Apanhem o leão, se puderem

OPINIÃO10.11.202003:00

Os treinadores do FC Porto e do Benfica, clubes que nas últimas décadas se habituaram  a dividir entre si  as vitórias nos campeonatos nacionais, estão a perder  mais pontos do que seria suposto nesta altura da época e a desculpa mais barata que enxergam é a de que a procissão ainda mal saiu do adro, assim como afirmam que é mais confortável olhar para os outros de cima para baixo e não o contrário, como ora lhes sucede.

O SC Braga deu uma lição de coletivismo e de cultura e maleabilidade táticas na Luz, sendo por absoluto mérito que divide o segundo lugar com a águia e soma mais dois pontos do que o dragão. Isto interessa é como acaba, a lengalenga do costume e uma evidência gasta por tanto uso, mas a liderança parece ter mel e quem lá chega sente-se fascinado pela beleza da paisagem e não mais quer sair. Nem o emblema bracarense, que vai entrar em ano de centenário, pretende abdicar do segundo lugar ou, no limite, do terceiro, com a entrada na Liga dos Campeões no pensamento.

Existe, pois, imensa curiosidade em saber como Jesus e Conceição conseguirão libertar-se da incómoda companhia de Carvalhal e, mais complexo ainda, como irão tirar Amorim lá de cima, do lugar a que se habituaram a ser só deles. Por isso, apanhem o leão, se puderem.

Este Sporting, que começou a ser formado por Rúben Amorim  em tempo  de pandemia, sem  muitos euros para gastar, descobriu  dentro de casa, e no mercado interno, as soluções possíveis, mas interessantes, para  refundar  o seu futebol, numa tentativa elogiável de mudar de página e avançar para novo ciclo de vida, até ao momento  caracterizado por atrevimento, lucidez  e competência. Ser líder da classificação à sétima jornada não terá  grande significado numa prova de longa duração, que termina em maio do próximo ano, mas é um sinal de vitalidade que convida a não desistir porque, finalmente, tudo leva a crer ter-se descoberto o caminho por onde o leão deve seguir.

Enquanto a pandemia mandar nas nossas  vidas,  e depois da fase de pandemónio, sábia comparação de Dias Ferreira, em A BOLA TV, numa alusão à turbulência  por que atravessou o clube de Alvalade, talvez esta proibição de gente nos estádios funcione como medida caída do céu, de maneira a permitir a técnicos a administradores leoninos a tranquilidade necessária para desenharem o novo projeto futebolístico e retirarem dos mais jovens praticantes, que são bastantes,  a pressão de uma massa adepta  cansada de promessas adiadas. Quero eu dizer que este afastamento forçado de público talvez seja uma dádiva, na medida que estão a gerar-se animadoras perspetivas de um reencontro feliz entre a equipa e a sua grande família, a qual, vencidas as contingências e emergências que calaram os estádios, terá então razões imensas para festejar o presente e acreditar no futuro. 

Rúben Amorim chegou ao primeiro lugar  na sexta jornada, e na sétima, em teste historicamente difícil, em Guimarães, não só não tremeu como respirou uma saúde física e mental impressionante, aliada a uma maturidade espantosa, não pelo modelo tático em si, mas pela coesão do grupo, pela coragem  e ousadia  e pela força de acreditar, atributos que, por exemplo, surpreenderam o FC Porto no clássico, em Alvalade, por não esperar um Sporting com capacidade competitiva para resistir em nível elevado até ao último minuto. Aconteceu aí,  repetiu-se nos Açores e foi sublinhado diante do Gil Vicente.  Isto é, este leão não só está preparado para inícios vigorosos nos jogos em que marca nos primeiros dez minutos (Portimonense, FC Porto, V. Guimarães) como demonstra  frescura de espírito impressionante para concretizar nos últimos dez (FC Porto, Gil Vicente, Santa Clara e Tondela). Ou seja, Amorim já  construiu uma equipa com alma para  tempo inteiro. 

Apesar de muita juventude, a quem se associa inexperiência, irreverência e natural dificuldade em reagir com serenidade aos momentos de mais elevada tensão  do jogo, o treinador leonino foi previdente ao respaldar o coletivo num bloco defensivo sólido e muito experiente a que acrescentou um elemento que, quanto a mim, tem tido papel relevante, ao pôr ordem quando a desordem aperta: o guarda-redes Adán, um poço de motivação  e sempre com um gesto de conforto para quem mais necessita. Não é nada  contra o jovem  e promissor Maximiano, obviamente, mas o futebol é o momento e as coisas são como são. Esta contratação, aliás, é a prova provada de que o edifício futebolístico  que está a crescer em Alvalade foi idealizado por quem sabe o que quer.

Rúben Amorim está no dealbar de uma carreira e aquilo que já alcançou não deixa ninguém indiferente. Será sorte? Em parte sim, mas não se conhece um campeão com azar. Será fruto do acaso? Talvez, em alguma ocasiões, mas tudo junto é de menos para explicar a sua soberba ascensão como treinador/gestor=manager. Além de ter trazido para o futebol uma mensagem nova, ora divertida, ora séria, mas cristalina, entendida por todos. O Sporting  tem alegria e dá prazer porque há muito não se via uma equipa tão eficazmente demolidora e, no entanto, tão simples no futebol que joga.