Até domingo!...
A reação emproada de Rui Vitória após golear o PAOK, na Grécia, o que determinou a entrada do Benfica na fase de grupos da Liga dos Campeões, pode comparar-se a um alívio profundo de quem acabara de libertar-se da pressão que lhe magoava as costas e arrasava os nervos.
Denunciou-se, por ter pretendido transformar um triunfo normal, quase obrigatório - em função dos elevados interesses em cima da mesa e dos 50 lugares que separam os dois clubes no mercado europeu -, num feito épico, o que deve ter incomodado os jogadores campeões europeus vivos que ouviram o que não esperavam ouvir.
Nem tanto por causa das palavras ditas. Doeu-lhes mais por expressarem menor consideração pela valiosa história da águia, na perspetiva de quem ergueu ou viu erguer o troféu mais desejado pelos emblemas europeus em dois momentos sublimes da sua vida (1961 e 1962) e que em outros cinco compareceu em finais, embora perdendo: Inter, 1963; Milan, 1965; Manchester United, 1968; PSV, 1988; Milan, 1990.
Rui Vitória tem títulos para exibir, mais até do que outros em idêntico espaço temporal, continua a justificar a confiança nele depositada pelo presidente mas, parece-me, não considerou relevante ainda fazer uma viagem tranquila e lúcida pelo passado desportivo do Benfica. E ao não julgar pertinente o desenho de uma ponte imaginária que ligue esse passado brilhante ao presente embaciado fica inabilitado a calcular com o rigor suficiente a verdadeira grandeza do clube e, consequentemente, tomar consciência da força da sua imagem no mundo.
Não estou a inventar nada. Pinto da Costa viu isso há uns bons 30 anos, quando percebeu que para projetar lá fora o FC Porto não podia esgotar-se nos jogos aritméticos sobre as conquistas internas. Precisava de investir na UEFA. Foi buscar a inspiração ao Benfica e quando este começou a quebrar, anunciando a saída de cena nas finais da Champions em 88 e 90, o dragão emergiu em 1987, com Artur Jorge, e não mais perdeu a liderança no protagonismo internacional até hoje. Porque adquiriu uma dinâmica de sucesso que mantém, enquanto o Benfica perdeu o rumo que só viria a reencontrar já neste século, com Luís Filipe Vieira.
Depois do que aconteceu na época transata, pouca razão assistiu a Rui Vitória ao apontar o dedo acusador aos que alertaram para a iminência do seu despedimento, entre os quais me incluo: falhar a entrada na Liga dos Campeões, deitando à rua mais de 40 milhões de euros, e fracassar no dérbi com o Sporting (houve empate) constituía mistura explosiva de imprevisíveis consequências.
Falou com voz grossa no final de agosto, mas a verdade é que, um mês decorrido, um mês, somente!, volta a sentir-se apertado pelos resultados. É a vida, costuma ele dizer, mas sugere a prudência que se empertigue menos com as críticas, se concentre mais no seu trabalho diário e deixe de se comportar como treinador de trazer por casa ao transferir para terceiros responsabilidades que ele deveria aceitar por inteiro.
Sim, Capela não é uma estrela do apito, nem sei se algum dia será, apesar dos talentos que especialistas lhe enxergam, mas no jogo de Chaves que acabou empatado, se alguém leu mal as legendas do filme foi o treinador do Benfica (entregou o penta com um golo sofrido aos 90 minutos e largou o primeiro lugar agora com outro golo sofrido aos 90 e tal), gerando desconforto com as insinuações que fez, nada de acordo com a magnificência da instituição que serve.
Hoje é dia de Liga dos Campeões. Oportunidade para Rui Vitória formar uma equipa de coragem e definir uma estratégia que permita ao Benfica vencer ao fim de humilhante série de oito derrotas: Dortmund (0-4), CSKA (1-2 e 0-2), Basileia (0-5 e 0-2), Manchester United (0-1 e 0-2) e Bayern (0-2) o que dá a arrepiante diferença de 20 golos sofridos e um marcado. Ganhar é o mínimo dos mínimos. Porquê? Porque de um lado está o Benfica, bicampeão europeu, como consta no seu cartão de identificação, e do outro o AEK, para aí 20 lugares abaixo do PAOK no ranking da UEFA.
Será bom que que as coisas lhe corram de feição, por causa do segundo lugar no grupo, que abre a porta dos oitavos de final, e também por haver clássico no próximo domingo, com o FC Porto a visitar a Luz, um ponto à frente do Benfica quando seria suposto estar um atrás. Por causa do malvado Capela, na opinião de Vitória, que teria muito para contar, mas não contou de modo a evitar suspensão e poder orientar a equipa no próximo domingo.
Desabafo dispensável, tanto mais que em matéria de jogos com o dragão o efeito da sua presença no relvado não tem sido marcante. Na Liga, vai ser o seu sétimo confronto e nos seis anteriores o treinador encarnado registou três derrotas e três empates. Saldo fraquinho, não?...
Vamos esperar, então, até domingo, na certeza de que, verificando-se um dos piores cenários (bastará um), o Benfica perder em Atenas ou o FC Porto ficar quatro pontos acima, Luís Filipe Vieira vai ter mais um incêndio para dominar.