter perdido a última, em junho). Creio que é um sinal francamente animador para Vieira em vésperas de eleições - se ele consegue isto nesta altura…; e um sinal francamente desanimador para a oposição, aparentemente incapaz de tirar partido dos múltiplos rabos de palha do presidente. No Sporting passa-se o oposto. Frederico Varandas, que não tem PGR, MP, PJ e AT no encalço e não é suspeito de nada a não ser de impreparação e de um certo egocentrismo do tipo eu-é-que-sei-não-preciso-de-ouvir-ninguém, tem dado mostras do bom senso que tanto lhe faltou há um ano na construção do plantel e preparação da época sportinguista. Ainda assim, leva uma abada de 32,7-67,2 % na última AG do Sporting (ajudem-me. Cada Direção tem os sócios que merece ou é o contrário ?...). Um sinal francamente desanimador para um presidente certamente bem intencionado, mas aparentemente incapaz de criar empatia com os adeptos (e se já era tempo). Mesmo enfrentando uma oposição que não tem sido mais do que um permanente bota abaixo, faça chuva ou faça sol, Varandas não consegue descolar. Porque será?